Tamanho do Texto:
A+
A-

Homilia do II Domingo da Quaresma - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 16/03/2019 - 19:15

II Domingo da Quaresma (Lucas 9, 28b-36)

Jesus tinha anunciado que seria preso e morto. Os discípulos temem. Jesus, para encorajá-los, mostra-lhes sua glória, seu poder, como que a dizer: “Não temam a cruz, pois esta, a cruz, há uma glória, uma beleza”!                      

- “Passados uns oito dias” (v. 28). “Oito dias” se refere ao “domingo”, dia no qual se celebra, de maneira muito especial, na santa Eucaristia, a vida, a morte e a Ressurreição do Senhor Jesus. “Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e subiu ao monte para orar”. O Senhor Jesus nos toma consigo, nos assimila ao seu corpo e à sua intimidade, e nos eleva ao monte, a um novo ambiente, ao ambiente do divino.Com Ele já estamos no “céu”, oramos, beijamos a Deus, damos-lhe graças, entramos no mundo divino, no “monte” (“... somos cidadãos do céu. De lá aguardamos nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo” – Fil 3, 20). Celebrar a Eucaristia, como o próprio nome diz, é render graças a Deus por tudo de bom, e também render graças pela paixão e morte de Jesus, pois, afinal, a morte do Filho de Deus que celebramos na Eucaristia é o próprio Filho de Deus que doa a vida por nós. O Senhor vence o mal (a morte que lhe fizeram) não resistindo ao mal com o mal, e fazendo de sua morte um ato de entrega ao Pai por amor da humanidade: por seu amor transforma a morte em uma oblação, em uma oferta de si. A Cruz, portanto, se torna gloriosa e anuncia que nenhuma perversidade, nenhum mal, pode impedir que o amor mostre o seu poder, a sua glória e o seu triunfo. A Cruz é gloriosa, é ressurreição. Fazer da vida uma oferta de si jamais será um fracasso, mas sempre exuberância de vida e felicidade. Celebremos, portanto, a santa Eucaristia e dela recebamos o mesmo espírito que levou Jesus a vencer todo o mal que insiste em querer campear em nossas almas.

- “Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência” (v. 29). A oração (beijar a Deus e ser beijado por Ele) faz acontecer uma “transfiguração”, uma mudança na feição de nossos rostos, nossas faces e semblantes. A oração é uma relação de entrega e confiança, nos dá o mesmo espírito do Filho que clama “Abba”, ó PaiA oração gera um novo olhar, novos olhos, e até mesmo o mal é encarado de forma diferente, torna possível o aparecimento do perdão e da misericórdia. Diante do mal o amor se revela em sua força maior, em seu peso e espessura, em sua robustez, isto é, se mostra glorioso. “Rosto que ganha outra aparência, rosto mudado em outro rosto”: as “entranhas” acolhedoras de Deus “saem para fora”, sua intimidade se faz explícita: “Sede compassivos, como vosso Pai é compassivo” (Lc 6, 36).

- “... sua roupa ficou muito branca e brilhante” (v. 29). Já que o rosto se revelou como rosto de Deus, como outro rosto que sempre será outro no sentido que para sempre continuará como fonte inesgotável de amor, temos a roupa cheia de luz, luz que encadeia, luz viva e vital: em oração busquemos e contemplemos, com o rosto descoberto (face a face), a glória do Senhor.

- “E eis que falavam com ele dois personagens: eram Moisés e Elias, que apareceram envoltos em glória, e falavam da morte dele, que se havia de cumprir em Jerusalém (vv. 30-31). Moisés: o representante da Lei, aquele que foi considerado amigo de Deus, que falava com o Senhor Deus face a face, que faleceu orando, beijando o próprio Deus. Elias: o grande profeta. O único homem na Bíblia que foi levado para o mundo divino num carro de fogo. Homens de autoridade que podem nos ajudar a entender o “Transfigurado”, a entender que toda a Bíblia aponta para as seguintes palavras de Jesus: “É neces­sário que o Filho do Homem ... seja levado à morte e que ressuscite ao terceiro dia ... Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me (Lc 9, 22-23). Com tais palavras vamos compreendendo e entrando no mistério do “Transfigurado”, no mistério das entranhas de Deus que se fazem explícitas e luminosas no rosto, nas vestes de Jesus e em suas conversas (“...falavam da morte dele”). “Falavam da morte dele”: falavam de uma batalha na qual o Amante da humanidade vence o Inimigo dos homens, vence o mal, o pecado e a morte. 

