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Homilia da Epifania do Senhor - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 04/01/2020 - 11:29

Epifania do Senhor

(Mateus 2, 1-12)

- “E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes” (v. 1a). Antes de nós, antes de tudo, há um fato, um dado, um evento, um feito que não depende de nós e que existe quer saibamos ou não, quer demos atenção ou não: “Deus se fez carne e habitou entre nós”.

A aventura humana, a inquietude.

- “... eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém. Dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo” (vv. 1b-2). Pedro ou Antônia (todo homem ou mulher) é inquieto porque sente que tem um amanhã pela frente, sente que não é ainda completo, satisfeito por completo, que deve tomar decisões, organizar a vida, fazer e planejar coisas. Sou inquieto porque a vida me exige que eu viva, que tome decisões, trabalhe. A inquietude pode se expressar com perguntas tais como: “que vai ser de mim?”; “que vou fazer de mim?”.  

Ainda sobre a inquietude. Esperamos que coisas se resolvam, que haja uma solução, que comece uma nova etapa na vida, que se supere obstáculos. Esperamos que alguma justiça seja feita, que o emprego seja bom. Esperamos um casamento, um filho, uma aposentadoria, uma realização qualquer. Queremos renascer, recomeçar, iniciar uma nova etapa, encontrar um bem-estar, a paz, a serenidade, encontrar uma amizade sincera, um rei a quem servir, a quem amar, uma solução para a nossa alma, nossa vida e suas exigências. Aqui entendemos os magos e a grande pergunta da vida: “Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo” (v. 2).

Os magos procuravam, olhavam o céu, o alto, seguiam uma estrela e “aquilo” ou “Aquele” para o qual a estrela apontava. A vida, com suas estrelas, dá sinais, nos chama, aponta, nos solicita, nos convida à.... Os magos nos ensinam a não deixar de lado “o que aparece”, “o que acontece”, mas a buscar um sentido maior, não se acontentando de meras respostas dadas. “Além do horizonte deve ter....”, diz a música. Quando prestamos atenção ao que nos ocorre, surge como que um pressentimento da existência de “algo” ou de “Alguém” que se encontra quando seguimos a “estrela”. Olhar o céu é sair do esquema: “Eu vivo para comprar, vender, curtir, acumular, passear e ‘gastar’ os anos que me restam”. Os magos nos ensinam a “olhar para o alto”, sair do esquema, reconhecer o nosso limite e acatar o sagrado (“Eu não sou uma divindade, eu respeito a Deus, o mistério de toda pessoa - não abuso moralmente a ninguém). Infelizmente tendemos a dessacralizar tudo e todos, não olhando mais para o segredo das coisas e nem olhando para o “alto dos céus”, para as estrelas. E, assim, passamos a viver perigosamente uma vida sub-humana, isto é, abocanhando tudo e todos, destruindo pessoas e a natureza.

- “Ao ouvir isso, o rei Herodes ficou alarmado e com ele toda Jerusalém. Reuniu todos os sumos sacerdotes e os escribas do povo, e começou a perguntar-lhes onde deveria nascer o Cristo. ‘Em Belém da Judéia’ –responderam eles ...” (vv. 3-8).   São Mateus nos narra que os magos chegam a Jerusalém, o lugar da Revelação e da Palavra. Tudo isso quer dizer que não somente nós lemos e interpretamos a realidade ou opinamos e “achamos” isso ou aquilo, mas que Deus, também, tem sua leitura própria, sua interpretação, juízo e opinião sobre a realidade (o sentido da criação, do mundo e dos acontecimentos). Os magos, chegando a Jerusalém, passaram a conhecer “a leitura de Deus” sobre a realidade. De fato, Deus se revelou a Israel, falou pelos profetas e outros. Como os magos, todo homem que busca retamente a Deus, que segue a “estrela”, terminará por chegar a “Jerusalém”, a acatar a Revelação.

A ilusão existe! Como dela se livrar, como não cair no “canto da sereia”? Os magos buscavam e encontraram um rei, o rei Herodes. Tenhamos cuidado com o que procuramos e maior cuidado com o que encontramos, pois podemos escolher de servir ou servido por um rei como Herodes.  Que nossa busca não seja rasteira, mas nobre, celeste, alta, sideral, estrelar. É bom se perguntar sobre o que andamos à procura na vida, qual o nosso ideal e projeto de ser humano. Adorar um Herodes é servir à lei do mais forte, da matança, da indiferença e do descaso pelos outros e descaso pelo melhor que temos em nós.

- “Tendo ouvido o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia à frente deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino” (v. 9). Os magos não param em Herodes porque este não corresponde à procura deles. Os magos não deixam Herodes reinar sobre eles porque a “estrela” é de outro rei, aponta para outro rei, para um “Rei”. A “estrela” aponta para “algo” ou “Alguém” que supera Herodes. É que diante de Herodes os magos mantiveram a busca, não se deixaram hipnotizar, não se venderam (“Não deem as pérolas aos porcos”). Os magos continuaram fiéis, perseverantes, aspirando um bom odor, em inquietude, na busca do Rei porque “algo mais” os atraia e suscitava.

A “estrela” representa a razão humana. Não é verdade que a razão humana seja oposta à fé no verdadeiro Deus, Origem e Principio da própria razão. Os magos tinham uma própria ciência (Astrologia como ciência que tentava explicar mistérios). A razão humana “pede e aponta” aos magos de irem além, de não se bastaram em naquele pouco conhecimento. Estavam no “oriente” e deixam o oriente. Chegam a Jerusalém, conhecem a Revelação e deixam Jerusalém, pois a Revelação aponta para o Rei. Conhecem o rei Herodes e deixam-no. Continuaram seguindo a estrela, a razão humana, as exigências do próprio coração, o desejo de todo homem. Procuraram “Aquele” que existe e que nasceu, que é exigência da razão. Sabemos que existe Deus, mas às vezes não sabemos como encontrá-lO.

