Tamanho do Texto:
A+
A-

Homilia da Festa do Batismo do Senhor - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 11/01/2020 - 17:03

Festa do Batismo do Senhor

(Mateus 3, 13-17)

 Da Galileia foi Jesus ao Jordão ter com João, a fim de ser batizado por ele. João recusava-se: “Eu devo ser batizado por ti e tu vens a mim!”. Mas Jesus lhe respondeu: “Deixa por agora, pois convém cumpramos a justiça completa”. Então, João cedeu” (vv. 13-15). 

João recusava-se a batizar a Jesus, que reage explicando que a justiça tem que ser feita. Justiça na Bíblia é a vontade de Deus. Jesus quer, tem vontade e deseja, de “experimentar a humanidade nua e crua”, de se aproximar de todo homem que foge de Deus, de passar pelos abismos que o ser humano passa, de “dar uma mão” a todo desejo bom do homem de superar o mal, o pecado e a morte (“Deus quer que todos os homens se salvaem e cheguem a conhecer a verdade” (1Tm 2, 4). Nosso Senhor recebendo o batismo estava entrando no pior dos abismos que o ser humano caiu a fim de resgatá-lo: “Tenho de passar por um batismo, e como me estou impaciento até que se realize” (Lc 12, 50). Cf. 1Tess 5, 10.

Solidariedade. Todos nós fazemos experiência de como é agradável ter uma companhia, um apoio, alguém que nos diga “estamos juntos”, “pode contar comigo para o que der e vier, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”.

Faz poucos dias celebramos o mistério do Natal do Senhor e proclamamos que o Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós. Um Menino foi nos dado! Ele, Jesus, é o “Deus conosco”. Depois de trinta anos levando uma vida como a nossa, sendo solidário para conosco, Ele, Jesus, continua e aprofunda sua solidariedade com todos os homens e mulheres de todos os tempos, entra na fila, na nossa fila, na fila dos pecadores que buscam o batismo de João.  O Senhor quer se solidarizar conosco até o fim, pois seu amor é sem reservas, “sem freios”: nada detém, nem nosso pecado.

Acreditamos que dois episódios da vida de Santa Teresinha possam nos ajudar a entender o significado do Batismo do Senhor, de sua solidariedade para conosco.

Em 1887 (133 anos atrás) Henrique Pranzini, na França, matou Regina de Montille, estrangulando-a a sangue frio, a filha de doze anos desta mulher e uma empregada. Toda França ficou revoltada contra ele, pela brutalidade de seus crimes. Preso e condenado à morte na guilhotina, vários sacerdotes o visitaram na prisão: não dava sinal algum de arrependimento e jactava-se de não temer a condenação eterna. Teresa Martin (futura Santa Teresinha), então com 14 anos de idade, se fez solidária. Enquanto todos só se preocupavam para que a justiça da guilhotina fosse feita, Teresa não ficou só nisso, foi mais além, preocupou-se com a alma do criminoso. Deixou sua vida tranquila de lado e rezou, fez sacrifícios e mandou celebrar uma Missa, nessa intenção. No dia seguinte ao da execução, ela leu no jornal “La Croix” a descrição detalhada dos derradeiros minutos de vida do criminoso: “Às cinco horas menos dois minutos ... O capelão, Pe. Faure, põe-se à sua frente, ele repele o padre e os carrascos. Ei-lo diante da guilhotina para onde o carrasco Deibler o empurra. Um ajudante, colocado do outro lado, agarra-lhe a cabeça, para mantê-la presa pelo cabelo embaixo da lâmina prestes a cair. Antes, porém, talvez um relâmpago de arrependimento tenha atravessado a consciência do criminoso. Pranzini pediu ao capelão o crucifixo e beijou-o duas vezes”.

Solidariedade: sentar-se à mesa dos pecadores. Há um tipo de ateísmo doloroso fruto do pecado e do abandono das graças de Deus. Teresa soube da existência de pessoas sem um sentido maior na vida. Ofereceu sua vida também por tais pessoas chamadas por ela de “meus irmãos”. Diante de Deus, em oração, desejou partilhar de suas dores. Foi atendida, houve uma troca: viveu o último ano e meio da sua vida imersa em profunda noite escura, em crise de fé, a fim de que “seus irmãos” tivessem “Luz”, fé, esperança na vida.

Recebendo o batismo de João, o Filho, revelação nesta terra do amor existente na Santíssima Trindade (O Pai se entrega sem reservas, ama, o Filho e o Filho, se entrega sem reservas, ama, o Pai. E tudo isso no Espírito Santo), depois de seu nascimento entre nós e dos trinta anos na Galileia, se faz ainda mais nosso irmão, se faz solidário para conosco numa solidariedade sem reservas, em um amor maior do que a morte, em um amor pronto a morrer por nós.

Somos pecadores e mortais, somos limitados. Nosso Deus faz comunhão conosco, aproxima-se dos pecadores, entra na fila dos pecadores, mergulha nas águas, mergulha em nós mesmos, nos salva dos abismos que nos cercam: falta de fé, dificuldade em seguir a Palavra, limites físicos, traição, problemas financeiros, solidão, incompreensão, velhice, enfermidade, morte, etc.

Nosso Senhor fez a sua parte num possível pacto ou aliança conosco: Ele mergulhou em nossa realidade, se fez solidário, se aproximou. Cabe à nós fazermos a nossa parte: mergulhar n’Ele para sermos como o Filho vencedor da morte, do mal e do pecado, para vivermos como batizados e conhecedores do amor que reina entre o Pai e o Filho (cf. Rm 6, 23; 8, 29), para chegar a dizer: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20).

Com o batismo do Senhor, todo homem tem a oportunidade de superar a solidão mortal, de ver o “Céu aberto”, basta que aceite o “batismo do Senhor”, que acate sua vinda, seu amor: “Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu (batizou-se) em nosso favor quando ainda éramos pecadores” (Rm 5, 8); “A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou (se batizou) por mim” (Gal 2, 20).

O profeta disse: “Oh! Se rasgásseis os céus, se descêsseis” (Is 64). O poeta disse: “Só navegar eu preciso ... Vida minha, te perdi ... Meu coração sem poesia ... Vai desistindo de amar ... Trocar de alma talvez .... Meu destino não descansa ... Com a dor que ninguém sabe ... Dançar,dançar essa dança .... Até que um dia eu desabe”. O profeta, vendo-se abandonado a si mesmo, espera em Deus. O poeta nada parece esperar. O “batismo do Senhor” vem em socorro da espera humana: “Depois que Jesus foi batizado, saiu logo da água. Eis que os céus se abriram e viu descer sobre ele, em forma de pomba, o Espírito de Deus. E do céu baixou uma voz: “Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição” (vv. 16-17).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.