Tamanho do Texto:
A+
A-

Homilia do I Domingo do Advento - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 02/12/2018 - 19:41

I Domingo do Advento

Lucas 21, 25-28; 34-36

 - "Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia apoderar-se-ão das nações pelo bramido do mar e das ondas. Os homens definharão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra. As próprias forças dos céus serão abaladas” (vv. 25-26).

De um lado temos uma vida pessoal, familiar e de trabalho. Temos também nossa sociedade e mundo organizados de tal maneira que, mesmo não estando tão pacíficos e justos, conseguimos sobreviver. De outro lado, temos pessoas sem voz e sem vez, outras pessoas que foram lesadas, injustiçadas, e sem chance e sem forças de sozinhas saírem de um abismo qualquer. Nós mesmos, por vezes, nos sentimos, também, incluídos neste grupo de pessoas que padecem por causa dos próprios limites e pecados, e também por causa deoutros. Diante de tudo isso, podemos afirmar que há um “bem” que quer vir à tona, há preces, súplicas e sonhos de justiça, de paz, de felicidade; e há também um “mal” por combater, um lamento por dias melhores: “Eu sou o Deus de teus pais. Ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3, 7).

O sol – chamado pelos romanos de “invencível” –, a lua, as estrelas, o mar e as forças do céu são abalados quando a força do “Filho do Homem” se faz presente. Por mais que sejam fortes as organizações, ideologias, perversas religiões e falsas idéias de Deus (“forças do céu”), governos, grupos e pessoas que sufocam o bem e que fazem o mal, eles são sacudidos, abalados e destronados diante da força do “Filho do Homem”.

O nosso Deus, não sendo indiferente, entra em nossa vida, em nossa história de vida, em nosso mundo, com sua força, abalando sol, lua, estrelas, o mar e as forças celestes. A terra se apavora, nós nos apavoramos, pois pensamos que toda convulsão social ou familiar, toda crise ou angústia pessoal, seja o princípio do fim. O texto fala que os homens desmaiarão, definharão de medo. É bem verdade que quando uma pessoa se vê sem o sol, lua e estrelas que brilhavam em sua vida, termina por ficar sem “chão (... na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra). Sem céu, sem terra e com os piores demônios que se levantam do mar(“... a aflição e a angústia apoderar-se-ão das nações pelo bramido do mar e das ondas”), a pessoa termina por ficar “suspensa”, sem saída, em angústia E, apavorada, desmaia, perde a consciência como se nocauteada fosse. Não é por acaso que o Senhor nos chama para a prontidão. Sem esperar como se deve o Senhor, mais cedo ou mais tarde encontraremos a angústia em qualquer esquina da vida. A marca da angústia é a falta de confiança na vida, é considerar que nada mais de positivo se fará presente e que o mal triunfará sempre. O angustiado pensa sempre que o tempo bom “já era”, uma vez que até de onde menos se esperava veio a “facada” (“o sol não brilha mais”). Aqui o jogo se torna perigoso! O homem sem esperança pode até achar a esperança, o amor, a caridade, a verdade, a honestidade, a fidelidade e o próprio Deus realidades boas e belas que mereceriam nossa dedicação. Mas, o homem sem esperança acha também que tudo isso e o próprio Deus parecem fracos perante o mal e por isso não mais confia nestas realidades tão belas e boas. Aquele ou aquela sem esperança termina por se dobrar perante o mal, sucumbe, se entrega, não mais reage ao mal, e pode terminar também por praticar o mal como aquele que anseia por desforra, como aquele que busca sempre tirar vantagem mesmo que isso custe sofrimentos aos outros. A vida de pecados, malícia e de más ações se torna uma espécie de sobrevivência porque não mais se acredita na força do bem.

 

- “Então verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem com grande glória e majestade. Quando começarem a acontecer estas coisas, reanimai-vos e levantai as vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação” (vv. 27-28).

Os homens, diz o Evangelho, tendem a esperar o pior quando “um sol da vida” some ou para de brilhar. O Evangelho, no entanto, nos diz que aconteça o que acontecer, quando o sol, lua, estrelas e o mar são abalados, é hora de se reanimar e levantar a cabeça para acolher o “Filho do Homem”, sua vontade, executar suas indicações e fazer boas escolhas. É hora de abandonar o mundo velho que se sustentava no sol, na lua, nas estrelas e na tranquilidade do mar.

Há uma boa-nova, uma boa notícia para todos: no olho do furacão o Filho do Homem se faz presente.

É importante conhecer o “Filho do Homem”. Quem é ele? Ele triunfa enquanto os astros – sol, luz, estrelas e forças celestes – se abalam. Quem é ele? É Jesus de Nazaré, o crucificado, o filho de Maria. Ele é o juiz supremo de todas as pessoas, de toda a história da humanidade. Nele temos a verdadeira face de Deus quedesmente e desmantela todas as forças do céu, todas as falsas concepções de Deus existentes em nossas mentes e em muitas religiões e filosofias. Ele resiste ao mal com a força do bem. Vence o rancor, o ressentimento e a vingança com o poder do perdão. Perdoa, absolve, solta, liberta o pecador arrependido. Revela que a vida do Eterno ou vida eterna consiste em amar. Acolhe a todos. Vence a morte quando inteiramente se entrega a Deus Pai, quando ama infinitamente a humanidade: vence a morte na cruz. Na cruz manifesta sua glória, pois Deus reina e é glorificado quando seu Filho, o “Filho do Homem”, revela a essência de Deus que é amor, amor sem reservas, amor infinito que doa a vida pelos seus amigos (cf. Jo 15, 13). Ele é o modelo para todos e cada um dos homens e mulheres dessa terra. 

