Homilia da Solenidade da Santíssima Trindade - ano C / Frei João Santiago
Solenidade da Santíssima Trindade (João 16,12-15)
“12. Muitas coisas me restam para vos dizer, mas por enquanto não podeis com elas. 13. Quando ele vier, o Espírito da verdade, vos guiará para a verdade plena. Pois não falará por sua conta, mas dirá o que ouve, e vos anunciará o futuro, o que vem. 14. Ele me dará gloria porque receberá do meu e o explicará, anunciará. 15. Tudo o que o Pai tem é meu, por isso vos disse que receberá do meu e vo-lo explicará, anunciará”.
O Evangelho deste ano na Solenidade da Santíssima Trindade nos reporta um pouco do discurso de despedida de Jesus. Nosso Senhor, sabendo que a sua Igreja em marcha pela história encontrar-se-á muitas vezes diante de circunstâncias históricas novas, diante das quais terá de tomar decisões práticas, anuncia a presença do Espírito Santo, que ajudará a responder aos novos desafios e a interpretar as circunstâncias à luz de tudo o que disse ao longo dos três anos de seu ministério.
Entre outras, Jesus aponta e fala sobre uma “verdade plena”. Verdade plena que possuía já nesta terra e que nos promete com o Espírito Santo. Podemos, portanto, ter acesso a uma “verdade plena”, a um descortinar, vislumbrar e perceber do mistério da nossa vida pessoal, da história, da Igreja e do Reino de Deus que acontece, que vem.
O desejo de verdade plena de todo homem
“Eu procuro um amor que ainda não encontrei. Diferente de todos que amei. Nos seus olhos quero descobrir uma razão para viver. Procuro um amor que seja bom pra mim. Vou procurar, eu vou até o fim. Eu procuro um amor, uma razão para viver” (Frejat).
- “É preciso nascer de novo, pois o que nasce da carne é carne”, disse Jesus a Nicodemos. Eu nascido da carne sou como sou devido aos meus pais, educação, ambiente, minhas decisões e outros elementos que constituem minha trajetória. Por outro lado, “o que nasce do espírito é espírito”. Eu, como sujeito, sou chamado a respirar do Espírito, a me deixar “subjulgar” por esta força, potência e transcendência que é o Espírito Santo, uma potência desmedida que me ultrapassa, e que eu não governo e que eu não sei “de onde vem nem para onde me leva”. Apenas sinto que algo acontece em mim e que não me é totalmente estranho. Dou-me conta que Ele é mais, é maior do que eu, me ultrapassa e me transpõe, me conduz, me evoca, me solicita. Quando o Espírito “sopra” em mim, eu me deleito, desejo e me comprazo: Ele me convida, apela, chama para uma novidade de vida, para algo inédito em minha de vida. Eu, enquanto homem ou mulher, devo tomar uma decisão: render-me ou não, ceder ou não a este doce hóspede da alma. A minha tarefa ética será aquela de assumir as solicitações do Espírito e fazê-las minhas, mesmo percebendo que me levam, me superam, me ultrapassam e que eu não as governo: “Quem nasce do Espírito é como o vento, não sabe de onde vem nem para onde vai”.
Encontrar o Espírito Santo será sempre deparar-se com a “verdade plena e total”, será transitar entre o “alfa” e o “ômega”, entre o “princípio” e o “fim”, será o desnudar de todo véu; a iluminação de toda escuridão e pecados inconfessáveis; a revelação de todos segredos. Encontrar o Espírito Santo, a “verdade plena e total”, será sempre um divisor de águas, e a vida nunca mais será a mesma. O agir do Espírito Santo tem a marca de um evento inesperado e até então desconhecido: “Tarde Te amei, oh Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei… Trinta anos estive longe de Deus. Mas durante esse tempo algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou porque Tu me deixaste conhecer-Te. Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste minha cegueira. Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti… Deus… de Quem separar-se é morrer ... Provei-Te, e agora tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz ... Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci ... Exalaste Teu Perfume e respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei,Te saboreei, e agora tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora estou ardendo em desejos por Tua Paz ! (Santo Agostinho). Assim, a minha santidade será um permitir que tudo isso aconteça. Já o pecado consistirá em pecar contra o Espírito Santo (pecado sem perdão. Cf. Mc 3, 28-30), consistirá na traição, no voltar as costas para o anseio profundo da “verdade plena e total”, em atraiçoar a busca pelo amor até o fim. Será o pecado da irresponsabilidade para consigo próprio e o enveredamento numa vida mesquinha e estacionada no mero consumo de coisas, de pessoas e de deuses.
- Muitas coisas me restam para vos dizer, mas por enquanto não podeis com elas” (v. 12). O Senhor sempre terá que nos dizer, recordar e repetir o quanto Ele nos ama, o quanto somos filhos d´Ele, o quanto somos seus herdeiros, o quanto somos importantes, valiosos, dignos e nobres. Quem vai nos “inculcar” tal verdade é o Espírito Santo. Por vezes sabemos o certo e o errado, a verdade acerca de nós mesmos e acerca do quanto o outro é importante, mas viver tal verdade é outra coisa.
O teólogo Ives Congar alertava nossa Igreja acerca de pretensas revelações feitas pelo Espírito Santo (“O Espírito me disse”; “Foi-me revelado”; “O Senhor me revelou”) e afirmava que o Espírito sempre anuncia, recorda e interpreta as próprias Palavras de Jesus. Portanto, jamais o Espírito revelará “coisas” contrárias às Palavras contidas no santo Evangelho.
- “... e vos anunciará o futuro, tudo que vem” (v. 13). O futuro, isto é, o que vem, o Reino que vem. A Igreja exerce sua profecia quando aceita a verdade: tudo aquilo que aconteceu com o Mestre, acontece e acontecerá conosco. O Espírito Santo nos dá luzes para entender as vicissitudes do presente, a fim de não entrarmos em desespero, em falta de sentido e de entendimento, diante dos contratempos da vida e das dores do corpo e da alma (Não esqueçamos: ciência, conselho, sabedoria e entendimento são dons do Espírito Santo). Revestidos do Espírito Santo, que é o amor de Deus, podemos entender “direitinho”, aqui e agora, tudo o que devemos fazer, tudo o que devemos pensar, sentir e julgar.
Na Solenidade da Santíssima Trindade, proclamamos que Deus é Uno e Trino (Pai, Filho e Espírito Santo). Em outras palavras, estamos dizendo que Deus é comunhão, relação, família. Temos a marca do Criador. É por isso que todos nós ansiamos por comunhão, amizade, interação, família, amar e ser amado. A comunhão exige abertura e doação recíproca; exige diálogo, oferta de si e capacidade de recepcionar o outro. A comunhão permite que cada um coloque para fora a vida que há em si, e isso traz muito prazer de viver.
- As nossas comunidades cristãs são, realmente, a expressão desse Deus que é amor, que é comunidade, família e partilha?