Selecione

Capítulo 2

Texto Original

Caput II

De summo desiderio beati Francisci, et qualiter in libri apertione intelexit de se Domini voluntatem.

 

91. 
1 Tempore quodam beatus et venerabilis pater Franciscus, relictis saecularibus turbis, quae ad audiendum et videndum eum quotidie devotissime concurrebant, locum quietis et secretum solitudinis petit, cupiens ibi vacare Deo et extergere, si quid pulveris sibi ex conversatione hominum adhaesisset (cfr. Luc 10,11). 
2 Mos eius erat tempus impensum sibi ad gratiam promerendam dividere, et, prout oportere videbat, aliud proximorum lucris impendere, aliud contemplationis beatis secessibus consummare. 
3 Assumpsit proinde secum (Luc 9,28; Mar 14,33) socios valde paucos, quibus eius conversatio sancta magis quam caeteris nota erat, ut tuerentur eum ab incursu et conturbatione hominum (cfr. Ps 90,6; 30,21), et suam quietem in omnibus diligerent ac servarent. 
4 Cumque illic aliquamdiu permansisset, et oratione continua frequentique contemplatione divinam familiaritatem modo ineffabili fuisset adeptus, quid aeterno Regi (cfr. Ps 28,10) de se et in se foret acceptius aut esse posset, cognoscere cupiebat. 
5 Curiosissime exquirebat et piisime anhelabat scire, quali modo, quali via aut quali desiderio Domino Deo valeret, iuxta consilium et beneplacitum (cfr. Sir 40,25) voluntatis suae, perfectius adhaerere. 
6 Haec summa eius philosophia semper fuit, hoc summum desiderium in eo, quoad vixit, semper flagravit (cfr. Num 11,4), ut quaereret a simplicibus, a sapientibus, a perfectis et imperfectis, qualiter posset viam apprehendere veritatis (cfr. Ps 118,30) et ad maius propositum pervenire.

 

92. 
1 Nam cum esset perfectissimus perfectorum, perfectum abnuens, imperfectum se penitus reputabat.
2 Gustaverat enim et viderat, quam dulcis, suavis (cfr. Ps 33,9) et bonus foret Deus Israel his qui recto sunt corde (cfr. Ps 72,1), et in simplicitate pura et puritate vera quaerunt illum (cfr. Sap 1,1). 
3 Infusa namque dulcedo et suavitas, rarissimis raro data, quam sibi desuper senserat adspirare, cogebat eum totum a se ipso deficere et tanta iucunditate repletus, cupiebat modis omnibus illuc ex toto transire, ubi, excedendo se ipsum, iam parte praecesserat. 
4 Paratus erat homo, spiritum Dei habens (cfr. 1Cor 7,40), omnes animi pati angustias, omnesque passiones corporis tolerare, si tandem optio sibi daretur (cfr. Ios 24,15), ut voluntas Patris caelestis misericorditer compleretur (cfr. Mat 6,14; 12,50) in eo. 
5 Acessit proinde die quadam ante sacrum altare, quod in eremitorio in quo ipse manebat erat constructum, et accepto codice, in quo sacra Evangelia erant conscripta, reverenter altari superposuit illum. 
6 Sicque prostratus in oratione Dei (Cfr. Luc 6,12) non minus corde quam corpore, humili prece poscebat, ut benignus Deus (cfr. Ioel 2,13), pater misericordiarum et Deus totius consolationis (cfr. 2Cor 1,3), suam sibi dignaretur ostendere voluntatem: 
7 et ut perfecte consummare valeret quod olim simpliciter et devote inceperat, quid sibi esset opportunius agere, in prima libri apertione indicari suppliciter precabatur. 
8 Sanctorum quippe ac perfectissimorum virorum spiritu ducebatur, qui pia devotione in desiderio sanctitatis simile aliquid fecisse leguntur.

 

93. 
1 Surgens quoque ab oratione, in spiritu humilitatis animoque contrito (cfr. Luc 22,45; Dan 3,39), ac signaculo sanctae crucis se muniens, de altari librum accepit eumque cum reverentia et timore aperuit. 
2 Factum est autem, cum aperuisset librum (cfr. Apoc 5,7.8), occurrit sibi primo passio Domini nostri Iesu Christi, et id solum quod tribulationem eum passurum denuntiabat. 
3 Sed, ne hoc casu evenisse possit aliquatenus suspicari, bis et ter librum aperuit, et idem vel simile scriptum invenit. 
4 Intellexit tunc vir spiritus Dei plenus (cfr. Gen 41,38), quod per multas tribulationes, per multas angustias et per multas pugnas oporteret eum intrare in regnum Dei (cfr. Act 14,21). 
5 Sed non turbatur fortissimus miles propter ingruentia bella (cfr. Qo 8,8), nec animo decidit praeliaturus Domini praelia (cfr. 1Re 25,28) in castris huius saeculi. 
6 Non veritus est succumbere hosti, qui non cedebat etiam sibi, cum diu supra modum humanarum virium laborasset. 
7 Revera ferventissimus erat, et si retroactis saeculis socium habuit proposito, nemo tamen eo superior inventus est desiderio. 
8 Nam et levius perfecta operari quam dicere cognoscebat: semper non verbis, quae bonum non faciunt sed ostendunt, sed sanctis operibus efficax studium et operam praebens. 
9 Manebat proinde inconcussus et laetus, et sibi et Deo in corde suo laetitiae cantica decantabat (cfr. Eph 5,18). 
10 Propterea maiore revelatione dignus habitus est qui sic de minima exsultavit, et in modico fidelis (cfr. Luc 19,17) constituitur supra multa (cfr. Mat 25,21).

