Homilia do II Domingo da Quaresma - ano C / Frei João Santiago
II Domingo da Quaresma (Lucas 9, 28b-36)
Jesus tinha anunciado que seria preso e morto. Os discípulos temem. Jesus, para encorajá-los, mostra-lhes sua glória, seu poder, como que a dizer: “Não temam a cruz, pois esta, a cruz, há uma glória, uma beleza”!
- “Passados uns oito dias” (v. 28). “Oito dias” se refere ao “domingo”, dia no qual se celebra, de maneira muito especial, na santa Eucaristia, a vida, a morte e a Ressurreição do Senhor Jesus. “Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e subiu ao monte para orar”. O Senhor Jesus nos toma consigo, nos assimila ao seu corpo e à sua intimidade, e nos eleva ao monte, a um novo ambiente, ao ambiente do divino.Com Ele já estamos no “céu”, oramos, beijamos a Deus, damos-lhe graças, entramos no mundo divino, no “monte” (“... somos cidadãos do céu. De lá aguardamos nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo” – Fil 3, 20). Celebrar a Eucaristia, como o próprio nome diz, é render graças a Deus por tudo de bom, e também render graças pela paixão e morte de Jesus, pois, afinal, a morte do Filho de Deus que celebramos na Eucaristia é o próprio Filho de Deus que doa a vida por nós. O Senhor vence o mal (a morte que lhe fizeram) não resistindo ao mal com o mal, e fazendo de sua morte um ato de entrega ao Pai por amor da humanidade: por seu amor transforma a morte em uma oblação, em uma oferta de si. A Cruz, portanto, se torna gloriosa e anuncia que nenhuma perversidade, nenhum mal, pode impedir que o amor mostre o seu poder, a sua glória e o seu triunfo. A Cruz é gloriosa, é ressurreição. Fazer da vida uma oferta de si jamais será um fracasso, mas sempre exuberância de vida e felicidade. Celebremos, portanto, a santa Eucaristia e dela recebamos o mesmo espírito que levou Jesus a vencer todo o mal que insiste em querer campear em nossas almas.
- “Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência” (v. 29). A oração (beijar a Deus e ser beijado por Ele) faz acontecer uma “transfiguração”, uma mudança na feição de nossos rostos, nossas faces e semblantes. A oração é uma relação de entrega e confiança, nos dá o mesmo espírito do Filho que clama “Abba”, ó Pai. A oração gera um novo olhar, novos olhos, e até mesmo o mal é encarado de forma diferente, torna possível o aparecimento do perdão e da misericórdia. Diante do mal o amor se revela em sua força maior, em seu peso e espessura, em sua robustez, isto é, se mostra glorioso. “Rosto que ganha outra aparência, rosto mudado em outro rosto”: as “entranhas” acolhedoras de Deus “saem para fora”, sua intimidade se faz explícita: “Sede compassivos, como vosso Pai é compassivo” (Lc 6, 36).
- “... sua roupa ficou muito branca e brilhante” (v. 29). Já que o rosto se revelou como rosto de Deus, como outro rosto que sempre será outro no sentido que para sempre continuará como fonte inesgotável de amor, temos a roupa cheia de luz, luz que encadeia, luz viva e vital: em oração busquemos e contemplemos, com o rosto descoberto (face a face), a glória do Senhor.
- “E eis que falavam com ele dois personagens: eram Moisés e Elias, que apareceram envoltos em glória, e falavam da morte dele, que se havia de cumprir em Jerusalém (vv. 30-31). Moisés: o representante da Lei, aquele que foi considerado amigo de Deus, que falava com o Senhor Deus face a face, que faleceu orando, beijando o próprio Deus. Elias: o grande profeta. O único homem na Bíblia que foi levado para o mundo divino num carro de fogo. Homens de autoridade que podem nos ajudar a entender o “Transfigurado”, a entender que toda a Bíblia aponta para as seguintes palavras de Jesus: “É necessário que o Filho do Homem ... seja levado à morte e que ressuscite ao terceiro dia ... Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me (Lc 9, 22-23). Com tais palavras vamos compreendendo e entrando no mistério do “Transfigurado”, no mistério das entranhas de Deus que se fazem explícitas e luminosas no rosto, nas vestes de Jesus e em suas conversas (“...falavam da morte dele”). “Falavam da morte dele”: falavam de uma batalha na qual o Amante da humanidade vence o Inimigo dos homens, vence o mal, o pecado e a morte.
