Homilia da Ascenção do Senhor - ano C/Frei João Santiago
Ascensão do Senho (São Lucas 24, 46-53)
A Solenidade da Ascensão do Senhor revela que a vida não é uma “paixão inútil” (como dizia Sartre). Infelizmente, podemos “beber” a idéia de que apesar dos nossos bons sonhos e desejos de bondade, tudo termina em dor, em solidão, em morte. Podemos ainda nos deixar levar pelo marasmo e simplesmente ir tocando a vida “deixando a vida nos levar”. E há ainda outra tentação: entender a vida como um mero ocupar-se de si mesmo, aproveitando o máximo de prazeres do que ela possa oferecer, fechando-me aos demais, tornando-nos insensíveis aos rostos que encontramos e às faces que vemos no dia-a-dia.
Olhando, admirando, uma bela construção, uma bela casa, chegamos à conclusão de que valeu a pena investir na compra do terreno e todo o sacrifício na compra do material e no pagamento da mão de obra para a construção. Olhando, admirando “Jesus glorioso, triunfante e vitorioso” (isto é “Ascensão”), podemos muito bem passar a pautar a nossa vida como a que Ele levou. Então... não é de qualquer jeito que se deve viver, não se constrói uma bela e boa casa sobre areia, mas sobre a “rocha” das boas obras evangélicas. Celebrando a festa da Ascensão, vejamos como estamos vivendo..., pois o chamado não é pequeno, é para “ascender aos céus”, dar frutos, e frutos que permaneçam.
“Revezamento” é a modalidade esportiva na qual eu substituo o meu companheiro: ele fez o percurso dele, me passa o bastão e eu continuo a corrida que ele tinha começado. A festa da Ascensão é um convite para que todos discípulos de Jesus continuem a corrida que Ele começou: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (v. 15). É como se Jesus dissesse: “Agora é vossa vez....”
- “Assim é que está escrito, e assim era necessário que Cristo padecesse, mas que ressurgisse dos mortos ao terceiro dia” (v. 46). A vida quase sempre “apronta” com a gente! Deixando-se seguir pelo espírito das Sagradas Escrituras, pela Palavra, e alimentando-se do seu Alimento, da Santa Eucaristia, de sua vida dada a nós, podemos chegar a entrar no mistério do Cristo, no sentido de sua morte e ressurreição, e também no sentido de tudo o que possa acontecer conosco, sejam eventos alegres, sejam tristes.
- “E que em seu nome se pregasse a penitência, a conversão, e a remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém” (v. 47). O Senhor se faz presente, vivo e eficaz, quando nós o anunciamos. A salvação pascal, a graça de Deus, sua Boa Notícia devem chegar a todos rincões, a todo íntimo, em nossa história pessoal de vida, a todas as pessoas. O anúncio deve revelar que todos podem dirigir-se a Deus, pois ele nos ama e perdoa. Que os homens deixem de conduzir uma vida paralela ao Deus revelado por Jesus, passem a adorar ao Senhor, isto é, queiram o bem, a verdade e tudo o que é bonito e honroso.
- “Vós sois as testemunhas de tudo isso” (v. 48). Todo verdadeiro discípulo recorda o seu mestre, leva consigo, em seu coração, o mestre. O discípulo de Jesus testemunha com palavras, gestos, ações e atitudes; revela o rosto de Jesus no cotidiano da vida e também na morte. Quando alguém encontra um discípulo de Jesus necessariamente faz encontro com o Senhor, pois o discípulo é expressão (“traz à tona”) do Mestre.
Testemunhar! Com nosso testemunho estaremos dizendo com a própria vida que a vida tem um desabrochar de sentido, tem um cumprimento, não uma decepçao final. Lembro daquela mãe que agradeceu à nossa comunidade católica porque ajudou na recuperação do seu filho que se encontrava escravo das drogas. Passando pela vida daquele jovem, a Igreja deu testemunho comunitário de fé e de caridade.
- “Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai; entretanto, permanecei, esperai, na cidade, até que sejais revestidos da força do alto” (v. 49). Uma coisa é viver de nossos fantasmas, medos, preocupações, sonhos vãos e delírios de grandeza ou de inutilidade, de baixa estima. Outra coisa é viver do Espírito Santo, a vida de Deus. A vida nova no Espírito é promessa do Pai e dom do Filho. Como em Maria, o Verbo de Deus vai se fazendo carne em nós, vai acontecendo em nós, no mundo, em nossas comunidades. Recebendo o prometido do Pai, os cristãos sofrem uma “investidura”: temos o poder e a força para fazer o que Jesus fizera.
Falar novas línguas: uma amizade, uma presença, uma comunicação que alcance cada coração, cada pessoa deste mundo. Que as pessoas se encontrem e não se distanciem! Um diálogo que salve um matrimônio, uma família, uma amizade!
Pegar serpentes: qualquer que seja o desafio, o problema, use a força recebida do alto e afronte-o. Não fuja mais dele. Que a comunidade cristã seja espaço para que as pessoas aprendam isso! Nossa presença junto aos enfermos, junto aos que esperam uma oportunidade nos estudos, junto aos deprimidos, etc.