Texto Traduzido

Caput II

Do maior desejo de São Francisco e de como compreendeu a vontade de Deus a seu respeito ao abrir o livro.

 

91. 
1 Certa ocasião, o bem-aventurado e venerável pai São Francisco afastou-se das multidões que todos os dias acorriam cheias de devoção para vê-lo e ouvi-lo e procurou um lugar calmo, secreto e solitário para poder se entregar a Deus e limpar o pó que pudesse ter adquirido no contato com as pessoas. 
2 Costumava dividir o tempo que tinha recebido para merecer a graça de Deus e, conforme a oportunidade, consagrar uma parte ao auxílio do próximo e outra à contemplação no retiro. 
3 Por isso levou consigo muito poucos companheiros, os que melhor conheciam sua vida santa, para que o protegessem da invasão e da perturbação das pessoas, e para que preservassem com amor o seu recolhimento. 
4 Passado algum tempo nesse lugar e tendo conseguido, por uma oração contínua e uma contemplação freqüente, uma inefável familiaridade com Deus, teve vontade de saber o que o Rei eterno mais queria ou podia querer dele. 
5 Buscava com afã e desejava com devoção saber de que modo, por que caminho e com que desejos poderia aderir com maior perfeição ao Senhor Deus segundo a inspiração e o beneplácito de sua vontade. 
6 Essa foi sempre a sua mais alta filosofia, seu maior desejo, em que ardeu enquanto durou sua vida: gostava de perguntar aos simples e aos sábios, aos perfeitos e aos imperfeitos como poderia chegar ao caminho da verdade e atingir metas cada vez mais elevadas.

 

92. 
1 Embora fosse perfeitíssimo entre os mais perfeitos, não o reconhecia e se julgava absolutamente imperfeito. 
2 Já tinha provado e visto como é doce, suave e bom o Deus de Israel para os que são retos de coração e o procuram na verdadeira simplicidade. 
3 Doçura e suavidade, que a tão poucos são dadas mas que a ele tinham sido infundidas do alto, arrancavam-no de si mesmo e lhe davam tanto prazer que desejava de qualquer maneira passar de uma vez para o lugar onde uma parte dele já estava vivendo. 
4 Possuindo o espírito de Deus, estava pronto a suportar todas as angústias, a tolerar todas as paixões, contanto que lhe fosse dada a possibilidade de cumprir-se nele, misericordiosamente, a vontade do Pai celestial. 
5 Dirigiu-se um dia ao altar construído na ermida em que estava e, com toda a reverência, depositou sobre ele o livro dos Evangelhos. 
6 Depois, prostrado em oração, não menos com o coração do que com o corpo, pediu humildemente que o Deus de bondade, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, se dignasse mostrar-lhe sua vontade. 
7 E para poder levar a termo perfeito o que tinha começado com simplicidade e devoção, suplicou a Deus que lhe indicasse o que era mais oportuno fazer logo que abrisse o livro pela primeira vez. 
8 Imitava, assim, o exemplo de outros homens santos e perfeitos que, conforme lemos, levados por sua devoção no desejo da santidade, tinham procedido semelhantemente.

 

93. 
1 Terminada a oração, levantou-se com espírito humilde e ânimo contrito, fez o sinal da santa cruz, tomou o livro do altar e o abriu com reverência e temor. 
2 A primeira coisa que se lhe deparou ao abrir o livro foi a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, no ponto que anunciava as tribulações por que deveria passar. 
3 Mas, para que ninguém pudesse suspeitar de que isso tivesse acontecido por acaso, abriu o livro mais duas vezes, e encontrou a mesma coisa ou algo parecido. 
4 Cheio do Espírito Santo, compreendeu que deveria entrar no reino de Deus depois de passar por muitas tribulações, muitas angústias e muitas lutas. 
5 Mas o valente soldado não se perturbou com a guerra iminente nem desanimou de enfrentar os combates do Senhor nas fortalezas deste mundo. 
6 Não temeu sucumbir ao inimigo, ele que não cedia nem a si mesmo, apesar de ter sustentado por muito tempo fadigas superiores a todas as forças humanas. 
7 Estava cheio de fervor e, se houve no passado alguém que o igualasse nos bons propósitos, ainda não se encontrou ninguém que o igualasse no desejo. 
8 Porque também tinha mais facilidade para fazer as coisas perfeitas do que para louvá-las, e empenhou esforço e ação nas boas obras, não apenas nas palavras, que não constituem mas mostram o bem. 
9 Por isso estava sempre alegre e tranqüilo, entoando no coração cânticos de júbilo para si mesmo e para Deus. 
10 Também mereceu uma revelação maior, ele que tanto se alegrara com coisas bem menores, como o servo fiel nas coisas pequenas que foi colocado acima de outras maiores.