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Homilia da Epifania do Senhor / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 19/01/2018 - 11:38

Epifania do Senhor

Mateus 2, 1-12

Estavam eles num rio com água que dava na altura da cintura. O discípulo perguntou ao mestre: "Como encontrar a Deus?". O mestre, improvisamente, colocou a cabeça do discípulo embaixo d´água. Depois que este já se debatia por alguns segundos, o mestre puxou a cabeça para fora. Depois de uns instantes, novamente repetiu-se a cena por mais três vezes. O discípulo ficou completamente aterrorizado, fora de si, espantado. Depois que se acalmou e sentados na orla, o mestre perguntou: “O que procuravas quando estavas em baixo d´água?”. O discípulo respondeu: “Ar, respirar, obvio!”. O mestre: “E quanto procuravas por ar?”. O discípulo: “Muito, com todas as minhas forças, pois era questão de vida ou morte”. "Muito bem - disse o mestre – no dia em que você passar a procurar a Deus desta maneira (“Muito, com todas as minhas forças, pois era questão de vida ou morte”), então O encontrarás”. A verdadeira pergunta não é se queres encontrar a Deus, mas quanto, com qual intensidade tu o procuras. 

“E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia ... uns magos vieram do oriente a Jerusalém, Dizendo: ‘Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo’. Ao ouvir isso, o rei Herodes ficou alarmado e com ele toda Jerusalém. ... Herodes chamou, então, secretamente os magos ... mandou-os a Belém e disse: “Ide e investigai bem sobre o menino e, quando o tiverdes encontrado, comunicai-me, para que eu também possa ir prestar-lhe homenagem”.  E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia à frente deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino.Quando viram a estrela, encheram-se de grande alegria.  Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe; e, prostrados, lhe renderam homenagem. Abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes, ouro, incenso e mirra ...” (Mt 2, 1-12).

- Não resta dúvida nenhuma: é da natureza humana esperar que as coisas se resolvam, que haja uma solução, que comece uma nova etapa na vida, que se supere obstáculos. Geralmente isso acontece quando esperamos que alguma justiça seja feita, que as coisas aconteçam segundo esperamos, quando conseguimos um emprego, um casamento, um filho, uma aposentadoria, uma realização qualquer. Tudo isso pode ser traduzido pelo simbolismo do “nascimento, renascimento”. Queremos renascer, recomeçar, iniciar uma nova etapa, encontrar um bem-estar, a paz, a serenidade, uma nova luz. Por isso, os três reis magos, cheios de vida e de desejo, perguntam: “onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?”. Aonde ir até encontrá-lo? E tendo-o encontrado, o que fazer?

- “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer?”. Cadê? Onde está? Quero saber, quero ver, quero adorar! A busca humana é bem representada pelos magos: querem adorar. Adorar (ad-orar) significa “boca a boca”, desejo de descanso, de encontrar aquilo que dará descanso às nossas labutas.

- O primeiro lugar onde encontramos nosso rei é na busca incessante e inquieta que nos leva a ir, caminhar, como os magos. Ver estrelas e querer saber aonde nos levam. Que nada e ninguém nos impeçam, nos estacionem, nos freiem. Que nada e ninguém se tornem deuses, mas se tornem, sim, estrelas que nos apontem onde podemos encontrar o Rei Menino. “... amor é sede depois de se ter bem bebido”: Deus é amor, dEle não se satura. Que tenhamos “vontade de verdade”: não só saber a verdade, mas também decisão de por ela se entregar, de adorar a verdade.

- “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer?” Uma busca que nos lembra o título dado a Jesus na cruz (INRI). Mas não esqueçamos que no tempo dos reis magos havia também o rei Herodes que reinava. Mas quem segue a “estrela”, quem tem vontade de verdade sabe muito bem a diferença entre o rei Herodes e o outro rei que se procura para reinar na própria vida. Qual rei procuras? Quem ou o quê deixarás dominar sobre ti? Os reis magos viram Herodes, mas disseram: “Não é este!”. “Nem tudo que brilha é ouro”. Infelizmente podemos nos enganar e demorar por perceber o engano. Como é bom ter o retorno dos nossos investimentos. Será que este ou aquela, isto ou aquilo nos dará o bom retorno que a nossa alma exige?  

