A delegação do Brasil, composta também pelo Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cleber Buzatto e do Coordenador do Cimi de Rondônia, o capuchinho Frei Volmir Bavaresco, leva até a ONU o quadro de violência contra os povos indígenas no Brasil. Na denúncia internacional, destaca-se o caso emblemático do povo indígena Karipuna (RO), onde mais de 10.000 hectares de território foram destruídos; 80% nos últimos três anos.
A liderança indígena André Karipuna reivindicou na manhã desta quarta-feira, dia 17 de outubro, em Genebra (Suíça), a criação de mecanismos de punição, civil e criminal, para as empresas nacionais e transnacionais que violam direitos humanos dos povos indígenas e de suas terras originárias. O pleito foi apresentado na quarta sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre Empresas Transnacionais e outras Empresas de Negócios com respeito aos Direitos Humanos (OEIGWG), fomentada pelo Conselho de Direitos Humanos, na Organização das Nações Unidas (ONU).
André Karipuna compartilhou seu testemunho de vida e esclareceu que o massacre praticado contra seu povo indígena foi iniciado em meados do século XX, no processo de extração e exportação de borracha. Segundo ele, no período em que seus antepassados sofreram profundos ataques, na década de 1970, o povo Karipuna foi reduzido apenas oito pessoas e quase foi extinto.
“Nossa terra foi reconhecida e demarcada pelo Estado brasileiro na década de 1990. Desde então, vimos recuperando nossa população e hoje somos cinquenta e oitos pessoas. No entanto, mais uma vez, estamos sofrendo um processo de invasão, loteamento, venda e apossamento ilegal em nosso território. A violência praticada contra o patrimônio indígena destruiu completamente mais de onze mil hectares de território para criação de gado; 80% nos últimos três anos”, explicou a liderança Karipuna.
“A madeira retirada ilegalmente do território indígena é vendida por empresas locais para outras regiões do país e, muito provavelmente, para outros países”
Segundo André Karipuna, a madeira retirada ilegalmente do território indígena é vendida por empresas locais para outras regiões do país e, muito provavelmente, para outros países. “Eu não quero ver meu povo sofrer os mesmos massacres sofridos em décadas passadas. Não posso aceitar que meu povo e os parentes indígenas isolados que vivem no interior do nosso território sejamos vítimas de um genocídio. Temos feito muitas denúncias junto a diferentes órgãos públicos do Estado brasileiro, responsável constitucionalmente pela proteção de nosso território, mas isso não tem sido suficiente para que medidas eficazes sejam adotadas a fim de impedir o roubo de nossas terras e de nossas florestas”, pontuou.
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas é clara em seu artigo 9, argumentou a liderança indígena, de que: “os povos e as pessoas indígenas têm o direito de pertencerem a uma comunidade ou nação indígena, em conformidade com as tradições e costumes da comunidade ou nação em questão. Nenhum tipo de discriminação poderá resultar do exercício desse direito”. Ou seja, é explicita, afirmou André Karipuna, a obrigação estatal de proteger as terras ocupadas por povos indígenas e outras comunidades tradicionais contra a invasão e exploração dos recursos naturais por parte das empresas.
“A violência praticada contra o patrimônio indígena destruiu completamente mais de onze mil hectares de território para criação de gado; 80% nos últimos três anos”.
Nesse sentido, a fundamentação de André Karipuna também foi ratificada pelo artigo 10 do mesmo texto, em que assegura: “Os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. Nenhum traslado se realizará sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e equitativa e, sempre que possível, com a opção do regresso”.
Emblemática, a grave situação de violência praticada contra os Karipuna ganhou destaque no Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados 2017. O caso dos Karipuna, em questão, engrossa o agravamento dos crimes no que concerne às invasões; ao roubo de bens naturais, como madeira e minérios; caça e pesca ilegais; contaminação do solo e da água por agrotóxicos; e incêndios, dentre outras ações criminosas.
Direitos indígenas
O discurso da liderança Karipuna ressaltou, inclusive, a amplitude da legislação indígena vigente no Brasil, bem como os principais textos normativos internacionais – Tratados, Convenções e Declarações, a exemplo da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que são insistentemente desrespeitados.
“O que surgiu como novidade em 1988, foi, sobretudo, fruto da intensa participação indígena na “Constituinte Cidadã.”
Em sua fala, André Karipuna endossa, também, o posicionamento apresentado por Rosane Lacerda, indigenista e professora do curso de Medicina do Campus Agreste da UFPE. Para ela, a colocação da questão indígena sob a responsabilidade legislativa federal não consiste em nenhuma novidade trazida pelo texto constitucional de 1988. Trata-se de uma tradição histórica, verificada em outras Constituições ao longo da República, mais exatamente as de 1934, 1946, 1967, além da Emenda Constitucional n.º 01, de 1969. Assim, por exemplo, a Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, faz parte de uma longa trajetória de leis indigenistas federais que sucessivamente entraram em vigor ao longo do século XX.
O que surgiu, explica Rosane Lacerda, como novidade em 1988, foi, sobretudo, fruto da intensa participação indígena na “Constituinte Cidadã”, qure resultou na eliminação da perspectiva assimilacionista e tutelar presente naqueles textos anteriores, que afirmava que os indígenas deveriam ser “incorporados à comunhão nacional” brasileira. Agora, ao invés disso, a determinação constitucional passava a ser a do respeito à diversidade sociocultural e linguística daqueles povos, e de proteção às suas terras e bens, materiais e imateriais.
POR MICHELLE CALAZANS, ASCOM CIMI.
Fonte: Capuchinhos do Brasil /CCB
Por Frei Jean Ricardo Mazzochi (Convento São Francisco das Chagas - Pós-noviciado)