- “Entretanto, Pedro e seus companheiros tinham-se deixado vencer pelo sono; ao despertarem, com olhos abertos, viram a glória de Jesus e os dois personagens em sua companhia” (v. 32). “A glória de Jesus” é o peso tremendo do amor, a força maior, pois é o próprio Deus atuando. De olhos abertos e fixos em Jesus crucificado, em Jesus amante, veremos sua glória, seu peso maior, seu amor vencedor. Ter “olhos abertos e fixos” é acatar nosso Deus que nos ama e se dá a nós pecadores. Não esqueçamos, porém, que Pedro e seus companheiros, por uns instantes dormiram, isto é, resistiram em acatar a conversa de Moisés, Elias e Jesus, aquela conversa: “falavam da morte dele, que se havia de cumprir em Jerusalém”.

  
- “Mestre, como se está bem aqui, como é belo!”, disse São Pedro. A presença de Deus, a presença do Transfigurado, aquela Luz que tudo ilumina e deixa tudo bom e belo tal como no início da criação realiza e dá sentido às nossas vidas (“Deus viu que tudo era muito bom”). Deus que é beleza se faz presente e Pedro se vê todo refletido naquela beleza, isto é, o próprio São Pedro se vê como bom e belo. No mais profundo, somos espelhos de Deus, refletimos sua beleza. Somos chamados a ver isto, a saborear esta presença do Eterno, especialmente na oração e na eucaristia. Não esqueçamos, porém, que a beleza divina, a bondade, o prazer e a felicidade têm uma marca: a marca do serviço. Por isso a “conversa” no monte tinha a ver com a paixão pela humanidade: “... falavam da morte dele, que se havia de cumprir em Jerusalém”.

- “Mestre, é bom estarmos aqui. Podemos levantar três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias!...” (v. 33). Pedro anseia por manter-se na presença de uma realidade boa e bela, deseja “tendas”, isto é, anseia pela “shekiná”, pela glória, pela presença de Deus, por está no “tabernáculo”. Pedro, por outro lado, colocando Moisés entre Jesus e Elias, resiste em aceitar a Jesus e suas palavras (“É neces­sário que o Filho do Homem ... seja levado à morte e que ressuscite ao terceiro dia ... Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me - Lc 9, 22-23), e espera que Ele se revela como o messias esperado que faça cumprir “a Lei de Moisés” (Não esqueçamos que por esta Lei, Moisés mandou matar 3.000 homens - cf. Ex. 32, 28).

Pedro terá a resposta, saberá qual o segredo para se manter sempre no “monte” e envolvido pela glória, pela Luz, por tudo que é belo e bom. Vejamos.

- “Enquanto ainda assim falava, veio uma nuvem e encobriu-os com a sua sombra; e os discípulos, vendo-os desaparecer na nuvem, tiveram um grande pavor. Então, da nuvem saiu uma voz: ‘Este é o meu Filho muito amado; ouvi-o, escutai-o!’” (vv. 34-35). Pedro encontrará a resposta de como manter-se sempre na “tenda”. Se antes assistiam o que acontecia, agora são envolvidos, encobertos e abraçados pela sombra de uma nuvem. Eles entraram no mistério, foram envolvidos de luz, de vida e de fecundidade (Algo parecido aconteceu com Maria). Elias e Moisés “somem”, Jesus fica. Pedro, João e Tiago enchem-se de pavor. Devem abandonar suas antigas crenças e aceitar Jesus e suas tremendas palavras: “É neces­sário que o Filho do Homem ... seja levado à morte e que ressuscite ao terceiro dia ... Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9, 22-23). De fato, da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho muito amado; ouvi-o, escutai-o!”. Desejas tu a glória? Escute o Filho muito amado e suas tremendas palavras.

- “... Os discípulos ficaram calados e naqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto” (v. 36). Pedro, João e Tiago parece que não aceitaram as palavras de Jesus. Não conseguiram “casar” doação de vida (“A paixão de Cristo”) com “Transfiguração”, com Ressurreição. 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.