Homilia de Frei João Santiago / Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus
Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus
(Lc 2, 16-21)
Quem acolhe um menor é a mim que acolhe
“E foram (os pastores) apressadamente, e acharam Maria, e José, e o menino deitado na manjedoura. 17 E, vendo-o, divulgaram a palavra que acerca do menino lhes fora dita; 18 E todos os que a ouviram se maravilharam do que os pastores lhes diziam. 19 Mas Maria guardava todas estas coisas, conferindo-as em seu coração.20 E voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes havia sido dito. 21 E, quando os oito dias foram cumpridos, para circuncidar o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido”.
- E os anos passam, e a humanidade caminha, e o Reino acontece, poucos encontram o Reino e muitos passam com seus anos e não se dão conta do Reino que se mostra.
- Os sábios, os filósofos, os simples, as religiões buscam o “mistério” da vida e o sentido do viver.
- A fé cristã apregoa que o Verbo de Deus, a expressão do misterioso Deus e sentido maior se mostrou, se fez carne de nossa carne no seio da Virgem de Nazaré.
- Os pastores viram a Palavra, o Verbo de Deus. O “mistério”, o sentido de tudo se encarnou, ganhou forma, forma de um bebê.
- Tal verdade deixou a todos maravilhados, espantados (cf. Lc 2, 18). Aqui temos muito por meditar. Maravilhado, espantado, pasmo, desnorteado, estonteado significa que eu perdi minhas seguranças, a minha maneira comum de pensar e considerar as coisas. Algo apareceu na minha frente. Uma verdade eu fiquei sabendo que deixou o meu mundo em pedaços e aquilo que eu acreditava antes foi por “água abaixo”. “Ver” a Palavra num “pedaço de carne”, naquele bebezinho tão frágil não é para qualquer um. De fato, na Bíblia se diz que quem vê a Deus morre: “Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos” (Is. 6, 5).
- Pelé, quando fez o último gol da partida contra a Suécia em 1958 desmaiou no gramado de tanta emoção. Aquilo, para ele, era inacreditável. Não podia acreditar ser campeão do mundo naquela idade e sendo, ele, o protagonista. Foi mais forte que ele: ele desmaiou de tanta maravilha.
- Na passagem de hoje, São Lucas desmonta uma crença, aquela de que o Messias seria aquele que justificaria nossa violência. Um Messias vingador como um “Rambo” era o esperado: era o Deus esperado. Por isso o “Menino Deus” é uma surpresa e causa espanto, maravilha, susto. Qual é o seu Deus esperado? Qual sua imagem de Deus?
- O Messias se apresenta “frágil”. Isso é inacreditável. Causa espanto, maravilha e nos deixa estonteado. A fragilidade do Menino Deus só pode nos provocar uma coisa: gestos de ternura e carícias. E é entre os afagos que se fazem aos bebês que as almas se unem, que as pessoas se desmancham de amor. Diante dos pequenos bebês acontece a confiança recíproca. Aquilo que acontece entre um bebê e os adultos que o visitam, se torna um chamado a acontecer entre nós. Só há este caminho para salvar a nossa humanidade, as nossas famílias, as nossas comunidades. A força do nosso Deus que pode sanar nossa humanidade doente é marcada pela ternura, carícias, afagos, confiança recíproca, deleite no outro ser humano.
- Todos viemos ao mundo nus e sem propriedades: totalmente entregues, dados em corpo e em alma (até o próprio “eu” é quase inexistente). A mortalidade se expõe ao máximo, por isso os bebês precisam de tantos cuidados. Quem contempla um bebê percebe que ele vive padecendo a vida da fonte da vida, o Pai.
- Deus, revelado no “Menino Deus” não é um “ab-solus” (absoluto), não é um solitário, mas uma comunhão trinitária: o Filho recebe a vida do Pai, o Pai entrega toda sua vida ao Filho, o Espírito é a vida entre o Pai e o Filho. O “Menino Deus” nos diz quando me aferro desespero e egoisticamente a mim mesmo, me mato e mato outros. A Salvação nossa e da humanidade somente haverá se aceitarmos a esse “Menino Deus”. Diante de um cenário marcado por tanta agressão, por tanta violência doméstica e familiar, por tanto abuso, desmandos, e interesses vãos, anunciar o “Menino Deus” é uma questão urgente e de sobrevivência.
- O “Menino Deus”, o balbuciante, expressa a vida como um dar e receber, como uma complexa interação entre os seres vivos, como abandono e sumiço amoroso. É um não impor obstáculos ao mistério que palpita e lateja para vir à tona. O “Menino Deus” fala de um mundo interior e verdadeiro, o mundo real e amoroso.
- Deus, dando-se como “Menino Deus” à toda a humanidade nos revela que “Deus nos amou por primeiro” (cf. 1 João). Somos amados, acolhidos naquele Bebê. Mas como encarar tal Luz, tal Verdade e tal Surpresa, e ainda continuar em pé, e não desmaiar? Só há uma maneira: ver tal Surpresa através da carne, da humanidade. Há tanta humanidade por aí: a minha esposa, o meu marido, meus filhos e filhas, meus irmãos, os enfermos, os pobres, os escravos do tráfico de drogas e prostituição, os suicidas, etc.
- Qual será o resultado se por acaso aceitarmos esse Deus amoroso, o “Menino Deus”? Venceremos a morte, pois “quem ama passou da morte para a vida” (1joão).
- A expressão da resistência ao “Menino Deus” foi Herodes. Ele tentou matá-Lo. Não aceitar o “Menino Deus” é imitar Herodes, é incensar a si próprio, é embriagar-se de si mesmo, é adorar a si, é....
Maria, mãe de Deus.
- A nossa fé católica proclama que Jesus é uma só pessoa com duas naturezas: a humana e a divina. Maria é a mãe de Jesus que é Deus e homem. Daí o título de “Maria, mãe de Deus. Maria é mãe de Deus enquanto mãe de Jesus, enquanto Jesus é Deus.
- “.... Mas Maria guardava todas estas coisas, conferindo-as em seu coração”. Tudo o que acontece conosco tem um fio da meada, um sentido. A vida não é absurda. Mas como descobrir o sentido? Conservando silenciosamente as coisas que acontecem conosco e ponderando-as em seu coração. Que as surpresas da vida não sejam descartadas, mas consideradas: nelas Deus se dá, se mostra, atua.
- O Invisível Deus se mostrou visível através da melhor carne, da melhor humanidade. Não se pode separar a humanidade de Jesus da humanidade de Maria, pois ela concebeu por obra do Espírito Santo. Ela e o Espírito Santo geraram Jesus de Nazaré. Foi vontade de Deus que conhecêssemos à Ele através da carne, da humanidade de Jesus que é carne, humanidade, de Maria. Foi vontade de Deus que conhecêssemos o seu verdadeiro rosto através de Maria. E tudo indica que sem Maria não podemos acessar o verdadeiro Deus. Sem Maria os homens tendem a apresentar Jesus mais como um Rambo justiceiro do que como um “Menino Deus”.