Homilia do I Domingo da Ressurreição - ano A - Frei João Santiago
I Dom Ressurreição. (João 20, 1-9)
“Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte” (1Jo 3, 14): é praticando a “Palavra” que nos deparamos com a Vida.
E quem foi que disse que no “Santo Sepulcro” não há vida?
“... Maria Madalena foi ao sepulcro ... Viu a pedra removida do sepulcro. Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava ... Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro ... aquele outro discípulo ... Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou. Chegou Simão Pedro ... entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão. Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte ... entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e creu ...”.
A nossa Igreja proclama: “Jesus ressuscitou, venceu a morte”. Alguém pode se perguntar: “Mas porque Ele não se mostra logo de uma vez para meus olhos materiais?”. Sabemos que Maria Madalena teve essa visão e até “segurou” com mãos fortes a Jesus. O Mestre disse a Maria Madalena: “Não me detenhas, mas vai dizer aos irmãos.....”. Não se deixando deter por nossos olhos de carne e pelas nossas mãos, Jesus cria uma chance para nós: a chance, a oportunidade de fazermos, cada um, a própria Páscoa. Pense nisso!
Os sinais em nossas vidas (Sepulcro vazio, lençóis estendidos no chão, o bom odor e o sudário) atiçam o nosso desejo como que dizendo: “Agora é a vossa vez de ressuscitar”.
Nosso passar de anos, nossa vida, pode, também, deixar os rastros de um sepulcro vazio, perfumado, com lençóis arrumados tal como um leito conjugal (lugar de encontro amoroso), e não rastros de uma ‘bagunça’.
Ver e “assistir” Jesus ressuscitado tal como vemos as pessoas no dia-a-dia não seria nenhuma vantagem humano-espiritual para nós. Mas... fazer a experiência de ressuscitados, isso, sim, nos faz novos, novas criaturas, filhos de Deus, divinizados; nos faz viver no e do Espírito Santo. Já nesta terra podemos viver como ressuscitados: “... morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3, 3); “Deus nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2, 6).
O Evangelho desse domingo nos ensina como fazermos experiência de ressuscitados encontrando o Ressuscitado.
- "No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro...”. O alvorecer (o crepúsculo matutino) promete. Maria Madalena mantém vivo o viço, o desejo de uma novidade de vida. Havia nela a adesão do amor que sabe interiormente que não haverá traição por parte d´Aquele que é fiel, o Fiel. “Eu sabia que você voltaria”, disse um soldado ferido na mata ao ver seu amigo voltando para salvá-lo. Maria Madalena bem pensava que tudo acabaria bem, que tudo que é bom, belo e verdadeiro tem que dar certo. Ela não desistiu. Enquanto todos dormem e se resignam, ela vai, vai ao sepulcro.... Não desistamos do bem, do Bem maior, pois, também, dessa forma é que celebramos a Páscoa, a vitória sobre a mal, o pecado e a morte.
- Importa correr, ser “outro”, ver e acreditar. “.... Viu a pedra removida do sepulcro. Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: ‘Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram!’”. O sepulcro é uma memória, lembra um inimigo do homem, a morte. Morte como derrota e aniquilação, quando o homem perde certa consciência, perde o controle sobre a própria vida. O anúncio que Santa Maria Madalena faz aos discípulos é de um sepulcro, mas de um sepulcro vazio. Jesus Cristo não foi tragado pela morte, o sepulcro está vazio e seu corpo não foi roubado ou tirado de lá. Isto é fato. Não fiquemos assistindo tal espetáculo, declarando simplesmente que acreditamos na ressurreição tal como acreditamos que Cabral esteve no Brasil, mas vamos nos envolver na questão.... Como João e Pedro, vamos correndo ao sepulcro:
“Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro ... (João) Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou. Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão. Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte. Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e creu”. Para se viver como ressuscitados não bastam provas de que Jesus esteja ressuscitado, faz-se necessário ter adesão, amor a Jesus, passar a ser discípulo amado, ser “outro” discípulo. “Outro”? Sim, “outro”, deixar de ser o mesmo: “É preciso nascer de novo, pois quem nasce da carne é carne, e quem nasce do Espírito é “outro”.