- “Quando viram a estrela, encheram-se de grande alegria. Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe; e, prostrados, lhe renderam homenagem. Abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes, ouro, incenso e mirra” (vv.10-11).   A busca humana não termina quando se encontra “aquilo” ou “Aquele” que a nossa alma exige, pede, anseia, deseja. O passo seguinte é reconhecer, render-se diante do “óbvio” que está diante de nós. O ultimo passo é “adorar”. Assim como importa que Deus exista, importa mais ainda que Ele seja meu Deus, que ele reine sobre mim. Caso assim eu não faça, termino como Herodes: mato e elimino de minha vida aquele Deus que nasce para mim, que a mim se apresenta. E isso eu farei porque eu elejo outro “deus”, vendo-me e entrego-me a outro rei que passará a reinar sobre mim e tornar-me-ei seu servo, seu escravo, nem que este rei seja o meu próprio umbigo, meu ego, ou a luxúria, a avareza, a soberba, a inveja, etc. Chegar a adorar a Deus significa também mudar meus critérios de valores, fazer uma conversão na vida, mudar, trilhar nossos caminhos. O caminho da fé empenha o homem, mexe com mente e coração, exige amor, exige amar. Deparar-se com a realidade de Deus e não amar a este Deus é o mesmo que “matar” a Palavra, abafar o sentido maior da vida, pois não há maior verdade, maior sentida da vida do que crer na doação de Deus por mim (“Um Menino nos foi dado”) e que Deus nasceu para mim, um Deus que me ama.

A história dos três reis magos nos ensina que a razão humana e a Revelação nos propõem, nos mostram o Rei. Mas... somente a nossa liberdade pode decidir-se por Ele, pode, como ultimo gesto ou passo, adorá-lO.

A história de um beijo. Dizíamos que o ultimo passo do percurso humano é amar, é adorar. “Adorar” (ad-orar – daí a oralidade) tem a mesma origem de “beijar”, de trazer até à boca aquilo que me faz viver tal como o recém-nascido que com o corpo e com todo desejo de vida suga o seio materno, a mãe, e com ela sente-se um único ser. Naquele ato supremo de amor, vida e satisfação, filho e mãe existem, e sem aquela sucção não existe filho, não existe mãe. Quando eu adoro, eu existo, Deus existe: Deus se faz presente onde é amado, adorado. Adorar, amar, é vencer a morte, é resolver o drama humano, é a resposta para todas as perguntas. “Quem ama passou da morte para a vida” (1Jo 3, 14). Parafraseando Clarice Lispector: “A vida se me é, e não tenho palavras para expressar o que sinto e vivo: estou adorando”.

A prova de que os magos encontraram a Deus e não uma fantasia é que se encheram de grande alegria.  Deus se encontra, é presente, lá onde reina a verdadeira alegria. Enquanto coisas podem nos dar prazer, Deus nos dá alegria, contentamento, nos leva a louvá-lO e bendizê-lO. “Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, Deus nos dá alegria. Eis o fim de todo empenho espiritual. Uma alegria que resiste a todo mal, perseguição, tribulação e morte. Uma alegria que era desconhecida por nós e que não podemos produzir com nossas próprias forças e técnicas. Trata-se de uma “alegria” como de um “proveito” no sentido de degustar e saborear uma presença; significa um contentamento e um dar e receber, uma entrega. A alegria que é a presença mesma de um Deus que nasce para nós. Uma alegria de “outro mundo”, inefável. A alegria em Deus é saboreada e ao mesmo tempo promete, nos projeta para um “plus ultra”, para um “cada vez mais”.

Encontrar a própria missão, a própria vocação neste mundo. Quando eu ofereço e disponho meus bens materiais, estou oferecendo meu ouro. Meus bens mentais, psíquicos e espirituais e meu próprio espírito ou alma podem ser ofertados: terei oferecido incenso.

O Sentido do sofrimento neste mundo. Posso também, ofertando mirra, me oferecer a lenir as feridas do meu rei (“Completo em minha carne o que falta a paixão de Cristo”; “Passava por ali certo homem ... chamado Simão ... e obrigaram-no a que lhe levasse a cruz” (Mc 15, 21).

Oferecendo tudo o que sou e tenho ao Senhor, amo sem medida, sem obstáculos, sem freios, incondicionalmente. Assim é que Deus torna-se meu Rei, reina sobre mim. Os magos abriram seus corações, se ofereceram, imitaram a Deus, o mesmo Deus que se lhes ofereceu como “recém-nascido”. Deus nasce para nós quando nós nos fazemos oferendas, abrimos o nosso coração.

Os magos adoram o Rei recém-nascido enquanto oferecem tudo o que têm e são. Adoração a Deus é o sentido ultimo e profundo da vida, pois é o desejo de comunhão de vida acontecendo.

- “Depois, avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retiraram-se para sua terra por outro caminho” (v. 12). Retiram-se: todo cristão é um retirado, vive neste mundo, mas descobriu algo mais que é o sentido deste mundo (Uma vida sem o “algo mais” torna-se uma “paixão inútil”). O cristão é todo aquele que entendeu que esta terra é um lugar interessante que leva a um lugar ainda mais interessante. O cristão vive neste mundo fazendo as mesmas coisas que fazem os demais, porém vivem na alegria de terem conhecido o Senhor, na prática da adoração, na oferta da própria alma como intercambio amoroso de quem acolheu o “Deus conosco.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.