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Sobre a detração

Texto Original

De detractione

Caput CXXXVIII - Quomodo volebat detractores puniri.

 

182 
1 Demum cum animus caritate repletus, Deo odibiles (cfr. Rom 1,30) odiat, vigebat istud in sancto Francisco. 
2 Detractores quippe super aliud vitiosorum genus horribiliter exsecrans, venenum in lingua (cfr. Iac 3,8) ferre eos dicebat, aliosque veneno inficere. 
3 Ideoque rumigerulos pulicesque mordaces, si quando loquerentur, vitabat avertebatque, prout vidimus, aures, ne tali polluerentur auditu. 
4 Audiens namque semel quemdam fratrem famam alterius denigrare, conversus ad fratrem Petrum Cathanii, vicarium suum, terribile hoc intulit verbum: “Instant religioni discrimina, nisi detractoribus obvietur.
5 Cito multorum suavissimus odor foetebit (cfr. Lev 1,13; Ex 5,21), nisi foetidorum ora claudantur (cfr. Est 13,17). 
6 Surge, surge, discute diligenter, et si accusatum fratrem repereris innocentem, accusantem dura correctione cunctis redde notabilem! 
7 Trude”, inquit, “eum in manu pugilis Florentini, si tu ipse punire non poteris!”. 
8 (Fratrem autem Ioannem de Florentia, virum magnum statura (cfr. Bar 3,26), viriumque magnarum, pugilem appellabat). 
9 “Summa volo”, inquit, “providentia cures, tu et omnes ministri, ne pestifer iste morbus latius se diffundat”. 
10 Nonnumquam vero eum qui fratrem suum famae gloria spoliaret, indicabat tunica spoliandum, nec ad Deum oculos posse levare (cfr. Luc 18,13), nisi prius quod abstulerat redderet. 
11 Hinc est quod fratres illius temporis hoc vitium quasi specialiter abiurantes, firma secum sanctione statuerant, quidquid aliorum honori demeret, vel probrum sonaret, studiose vitare. 
12 Recte et optime quidem! Quid enim detractor, nisi fel hominum, nequitiae fermentum, dedecus orbis? 
13 Quid vero bilinguis, nisi religionis scandalum, claustri venenum, dissidium unitatis? 
14 Heu, venenosis animalibus abundat superficies terrae (cfr. Ex 5,10), nec fieri potest ut proborum quivis aemulorum morsus evadat. 
15 Praemia delatoribus proponuntur, et innocentia subruta, palma quandoque tribuitur falsitati. 
16 Ecce, ubi sua quisque vivere probitate non potest, aliorum probitatem vastando, victum promeretur et vestes.

 

183 
1 Iuxta quod saepe dicebat sanctus Franciscus: “Vox detractoris haec est: 
2 Vitae mihi perfectio deest, scientiae vel peculiaris gratiae facultas non suppetit, ac per hoc nec apud Deum locum invenio nec apud homines. 
3 Scio quid faciam: ponam maculam in electis (cfr. Luc 16,4; Sir 11,33), et apud maiores gratiam promerebor. 
4 Scio praelatum meum hominem esse, eodemque mecum quandoque uti officio, quo succisis cedris, solus videatur rhamnus (cfr. Iudc 9,15) in silva. 
5 Eia, miser! humanis carnibus vescere, et quia vivere aliter non potes, fratrum viscera rode! 
6 Tales boni student videri, non fieri, accusantes vitia, nec vitia deponentes. 
7 Solos eos laudant quorum cupiunt auctoritate foveri, silentes a laudibus, quas ad laudatum non existimimant reportari. 
8 Ieiunae faciei (cfr. Mat 6,16) pallorem perniciosis laudibus vendunt, ut spiritales videantur (cfr. 1Cor 14,37; Mat 6,18) qui diiudicent omnia, et ipsi a nemine iudicentur (cfr. 1Cor 2,15). 
9 Gaudent sanctitatis opinione, non opere, angelico nomine, non virtute”.

Texto Traduzido

De detractione

Capítulo 138 - Como queria que os detratores fossem punidos.

 

182 
1 Afinal, como o coração cheio de caridade detesta o que é detestável aos olhos de Deus, essa era a atitude de São Francisco. 
2 Execrava os detratores com horror, mais do que outros tipos viciosos, e dizia que tinham veneno na língua e envenenavam os outros. 
3 Por isso evitava encontrar-se com os maldizentes, pulgas que picam quando falam, e desviava os ouvidos para não manchá-los, como nós mesmos vimos. 
4 Certa vez ouviu um frade denegrindo a fama de outro. Virou- se para Frei Pedro Cattani, seu vigário, e proferiu este terrível juízo: “A religião corre grande perigo, se não neutralizar os difamadores. 
5 Bem depressa o perfume suavíssimo de muitos vai começar a cheirar mal se não for fechada a boca fétida dessa gente. 
6 Levanta-te, levanta-te, faz uma inquisição severa e, se descobrires que o frade acusado é inocente, inflige um castigo tão duro no acusador que os outros nunca mais se esqueçam. 
7 Se tu mesmo não o puderes punir, entrega-o nas mãos do atleta florentino!” 
8 (Chamava de lutador Frei João de Florença, homem de grande estatura e muito forte). 
9 “Quero que tenhas o maior cuidado, tu e todos os ministros, para que essa peste não se alastre”. 
10 Disse algumas vezes que aquele que despojasse seu irmão da boa fama devia ser despojado de seu hábito e não poderia levantar os olhos para Deus enquanto não devolvesse o que tinha tirado. 
11 Foi por isso que os frades daquele tempo abominaram esse vício de maneira especial e estabeleceram firmemente que haveriam de evitar com todo cuidado qualquer coisa que diminuísse a honra dos outros ou que soasse a desprezo. 
12 Na verdade, isso é correto e ótimo! Que é o detrator senão o fel dos homens, o fermento da maldade, a desonra do mundo? 
13 Que é o falador senão o escândalo da Ordem, o veneno do claustro, a quebra da unidade? 
14 Ai, a superfície da terra está cheia de animais venenosos, e não se pode esperar que algum dos homens de valor escape das mordidas dos invejosos. 
15 Oferecem prêmios aos delatores e às vezes se derruba a inocência para dar a palma à falsidade. 
16 Quando alguém não consegue viver com sua honradez, ganha comida e roupas devastando a honradez dos outros.

 

183 
1 A esse respeito, dizia muitas vezes São Francisco: “Isto é o que pensa o murmurador: 
2 ‘Minha vida não é perfeita, não tenho ciência nem algum outro dom particular, e por isso não estou bem nem com Deus nem com os homens. 
3 Já sei o que vou fazer: porei defeito nos escolhidos, e assim conseguirei o favor dos importantes. 
4 Sei que meu prelado é também um homem, que já agiu comigo do mesmo jeito, por isso basta cortar os cedros que o meu ramo há de se destacar na floresta. 
5 Vamos, miserável, alimenta-te de carne humana e, como não podes viver de outra maneira, rói as entranhas dos irmãos!’“ 
6 “Pessoas assim esforçam-se por parecer, não por ser boas. Acusam os vícios, mas não os corrigem em si mesmas. 
7 Só louvam uma pessoa quando querem ser favorecidas por sua autoridade, mas calam os louvores que acham que não vão chegar aos ouvidos dos interessados. 
8 E em troca de elogios funestos, vendem a palidez de sua cara de jejum, para parecerem espirituais, com direito de julgarem os outros sem serem julgados por ninguém. 
9 Gostam de ser tidos como santos, sem o ser, e gostam de ter o nome dos anjos, mas sem a sua virtude”.