- Jesus foi sepultado. No sepulcro entrou Aquele que nos amou de amor extremo, e lá entrou nos amando em corpo e alma. Morte como falecer, desfalecer, entrega, oferta de si. O “Santo Sepulcro” é memória da vida dele doada. Sepulcro como lugar de amor, lugar de vida doada e lugar que recebe vida doada pelo Pai. A morte de Jesus, a memória daquela entrega, é convite a entrarmos naquele sepulcro, a “morrermos” para o pecado que não nos permite ser felizes, isto é, a levar uma vida nova, vida de ressuscitados: “... morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3, 3); “Deus nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2, 6).
- São João descreve o sepulcro como um leito nupcial (lençóis e sudário arrumados, bem dispostos e perfumados com 33 quilos de perfume). Isso quer indicar que nossa vida doada, nossa benfazeja “morte” (dedicação) diária, nosso empenho na vida familiar e comunitária, o nosso serviço, o nosso tolerar o outro, nossa última entrega (aquilo que chamamos “morte”), tudo isso é uma ida ao encontro do esposo, é núpcias, é morrer para o mundo velho pecador, é entrar no sepulcro para as núpcias e encontrar o esposo da humanidade, é morrer para este mundo pecador e viver para sempre em Deus. Este sepulcro que somos convidados a entrar é o lugar da vida nova: “... morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3, 3); “Deus nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2, 6).
- A morte foi vencida. O Espírito Santo do Ressuscitado impera em nós. O nosso tempo, o nosso viver, os nossos dias e o lugar no qual estamos não são ocasiões de contendas, mas oportunidades de aliança e comunhão, pois vivemos como ressuscitados no Espírito. Podemos experimentar o tempo de maneira medrosa, pois a morte vive à espreita. Mas, este tempo carregado de medo só consegue pôr fim às minhas pretensões egoístas (“A figura desse mundo passa com suas vaidades” – 1Cor 7, 31), não consegue atingir a vida de quem vive como ressuscitado, isto é, de quem vive em encontro com Deus e com o próximo.
Realizemos bem o nosso trabalho, a nossa gestação em nos tornarmos plenamente “filhos de Deus”. Pode durar oitenta, pode durar noventa anos. A nossa entrega do corpo biológico à mãe terra será a ocasião do nascimento para a total vida plena que já estamos gestando e, de certa maneira, já vivendo nesse tempo.
- É amando que se acredita. O Evangelho atesta que o discípulo amado “viu e acreditou”. “Viu” o sepulcro “arrumado” para um encontro, com lençóis e sudário arrumados, perfumados e dispostos como um leito nupcial. No sepulcro, Jesus não se mostra aos olhos da carne, mas se mostra nos convidando a ocupar o nosso lugar no leito nupcial, nos convidando a conduzir a vida - vida que ama, que se doa - na mesma direção daquele sepulcro perfumado (E que contém as marcas do amante que morreu pelos amados, que somos todos nós), a render o nosso espírito ao Pai, e, assim, experimentar em nossa carne o poder da comunhão com o Ressuscitado.
- Não é por acaso que é chamado de “discípulo amado”, pois só quem ama consegue perceber a presença do amado nos simples gestos, palavras, sinais. Há segredos entre os que se amam. É como um código secreto. O discípulo amado vendo aquele sudário colocado daquele jeito, aqueles lençóis perfumados bem arrumadinhos, o leito preparado, acreditou: eram dicas de que o amor venceu e sempre vencerá.
