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Homilia da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo / Frei João Satiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 25/11/2017 - 10:44

Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.

Mateus 25, 31-46

Para quem deseja ser abençoado!

“Hoje te proponho a vida e a morte; por isso te ordeno hoje que ames ao Senhor teu Deus, que andes nos seus caminhos ... escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência ...” (Dt 30, 15-20).

- Parece até que estamos “hipnotizados”, que uma ilusão tomou conta de nós. Insistimos em buscar a vida no afastamento do outro. Se de um lado queremos a vida e não queremos sofrer, do outro lado parece até que queremos a morte e queremos sofrer. Afinal, insistimos em permanecer comodamente em nossos aposentos físicos e afetivos (no meu “confortinho” com minhas “pessoasinhas” que me dão prazer), enquanto “esquecemos” que a vida nos chama para algo mais. Vejamos o Evangelho de hoje.

“Quando o Filho do homem vier em sua glória  ...  Em sua presença, todas as nações se reunirão e ele ... Colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos, à esquerda.  E o rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, abençoados por meu Pai! Tomai posse do Reino preparado para vós desde a criação do mundo.  Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, fui peregrino e me acolhestes ,  estive nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, estava na cadeia e viestes ver-me’. E os justos perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te alimentamos .. te demos de beber ... te acolhemos ... te vestimos ...te fomos visitar (enfermo e preso)?’ E o rei dirá: ‘Eu vos garanto: todas as vezes que fizestes isso a um desses meus irmãos menores, a mim o fizestes’. Depois dirá aos da esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos.  Porque eu tive fome e não me destes de comer, ... não me destes de beber ...não me destes abrigo ... não me vestistes ...não me visitastes’.  E eles perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos faminto ou sedento, peregrino ou enfermo ou na cadeia e não te servimos?’ E ele lhes responderá: ‘Eu vos garanto: quando deixastes de fazer isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes’. E estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos, para a vida eterna”.

- Sempre me chamou atenção e até espanto, seja a pergunta dos salvos (“Senhor, quando foi que te vimos com fome e te alimentamos, com sede e te demos de beber .... ?), seja a pergunta dos condenados (“Senhor, quando foi que te vimos faminto ou sedento, peregrino ou enfermo ou na cadeia e não te servimos?”). Eles (os condenados e os salvos) se espantaram com aquilo que aconteceu com eles (salvação e condenação). Não esperavam que dependendo da forma como tratavam o outro ser humano estavam, na verdade, decidindo o seu futuro, o seu amanhã. A verdade de fé que Jesus revela é: “Eu vos garanto: quando deixastes de fazer isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes”. Atenção: mesmo não vendo estamos encontrando o Senhor.

- Mateus fala da vinda de Cristo, o Messias esperado. Ele sempre vem. Não basta ficar esperando o Senhor voltar, pois na verdade Ele sempre está. Olha o sinal de que Ele está: “... quando deixastes de fazer isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes ... todas as vezes que fizestes isso a um desses meus irmãos menores, a mim o fizestes”. Então, é agora, é hoje, o tempo da salvação, é agora, é hoje, o tempo de encontrar o Senhor.

- Quando dizemos que o Senhor se esconde, na verdade estamos nos escondendo d´Ele. Basicamente quando fugimos da nossa dor não querendo partilhá-la com os irmãos, não encontramos a Ele. Basicamente quando fugimos da dor do irmão não querendo partilhá-la conosco, não encontramos a Ele.

- Não sei se prestamos bem atenção ao fato que o rei fará um julgamento que na verdade é só uma confirmação do nosso juízo: se eu a cada dia tomo uma decisão diante do faminto, do enfermo, do frágil (nú), essa mesma decisão será corroborada pelo Senhor. Caramba! Pensando bem somos nós que dizemos a Deus qual sentença Ele deve dar. E mais ainda: na verdade somos nós que julgamos a Deus, pois julgamos acolhê-lO ou julgamos afastá-lO de nós (“... foi a mim que o fizestes”). O Evangelho de hoje foi escrito para que saibamos da grande verdade: o Senhor Deus se faz presente em nossas vidas a cada instante quando nos olhamos e quando olhamos a quem esteja ao nosso redor.

- Muitos de nós concebemos na própria mente o próprio Deus: o Deus imaginário. Muitos buscam em filosofias, religiões e ideologias o seu próprio Deus. A Igreja de Jesus neste “domingo” nos convida a olhar e adorar a Deus revelado por nós através das santas palavras de Jesus. Então... aceito ou não o Senhor, Aquele que se faz presente em todos os rostos humanos, principalmente quando tais rostos pedem nossa companhia, nossa presença, nossa voz, nossa mão? Qual julgamento? Do lado esquerdo ou direito escolho ficar? Qual sentença estabeleço para minha vida? Aceito ou não o Jesus revelado hoje pelo Evangelho de São Mateus?