Não seremos abatidos quando os “astros” forem abalados e quando o mar vomitar seus demônios. E não seremos abatidos porque reconheceremos o “Filho do Homem” em sua potência e glória. E reconhecê-lo é aceitar a vida que ele viveu, é viver seguindo seu modelo.

- “... levantai as vossas cabeças; porque se aproxima a vossa libertação”.  Podemos viver como homens livres e novos em qualquer situação, mesmo na mais das dramáticas. Importa encarar o “amanhã”, as situações, os dilemas, as “saias-justas”, positivamente, isto é, com a certeza de que tudo dará certo, que o bem vencerá. Diante do mal e de noites traiçoeiras, o medo não deve reinar, mas, sim, o desejo do bem, deque o bem triunfará. Considerar a vida positivamente, com confiança inabalável e fé em Deus faz com que as dores de parto gerem a paz e a alegria em nosso meio. Viver como filhos de Deus, imitando o “Filho do Homem”, nos faz livres de cadeias, laços e amarras, nos leva a experimentar uma liberdade jamais pensada, liberdade que serve ao bem, que promove esperança e vida por onde passamos e nas pessoas que encontramos.

Santo Estevão, no meio das “tormentas” e com a cabeça erguida, viu a glória Deus, viu Jesus, o “Homem” (cf. Atos, 7, 55-56). Se eu levanto a cabeça, eu vejo o “Filho do Homem”. Mas se eu prefiro olhar para o meu medo, para o medo de perder isso ou aquilo, se prefiro olhar só e unicamente para o meu interesse, para o meu pesar e lamento, para as mágoas e ressentimentos, só restará a escravidão e as rugas do “velho homem”, nada de libertação. O “Filho do Homem” está entre nós, olhemos para ele, sejamos provas e testemunho de sua presença, de um bem que é mais forte do que todo mal. Disse o “Filho do Homem”: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32); “... o que fizestes a estes meus irmãos menores, a mim o fizestes” (Mt 25, 40). Elevado da terra, Ele estava na cruz poderosamente amando a humanidade; e eu, hoje, amando o mais indefeso dos irmãos, estou olhando para o “Filho do Homem” presente no mais indefeso: elevemos nossas cabeças, olhemos em direção ao “Filho do Homem”, olhemos o olhar dele (que certamente estará olhando o mais indefeso) e, assim, entraremos no Reino novo, em vida nova que tem a marca da liberdade que serve ao bem.

 

 - “Velai sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso do comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe de improviso” (v. 34).

Muitos fazem com o avestruz que diante do perigo procura esconder a face para não ver a ameaça e o mal que se aproximam, vivendo como que num “faz de conta”, tentando dizer a si mesmo que tudo está bem. O mundo está caindo aos pedaços ao nosso redor e até mesmo dentro de nós, e, mesmo assim, podemos fingir que nada está acontecendo. Podemos ir tocando a vida com os “corações pesados”, procurando tapar vazios excedendo no comer e no beber. O entorpecimento é uma fuga da vida. A indiferença, a fuga nos sucessos em cima de sucessos, na ostentação em cima de ostentação, não deixa de ser uma forma de ópio, uma maneira de entender a vida como uma mera ânsia por cada vez mais objetos por consumir. E o “Filho do Homem”, que sempre passa por nós, não é percebido porque, entorpecidos, não levantamos nossa cabeça.

 

- “Como um laço (aquele dia) cairá sobre aqueles que habitam a face de toda a terra. Vigiai, pois, em todo o tempo e orai, a fim de que vos torneis dignos de escapar a todos estes males que hão de acontecer, e de vos apresentar de pé diante do Filho do Homem" (vv. 35-36). 

Nós que habitamos a terra podemos viver numa prisão e nem nos damos conta. Contemplando um idoso feliz e que deixa como herança filhos e netos felizes, podemos bem imaginar que para chegar aonde chegou teve que fazer escolhas acertadas, renunciar tantas coisas e situações possíveis em vista de um bem maior. Certamente ele cuidou de si (“velou”), vigiou e orou. Sejamos sábios, aprendamos a ver e a considerar o “amanhã”, o “futuro”, pois desta maneira não cairmos no laço da ilusão.

Vigiar e orar. Vigiamos quando jamais renunciamos ao desejo maior de nossas almas, quando não damos nossas pérolas aos porcos, quando nenhum objeto ocupa o espaço de Deus e quando nenhum desejo nefastode outra pessoa se apossa de nós. Faz bem não se entregar cegamente a uma vida desenfreada que vive defazer pouco caso das pessoas e de se tornar escravos de coisas. Para quem espera o “Filho do Homem”, a novidade será sempre bem-vinda, será o esposo. Para quem não espera e vive “plantado” no seu “euzinho” e olhando só para o próprio umbigo, a queda dos astros que pareceriam brilhar para sempre e a vinda do “Filho do Homem” significarão um lamento: “Oh! não, termina aqui a minha vida”.

Oramos quando enxergamos também durante a noite. O cristão vê a realidade diurna e noturna. Quem não reza enxerga somente fantasias, quimeras, sonhos e delírios de onipotências. Quem reza se faz participante daquela força dos filhos que vivem em comunhão com o Pai. 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.