Homilia do I Domingo da Quaresma - ano C / Frei João Santiago
I Domingo da Quaresma (Lucas 4, 1-13)
“Lembras do caminho que o Senhor teu Deus te fez percorrer nestes quarenta anos no deserto, para abater tua jactância e pôr-te a prova, para saber aquilo que estava no teu coração, se guardaria os seus mandamentos, ou não” (Dt 8, 2).
- “Jesus, cheio do Espírito Santo ... deixou-se levar pelo Espírito ao deserto, durante quarenta dias ... Nesse tempo não comeu nada, e no fim sentiu fome. O Diabo lhe disse: ‘Se és Filho de Deus, ordena que estas pedras se tornem pães’” (vv. 1-3).
“Se eu posso isso ou aquilo, por que não fazê-lo?” “Se todos fazem, por que não fazê-lo?” Importa tirar vantagem, assim pensa o demoníaco. A insinuação do demoníaco é que o homem “abrace” seus poucos ou muitos anos de vida como se nada houvesse de mais importante do que satisfação, desenfreada e sem limites, das coisas e das pessoas. E, assim, o ser humano se torna uma “besta” feroz que devora tudo ao seu redor. Não é por acaso que assistimos os malefícios causados à natureza e ao nosso meio ambiente com tanta poluição seja ela sonora, visual e química que ofende a qualidade do ar, da água, dos alimentos, da terra. Não é por acaso que ainda vemos o tráfico de pessoas para prostituição e para retirada de órgãos. Não é por acaso que há tantos conflitos nas nações, acidente nas estradas e tanta mortandade em nossas cidades. O demônio tenta a Jesus para que leve uma vida que busque só a “auto-satisfação” e posse de coisas e pessoas, não se importando com quem quer que seja.
- “Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem’” (v. 4). É como se Jesus nos dissesse: “Na vida, não terás tudo e tudo o que terás não te bastará. Para viver é preciso mais do que “pão”. Não se vive só de pão: há momentos na vida que precisamos mais do que isso. Como viverá alguém que perdeu seu grande amor? Com que nos consolamos quando perdemos um ente querido? Um pai só alimenta ao seu filho com pão? E o amor? E o carinho? E a companhia? Da boca de Deus, de dentro d´Ele, sai para nós a Palavra (sua Vida, seu Espírito) que nos dá a força de afrontar aquilo que se deve afrontar. Na vida, há perdas, há injustiças, há derrocadas e tombos que nenhum “pão” pode consolar. “Não só de pão vive o homem”, mas também e principalmente de verdadeiros encontros com o Senhor e com pessoas. “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”: e você, está vivendo do quê?
- “O Diabo transportou-o a um ponto muito alto e lhe mostrou num instante todos os reinos do mundo. O Diabo lhe disse: ‘Eu te darei todo esse poder e sua glória, porque o deram a mim, e eu o dou a quem quero. Portanto, se te prostrares diante de mim, tudo será teu’. Respondeu-lhe Jesus: ‘Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás’” (vv. 5-8).
O Diabo propõe a Jesus um reino por conquistar e dominar, um tipo de glória e sucesso perversos enquanto anulam e reduzem os demais a meros objetos (coisas) e mão de obra barata. No entanto, existe uma outra glória. Nosso Senhor entende que a vida de um homem é para a felicidade e que o caminho da felicidade é lavar aos pés daquela outra pessoa que se está diante (Jo 13). É gloriosa uma mulher quando sentada e calma amamenta seu filho. É glorioso um pai de família que mantém sua casa com o suor do seu rosto. Viver sugando, não promovendo o outro, é atitude demoníaca. É demoníaco o líder que se presta a querer tomar em suas mãos a vida do outro; e se encontra “possuída” a pessoa que se deixa enganar por um líder de tal espécie.
-“O Diabo, então, o levou a Jerusalém, colocou-o no beiral do templo e lhe disse: ‘Se és Filho de Deus, lança-te abaixo, pois está escrito: Ele deu a seus anjos ordens a teu respeito; proteger-te-ão com as mãos, com cuidado, para não machucares o teu pé em alguma pedra’”(vv. 9-11).
Já que Jesus tinha se saído tão bem nas tentações anteriores, tinha se mostrado tão fiel e confiante em Deus, o Diabo, então, diz-lhe de “confiantemente” se jogar. E mais: induz a Jesus de se apresentar como um Messias ao gosto popular, isto é, milagreiro, prodigioso, fantástico, pois, afinal, o povo gosta de eventos maravilhosos, espetaculares. O povo gosta de admirar quem promete mundos e fundos. O povo gostaria de ver aquela “mitada”, aquela cena de um Jesus se lançando do alto do templo e sendo amparado por anjos. Jesus se recusa. Sabia ele que quando somos o que os outros querem, perdemos a nós mesmos, perdemos o desejo bondoso que o Senhor Deus tem para conosco.
Infelizmente, muitas vezes para agradar ou para receber aplausos ou vantagens, alguém pode calar a própria consciência, pode perder a própria liberdade e a própria vocação, o próprio chamado. É perigoso viver sempre procurando a aprovação das figuras de autoridades ou outras figuras quaisquer. Jesus sabia-se amado pelo Pai, e não precisava da aprovação popular (através de milagres, por exemplo) para sentir-se bem, estimado e valioso. Nosso Senhor foi tentado a pautar sua vida em recebendo aplausos e reconhecimentos frívolos. Foi tentado a viver em vaidade devido aos dons e talentos que possuía. Caso Jesus cedesse e agradasse ao Diabo e às expectativas da multidão, certamente teria perdido a própria missão e a própria estrada, passaria o resto da vida sempre buscando “amores” (aplausos e reconhecimentos) a fim de se sentir amado e valioso; e não teria se alimentado daquela realidade que realmente nos deixa feliz e contente: o amor do Pai que nos ama por primeiro.
- “Disse-lhe Jesus: ‘Também está escrito: Não porás à prova o Senhor teu Deus’” (v. 12). Infelizmente pode acontecer: quando o desespero cai sobre nós somos tentados a tentar a Deus, isto é, pedi uma prova de que Ele realmente está presente, é eficaz, nos ama e nos acompanha. Não coloquemos Deus à prova (vou me jogar para ver se Deus é Deus mesmo e me ampara), basta-nos a certeza de seu amor por nós. O demoníaco insinua essa dúvida: será mesmo que o Senhor é fiel? O Diabo insinua na mente das pessoas que se as coisas não acontecem como foram pedidas a Deus, Deus não existe. Havia uma criança que duvidava do amor dos pais para com ela. A criança sempre aprontava só para ver a reação dos pais. E, assim, sempre tentava aos pais, isto é, sempre os colocava à prova. Jesus não tentou ao seu Pai, não o pôs à prova, simplesmente porque não duvidava do seu amor para com Ele, e até mesmo no momento da morte não duvidou, mas confiou: “Em tuas mãos entrego o meu espírito”.