- Julgamento final? Naquele dia Ele só lerá o que nós escrevemos. Atenção, portanto, ao presente, ao que andamos fazendo da vida.

- Queremos e pedimos bênçãos, isto é, queremos ser benditos, abençoados. O segredo da benção: “... Vinde, abençoados por meu Pai! Porque me destes de comer, de beber, me acolhestes , me vestistes, me visitastes, viestes ver-me”. Quem, porém, se afasta do Filho se afastando do irmão, perde a benção.

É próprio do amor exigir atitude, pois o amor é muito concreto. Amar é agir, arregaçar as mangas, mostrar interesse, preocupar-se. Muitos não sabem, mas a Igreja tem sua doutrina social e suas pastorais sociais (da saúde, carcerária, da criança, dos moradores de rua, centro de recuperação, abrigos para idosos, centros de alimentação, etc.). A sociedade civil também tem boas iniciativas (cruz vermelha, anistia internacional, FAO, acordos de não proliferação de armas, fórum sobre a águas, CVV - apoio a quem pensa em suicídio -, etc.). Elencamos aqui algumas realidades que esperam nossa obra de misericórdia: o drama da fome e da falta de água tratada. Violência doméstica e urbana. Escravidão e tráfico de drogas e pessoas para a prostituição e para retirada de órgãos. O problema sério dos refugiados. O desemprego, a falta de moradia, o fanatismo religioso, os atentados à família, a perseguição aos cristãos, a falta de amparo jurídico, a exclusão social, educacional e de saúde. O drama dos enfermos, crianças órfãos e idosos abandonados. A triste realidade de irmãos e irmãs deprimidos e sem esperança e sentido da vida.

- É bem verdade que faz parte de nossa vida nossos bons e piedosos desejos, sonhos, propósitos, boas intenções, boas celebrações e gritos de aleluia. No entanto, São Mateus nos chama atenção revelando que seremos julgados conforme nosso agir, nosso amor concreto: amor e fé que se fazem obras, ações, atitudes.

- Jamais saberemos se quem diz de amar a Deus, o ame de verdade (pode ser um lobo em pele de cordeiro). Mas sei que quem ama o homem, em consciência ou não, ama Deus. Difícil não é amar o Deus que falo e penso; difícil è amar aquele Deus que se apresenta como é, na sua “imagem e semelhança”: o ser humano em carne e osso.

- As carências e necessidades de tantos irmãos, nos ajudam a lembrar de que nós também somos carentes e necessitados. Alguém diz que aqui está o real motivo de não gostarmos de frequentar os irmãos famintos, sedentos, nus, presos, enfermos, peregrinos. Parece-nos insuportável dar-se conta que temos sede e fome de reconhecimento, de amor incondicional. Parece-nos insuportável a verdade nua e crua de que não nos bastamos a nós mesmos, de que precisamos de comunhão para sermos felizes e da confiança sobre nós. Como um pelegrino e encarcerado, sentimos solidão, vergonha de falar de si e necessidade de acolhida. Sem vestes e sem máscaras cada um de nós contempla quem é realmente. E, às vezes, não gostando do que vê, termina por rejeitar-se, desprezando-se até. Não é fácil aceitar-se enfermo, aceitar que sombras me acompanham e que preciso de um “médico”, de alguém que me ajude.

- Sejamos abençoados do Pai, sejamos do lado direito, fiquemos do lado da luz. Que os rostos humanos que se apresentarem ao longo de minha vida sejam considerados, olhados, respeitados. Cada “imagem e semelhança” de Deus que cruza nosso caminho tem sua própria história, sua força e sua fragilidade. Deixemos-nos “tocar” pela presença da criança, do jovem, do adulto e do idoso que de nós se aproxima. Não sabemos de tudo. Não sabemos ao certo o porquê daquela pessoa agir assim ou assado. Qualquer que seja a pessoa – “boa” ou “má” – a comunidade humana deve gastar seus últimos esforços a fim de não perdê-la e não deixá-la morrer de fome, sede, frio, doente, preso ... Que o nosso amor busque a causa de tantas desgraças e sofrimentos, e combata a fim de que nenhum irmão ou irmã acabe morto de fome, de sede, de frio, doente, preso...

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.