Beber veneno. Diante de calúnias, de malefícios, de situações “impossíveis”, você é capaz de lidar com tais contrariedades que não hão de gerar desistências e frustrações, mas servirão a deixar você mais forte, maduro (a), resiliente. Nosso Senhor nos capacita a encontrar sentido lá onde sem Ele só se vê falência. Que ninguém viva se lamentando!
Impor mãos aos enfermos e curá-los. Tantas situações por transformar para o melhor. Por que não arregaçamos os braços? Recebemos, sim, do Alto, a força para trazer mais felicidade, saúde, verdade, superação. Sua comunidade cristã tem feito o quê nesse sentido?
Era uma vez um homem que se lamentava: - “Meus Deus por que permites que crianças morram de fome, que guerras existam, que injustiças sejam cometidas, etc.?” Uma noite o Senhor apareceu e disse que faria algo, tomaria uma atitude. No dia seguinte o homem falou:
- “E então Senhor, farás algo?”
- “Sim”, respondeu o Senhor.
E o homem: - “E o que fizeste para acabar com tudo isso?”
Deus disse: - “Eu fiz você”
- “Depois os levou para fora, até Betânia e, levantando as mãos, os abençoou” (v. 50). “Jesus os conduz para fora”. Nosso Senhor “força” a saída dos discípulos, provoca a uma saída, causa uma libertação (um novo êxodo). Ele, o Vencedor, que saiu liberto de tudo o que tinham feito com Ele, que se liberta de todas as amarras possíveis desta terra, ascende aos céus, na meta definitiva, agora conduz seus discípulos a superarem toda e qualquer escravidão. Importa que cada um, revendo a própria vida, identifique a própria escravidão que impede..... que impede sua ascensão, que impede o passo seguinte que daria acesso à vida e à liberdade de filho de Deus.
“... e, levantando as mãos, os abençoou”: sinal de oração, sinal de que todo filho recebe a vida do Pai, vive da comunhão com Ele, vive de amar. Quem não se lembra de Moisés que venceu a batalha enquanto mantinha as maõs erguidas em oração? As mãos do Senhor estiveram no alto da Cruz erguidas enquanto uma prece era dita: “Pai, perdoa-lhes, não sabem aquilo que fazem”. Mãos divinas que rezam e abençoam, que fazem o bem (bendizer), pois Deus é Palavra que faz o que diz. Que possamos nós vivermos para fazer o bem, isto é, para abençoar os nossos ambientes e nossas pessoas!
- “Enquanto os abençoava, separou-se deles e foi arrebatado ao céu”(v. 51). Tomando distância enquanto arrebatado ao Céu, se faz mais próximo do que antes, nos chama ao Céu, aponta-nos a destino, nos atrai a uma meta: o Céu, a viver como filhos. Toda mãe, um dia, toma distância do filho a fim deste começar a caminhar com as próprias forças em direção da mãe que o chama. “Quando ele subiu em triunfo às alturas, pôs na prisão toda e qualquer escravidão” (Ef 4, 8): livres de todas as amarras e escravidões somos chamados a mergulhar no abismo divino. Que sejamos arrebatados ao seio da Santíssima Trindade.
A narração da Ascensão foi escrita para dar uma boa notícia: não é que Jesus esteja a não sei quantos quilômetros acima de nós (além das nuvens), mas que está vivo para sempre no reino do Eterno (Subiu aos céus) e se faz presente nquando damos ouvidos à Palavra, na fração do pão e na fraternidade.
- “Depois de o terem adorado, voltaram para Jerusalém com grande júbilo” (v. 52). Adoram a Jesus depois de tê-lo visto pendente sobre a cruz e descoberto o verdadeito rosto de Deus que é oferta de si. Adorar significa levar até a boca, beijar, aceitar, acatar aquilo que se deseja. Ele é a nossa vida e a nossa vida, nosso coração, se encontra n´Aquele que nos amou e por nós se entregou. Enquanto isso, em nosso dia-a-dia marcado pela labuta neste mundo, os nosso pés aos poucos se encaminham para Ele. Temos uma meta, queremos a Ele, adorá-lo e beijar o objeto do nosso amor. Se ali descobri meu amor, meu Deus e quem sou eu, entao eu volto.
Voltaram a Jerusalém, lugar da presença de Deus, lugar no qual a Vida foi ofertada, o amor foi descoberto, lugar no qual cada pessoa descobre-se importante, amado por primeiro. E voltaram com grande júbilo, alegria. Pode parecer estranho, mas não ficaram tristes pela ida do Mestre, mas alegres. Assim como os anjos anunciaram aos pastores a grande alegria do nascimento do menino Jesus, assim também se alegram porque Jesus ascendeu aos céus, nasceu para o Céu, e para lá também nos levou.
Ora, sejamos contentes porque a pessoa mais amada alcançou a felicidade plena (Não naufragou nas tentações da vida), e superou todos os limites e se encontra na perfeita bem-aventurança e nos ama infinitamente. E, não esqueçamos, ali tambem nós chegaremos: é só questão de tempo!
- “E permaneciam no templo, louvando e bendizendo a Deus” (v. 53). Tendo vencido o pecado e assentados já desde agora nos céus (No templo), só nos resta, neste mundo, transcorrer o tempo no templo, o lugar de Deus, transcorrer o tempo com Deus no coração, Ele habitando em nós, no templo do nosso corpo.