- Ainda sobre o discípulo amado. No cenáculo só ele ficou sabendo que Judas seria o traidor. Só ele participou até o último instante da Paixão do Senhor. Diante da Cruz, só ele recebeu Maria por mãe, tornando-se filho de Maria. O fato de ter visto, sentido e vivido a Paixão com Jesus, o fato de ter recebido os últimos olhares amorosos de Jesus e ter visto o seu coração vertendo sangue e água, deixaram-lhe marcas, marcas de amor. Tornou-se capacitado para perceber quaisquer vestígios do amor de Jesus. Podemos bem afirmar que a partir daquele dia o discípulo amado já não pertencia ao mundo de pecado, pois com aquele amor visto e recebido passou da morte para a vida, “passou deste mundo para outro mundo”, passou a ansiar pelas marcas amorosas. E.... quando viu os lençóis e sudário que tinham envolvido o corpo de Jesus, e sentiu a boa flagrância reinando no sepulcro, não pôde não acreditar que Ele estava vivo. Podemos imaginar o que se passou no íntimo do discípulo amado: “Ele está me chamando ao seu leito, isto é, me chama a fazer de minha vida uma série de encontro, um perene lava-pés, pois ‘Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele’”.
- O discípulo amado e que amava. Podemos imaginar suas palavras: “Vendo e sentindo o bom odor daqueles lençóis eu caí, me rendi, fiquei sem mim, desfaleci, e me deixei ir. Sabia que me aproximava de alguma coisa. Eu estava me aproximando da coisa mais forte que jamais me acontecera. Aqueles lençóis e aquele bom perfume me chamavam. Quanto menos “sabia” de tudo aquilo, mais a doçura de um encontro se tornava meu destino: eu vi e acreditei”.
- O Senhor Deus não pode ser reduzido a ser um mero “Deus dos filósofos”; não é um mero “Motor imóvel”. Deus é uma realidade pessoal e é Amor, como diz São João. Entender a ressurreição somente conseguimos se, amorosamente, formos capazes de facilitar, colaborar e apoiar o soerguimento do outro, e não trapacear ou derrubar o próximo. Deus não se deixa contemplar por simples curiosos acerca da realidade d´Ele, mas se deixa ver, sim, pelas pessoas que amam: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Lc 10, 21). Quando não se ama uma pessoa, mesmo que a pessoa esteja diante de meus olhos, será ignorada ou até mesmo afastada do caminho.
- Bonito: “... aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro ... Inclinou-se e viu ali os panos, lençóis no chão, mas não entrou”, esperou, deixou Pedro entrar por primeiro. Grande sinal de amor é esperar pelo outro, pelo tempo do outro, pela lerdeza do outro. Grande sinal de amor é tolerar ativamente o outro, semeando e esperando frutos. Quanta paciência o Senhor teve com seus discípulos!!! Que sejamos “outro”, outra pessoa, melhor pessoa! Não esqueçamos que o discípulo amado teve a alegria de acreditar na ressurreição, teve a paz trazida pela vitória sobre a morte. Mas não esqueçamos que antes disso ele esperou pelo outro. E se não houvesse esperado? Há, sim, uma intrínseca relação entre esperar o irmão, ver, acreditar e viver como ressuscitado.
- “... com certeza vos afirmo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram; e ouvir o que ouvis, e não ouviram” (Mt 13, 17). Viram e ouviram maravilhas: Jesus perdoando e salvando da morte uma mulher, acariciando as desprezíveis crianças da época, afrontando o poder para curar a mão atrofiada de um trabalhador, proferindo o caminho da felicidade no monte das bem-aventuranças, apaziguando a alma e corpo atormentados da mulher que sofria de hemorragia, fazendo voltar à vida Lázaro que já fedia..... Vendo tais maravilhas somos provocados a espedaçar nosso coração de pedra e com o coração de carne dizer: “É mesmo!” “É verdade!” “A vida é mais forte do que a morte!”. O caminho da vitória sobre a morte Jesus já nos ensinou: “Se lavardes aos pés uns dos outros”. A aposta de Jesus é que a prática do amor, realmente vence a morte, pois o amar nos faz tão “falecidos” em Deus, tão entregues e confiantes tal como uma criancinha balbuciante. Quem ama de verdade é feliz e “sabe” que falecer é entrar na vida, pois quem ama navega, respira e vive da vida do Eterno. A vitória sobre a morte, portanto, não é um enigma, um mistério mental, mas uma prática, a prática da caridade. Não é por acaso que Pedro só vê o “sepulcro” vazio, enquanto o discípulo amado vê e crê, crê que Jesus ressuscitou, entrou na Vida.