- “Entretanto, Pedro e seus companheiros tinham-se deixado vencer pelo sono; ao despertarem, com olhos abertos, viram a glória de Jesus e os dois personagens em sua companhia” (v. 32). “A glória de Jesus” é o peso tremendo do amor, a força maior, pois é o próprio Deus atuando. De olhos abertos e fixos em Jesus crucificado, em Jesus amante, veremos sua glória, seu peso maior, seu amor vencedor. Ter “olhos abertos e fixos” é acatar nosso Deus que nos ama e se dá a nós pecadores. Não esqueçamos, porém, que Pedro e seus companheiros, por uns instantes dormiram, isto é, resistiram em acatar a conversa de Moisés, Elias e Jesus, aquela conversa: “falavam da morte dele, que se havia de cumprir em Jerusalém”.
- “Mestre, como se está bem aqui, como é belo!”, disse São Pedro. A presença de Deus, a presença do Transfigurado, aquela Luz que tudo ilumina e deixa tudo bom e belo tal como no início da criação realiza e dá sentido às nossas vidas (“Deus viu que tudo era muito bom”). Deus que é beleza se faz presente e Pedro se vê todo refletido naquela beleza, isto é, o próprio São Pedro se vê como bom e belo. No mais profundo, somos espelhos de Deus, refletimos sua beleza. Somos chamados a ver isto, a saborear esta presença do Eterno, especialmente na oração e na eucaristia. Não esqueçamos, porém, que a beleza divina, a bondade, o prazer e a felicidade têm uma marca: a marca do serviço. Por isso a “conversa” no monte tinha a ver com a paixão pela humanidade: “... falavam da morte dele, que se havia de cumprir em Jerusalém”.
- “Mestre, é bom estarmos aqui. Podemos levantar três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias!...” (v. 33). Pedro anseia por manter-se na presença de uma realidade boa e bela, deseja “tendas”, isto é, anseia pela “shekiná”, pela glória, pela presença de Deus, por está no “tabernáculo”. Pedro, por outro lado, colocando Moisés entre Jesus e Elias, resiste em aceitar a Jesus e suas palavras (“É necessário que o Filho do Homem ... seja levado à morte e que ressuscite ao terceiro dia ... Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me - Lc 9, 22-23), e espera que Ele se revela como o messias esperado que faça cumprir “a Lei de Moisés” (Não esqueçamos que por esta Lei, Moisés mandou matar 3.000 homens - cf. Ex. 32, 28).
Pedro terá a resposta, saberá qual o segredo para se manter sempre no “monte” e envolvido pela glória, pela Luz, por tudo que é belo e bom. Vejamos.
- “Enquanto ainda assim falava, veio uma nuvem e encobriu-os com a sua sombra; e os discípulos, vendo-os desaparecer na nuvem, tiveram um grande pavor. Então, da nuvem saiu uma voz: ‘Este é o meu Filho muito amado; ouvi-o, escutai-o!’” (vv. 34-35). Pedro encontrará a resposta de como manter-se sempre na “tenda”. Se antes assistiam o que acontecia, agora são envolvidos, encobertos e abraçados pela sombra de uma nuvem. Eles entraram no mistério, foram envolvidos de luz, de vida e de fecundidade (Algo parecido aconteceu com Maria). Elias e Moisés “somem”, Jesus fica. Pedro, João e Tiago enchem-se de pavor. Devem abandonar suas antigas crenças e aceitar Jesus e suas tremendas palavras: “É necessário que o Filho do Homem ... seja levado à morte e que ressuscite ao terceiro dia ... Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9, 22-23). De fato, da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho muito amado; ouvi-o, escutai-o!”. Desejas tu a glória? Escute o Filho muito amado e suas tremendas palavras.
- “... Os discípulos ficaram calados e naqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto” (v. 36). Pedro, João e Tiago parece que não aceitaram as palavras de Jesus. Não conseguiram “casar” doação de vida (“A paixão de Cristo”) com “Transfiguração”, com Ressurreição.