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Homilia do IV Domingo da Páscoa / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 21/04/2018 - 11:45

IV Domingo da Pascoa

João 10, 11-18

Um bebê deixado pela mãe em um rio é acolhido por uma mulher de outra nação, língua, religião e cultura diferentes daquelas do povo do qual pertencia o bebê. Ele cresce e ouve falar de um Deus do seu povo. Moisés passa a buscar sua Origem, sua Raiz, seu Princípio, seu Deus e do seu povo, pois como todo homem precisava de respostas e reações aos problemas e aos “por quês” que nos chegam simplesmente porque vamos vivendo. Um dia, mais cedo ou mais tarde, todo ser humano põe em questão o drama de Deus, a busca de um sentido maior, a própria origem e o próprio amanhã. Moisés escutou Deus lhe dizendo: “Eu sou o que sou” e quero meu povo livre do Faraó. Em Jesus temos a revelaçao plena: “Eu sou ... o bom pastor, dou a vida pelas ovelhas”, Eu sou Deus enquanto dou minha vida, pois minha vida é a vida das minhas ovelhas”.

Sangue só é sangue enquanto circula. Sangue parado coagula e apodrece, deixa de ser sangue, deixa de vitalizar. Deus é Deus enquanto ama, enquanto sai de si, enquanto é “pastor de ovelhas”, doa sua vida e vitaliza, livra da morte, da estagnação. Ora, se Deus é Aquele Ser que consiste em dar sua própria vida, então nós somos sua vida.

Se o pai viu o filho é porque o esperava e se esperava é porque não podia viver sem ele:  “... quando – o filho pródigo - ainda estava longe, seu pai o viu, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou;... ‘trazei a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés,  e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos ..’.” (Lc 15, 11ss). