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Homilia do I Domingo do Advento - ano A / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 30/11/2019 - 08:31

I Domingo do Advento

(São Mateus 24, 37-44)

Assim como foi nos tempos de Noé, assim acontecerá na vinda do Filho do Homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca.  E os homens de nada sabiam, até o momento em que veio o dilúvio e os levou a todos. Assim será também na volta do Filho do Homem” (vv. 37-39). 

Nos tempos de Noé comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento.... Coisas do dia-a-dia, coisas de todos os tempos que se fazem porque se vive e porque se precisa viver: comida e bebida para a sobrevivência de cada um e casamento para salvar a espécie. Os antigos faziam e nós também fazemos hoje. Noé e família faziam estas coisas e também os demais homens do seu tempo.  Noé e família se salvaram na arca. Os demais sucumbiram no dilúvio. Também hoje podemos nos salvar na arca ou sucumbir nas águas.

Noé e família, enquanto comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, iam construindo a arca da salvação. Os demais comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, mas não construíam nada, não percebiam nada além do comer, beber e reproduzir-se.

O fato é que o Senhor Deus vem ao nosso encontro e vem no cotidiano, isto é, enquanto fazemos as coisas normais de uma jornada qualquer.

VIDA. A história de Noé e as palavras de Jesus nos convidam a sermos sábios e praticantes da Palavra. É em meio às coisas normais do dia-a-dia e da vida que a pessoa iluminada pela Palavra constrói a arca da salvação. Importa que eu viva, me mantenha vivo (comer e beber), construa família, crie vínculos, seja fiel, (casar e dar-se em casamento), procure facilitar a vida dos semelhantes, procure ser fiel a tudo que é bom e verdadeiro, busque ser fiel e agradecido a Deus. “Gastando” meus dias desta maneira é que não serei “devorado” pelo tempo que se acaba, pelas forças do mal que me rodeia, pelas adversidades da vida (“dilúvio”).

MORTE. O homem néscio e desprovido de discernimento que não escuta a “voz da consciência”, em meio às coisas normais do dia-a-dia, ganha o seu pão na desonestidade, usa e abusa das pessoas, não se volta para Deus com fidelidade, faz uso, quando pode, de violência e agressividade, desconhece a palavra “gratidão”, acredita ser o dono absoluto de si, das coisas e de certas pessoas. Um dia o “peso da realidade” há de se mostrar: a idade chega, outros terão sucessos em seu lugar, ficará, naturalmente, para trás, dito amigos poderão lhe trair, sentir-se-á sozinho, crises e adversidades chegarão e ele não dará conta. Devido a vida que levou, não suportará a “crueldade” da realidade: o “dilúvio” terá chegado para o homem néscio e desprovido de discernimento.  

MISTÉRIO. No meu cotidiano se esconde a morte ou a ressurreição, o dilúvio ou a arca. Vivendo o cotidiano (fazendo coisas, encontrando pessoas, sonhando, desejando, planejando e pensando) posso eu alimentar um egoísmo mortal, distanciando-me cada vez mais de Deus e do bem ou posso eu ir nascendo para uma vida nova, para a vida de “filho” do Pai, para a vida de irmão de tantos semelhantes.

- “Dois homens estarão no campo: um será tomado, o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no mesmo moinho: uma será tomada a outra será deixada” (vv. 40-41).

Em meio a nossas ocupações, nossos trabalhos, podemos ser “tomados” pelo Senhor, salvo por Ele. Importa trabalhar, investir, se dedicar, esmerar-se numa atividade. Quando consumo minhas forças realizando aquele bom desejo que é também o desejo do Senhor, trabalho, não como um mero operário, funcionário ou patrão, mas como filho do Pai e irmão de tantos outros. É desta maneira que eu não serei deixado de lado pelo Senhor.

Alguém se pode perguntar: “Não faziam a mesma coisa? Por que uns foram tomados e outros largados, deixados de lado?” Certamente faziam a mesma coisa. A diferença é que faziam com motivações diferentes. Aparentemente não havia diferença nenhuma entre aquelas pessoas. “Não julgueis a ninguém”, disse Jesus. De fato, não sabemos o que se passa no coração das pessoas. Deixemos que o Senhor julgue a cada um. Sejamos “simples como as pombas e espertos como serpentes”. Não acreditemos facilmente em belas apresentações, feitorias e bonitas palavras. E também não pensemos imediatamente mal das pessoas. Basta que sejamos prudentes com as pessoas e deixemos o julgamento ao Senhor que sonda os corações.

Ser deixado ou ser tomado. Que eu consuma minhas forças, que eu trabalhe pela realização e pelo progresso dos povos e que eu contribua pelo bem da criação, a fim de aumente nesta terra o bem-estar dos filhos de Deus, a fraternidade entre as pessoas e o louvor ao Criador. Assim serei tomado, acolhido no regaço do bom Pastor: “Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçaispois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mt 19, 14).

Que aprendamos a não desprezar a nossa vida, os nossos dias: cada instante é importante, é valoroso, pois a cada instante podemos tomar pequenas ou grandes atitudes e ações, podemos fazer o bem, semear a concórdia, a esperança, a confiança. Por vezes, umas poucas palavras ou simples gestos ou são decisivos na vida: toda boa atitude e sãs palavras valem a pena, fazem bem, salvam vidas, quando provêm de uma boa alma.

- “Vigiai, pois, porque não sabeis a hora em que virá o Senhor” (v. 42).  

O serviço do vigilante é preocupar-se para que nada de importante e valioso seja perdido, roubado. Sejamos, pois, vigilantes, atentos, espertos, cheios de discernimento, procurando o bem e evitando o mal, a fim de que saibamos bem lidar com a vida, com as coisas e com as pessoas e não ser deixados pelo Senhor, a fim de que, enquanto “comemos, bebemos e nos casamos”, não sejamos engolidos pelo “dilúvio” quando chegar a hora.

A noite já vai adiantada, o dia vem chegando: despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz” (Rm 13,12). O Ressuscitado, o Sol de nossas vidas, já surgiu. Abramos os olhos, deixemos a noite, as trevas e fujamos das armadilhas da mata escura. Vivamos, já desde agora, como filhos do Pai, experimentando a plenitude da vida. O discípulo de Cristo é verdadeiramente um “iluminado” que mantém os olhos abertos e enxerga bem todas as coisas, sabe contar seus dias, faz discernimento, toma atitudes, entende o significado das coisas e dos encontros da vida e dar-se conta da maravilha que se “esconde” nestas mesmas coisas e encontros, e por isso mesmo, se abre ao louvor, passa a ser grato e se rende à adoração de Deus.  

- “Sabei que se o pai de família (patrão da casa) soubesse em que hora da noite viria o ladrão, vigiaria e não deixaria arrombar a sua casaPor isso, estai também vós preparados porque o Filho do Homem virá numa hora em que menos pensardes” (vv. 43-44).

VIGILANTES E PREPARADOS. Quando eu não sou vigilante, eu sou negligenteimprudentedisplicente. Na verdade, quando não sou vigilante para com as coisas importantes e valiosas é porque estou totalmente concentrado na minha preguiça ou concentrado, cegamente, em interesses espúrios, pois me deixei levar por ilusões e fantasias. Sendo negligente, posso encarar a minha vida como posse minha em absoluto, isto é, considero-me “Senhor” de mim mesmo. E desta maneira termino preparando para mim sofrimentos inúteis, isto é, encaro o fim das minhas forças mentais e físicas como um roubo feito por um ladrão chamado Criador desta vida. A “vinda do Senhor” me parecerá uma visita de um estranho, pois terei me perdido em mim mesmo, uma vez que não mantive “contato”, amizade, diálogo, com o Senhor Deus.

O Senhor convidando-nos a viver “vigilantes e sempre preparados para sua ‘vinda’” nos pede que consideremos a “irmã morte” como um empuxo forte que nos leva ao máximo de nós, que nos arrebata a um “Novo céu e nova terra”, a um novo nascimento, ao mundo do Eterno. Que o Senhor não se torne um “ladrão invasor”, um estranho, mas que seja sempre para nós como o “Noivo” de nossas almas. Hoje, a Palavra nos provoca tremendamente.  

Por fim, diríamos que ser vigilante é usar toda inteligência e criatividade a fim de que o nosso amor se torne operativo, não meras palavras ou sentimentos.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.