- A “estrela” os ajudou a perceberem que Herodes não era o rei. A “estrela” existe e brilha, chama a atenção. É um convite forte a não perdemos o brilho, o gosto da beleza, a nobreza de espírito, a honestidades de vida e dos costumes, a conversa franca, o gosto pela decência, pureza dos gestos e olhares, sentido de justiça e solidariedade, temor e amor a Deus, etc.. Só assim não iremos nos deter no efêmero, na mediocridade, no feio e no esdrúxulo. Só assim não nos venderemos por cargos, poder e dinheiro. Só assim o ditado “Todo homem tem seu preço” não se asseverar.

- “Onde está? ... vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo”. Não basta saber ou ver o Menino, pois se não adoramos a Verdade, começaremos a ter desejos assassínios como Herodes. Se Deus não é Deus para mim, termino endeusando outra coisa ou eu mesmo, termino matando Deus: não há meio termo. Herodes não pode adorar, pois não admite outro rei. Não é disposto a mudar, percorrer um caminho de conversão. Se as verdades que sei e vejo não se tornarem escolhas, decisões, eu fico na mesma: não adoro, não amo, me endeuso, mato Deus que quer nascer em mim, mato Deus que se apresenta fora de mim.

- Os reis magos souberam de um rei nascidos para eles (“Deus se fez carne e morou entre nós”). Por isso saíram à procura desse rei, para amá-lo, adorá-lo: amor se paga com amor. O contrário é a indiferença, a ingratidão, o auto-endeusamento e o ataque a  tudo que  seja belo, justo e santo.

- O caminho de fé exige movimento, mudança de rota, troca de valores, novas apostas, novas atitudes. Provoca o coração, a vontade, para que se saia do egoísmo e egocentrismo, isto é, se passe a amar. Se o Verbo se fez carne, então a carne fala. Indo vivendo, os apelos do Senhor se fazem presentes: “Escuta, Israel!”. Os sacerdotes  e Herodes permanecem imóveis, enquanto os magos vão...seguindo, como que farejando, a estrela, a inteligência, as sagradas escrituras ...  

- Onde está o menino?  Interessante! Mateus nos diz que o encontro com o Menino coincide em sentir uma grande alegria: “E a estrela ... ia à frente deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino. ... encheram-se de grande alegria”. A alegria  do coração é sinal  de Deus. Em Deus, sim, podemos experimentar alegria, e não somente prazer. E como a alegria é de Deus, podemos senti-la mesmo  em meio a provações e sofrimentos. Coloquemos seriamente a questão: temos encontrado o nosso Deus,  o  nosso Menino? Temos encontrado a alegria de viver que não se abala nem mesmo diante da morte?

- Ao adorarem o Menino imediatamente ofertaram-se. Não existe real adoração sem oferta, sem oblação, sem entrega. Ofertemos ao nosso Rei nossos bens materiais construindo solidariedade (ouro), os bens espirituais, o nosso próprio espírito (incenso) e mirra (nosso coração amoroso que retribui amor com amor): “Perfumei a minha cama
com mirra, aloés e canela” (prov. 7,17); “Meu bem-amado passou a mão pela abertura (da porta) e o meu coração estremeceu. Levantei-me para abrir ao meu amigo; a mirra escorria de minhas mãos, de meus dedos a mirra líquida sobre os trincos do ferrolho" (Cc 5,4-5). Não precisamos invejar  a  ninguém, pois temos dons e talentos por ofertar.

 - “Avisados em sonhos de não tornarem a Herodes, os magos se retiraram por outro caminho para sua pátria’’ (v.12). O cristão tendo encontrado o Menino de sua vida, adorando e se ofertando à Ele, descobre o sentido da vida  e deste mundo. O cristão é um peregrino, tem sua pátria e repouso no coração de Deus cercado pelos seus santos (concidadãos do mesmo  céu que é o coração de Deus): “Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe; e, prostrados, lhe renderam homenagem. Abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes, ouro, incenso e mirra ...”. O cristão  entende que aqui temos um lugar interessante (“A vida é bela”) porque há um lugar ainda mais interessante. Levemos  nossa  vida ordinária de cada dia com aquela convicção que dá sabor ao existir: encontramos o Menino.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.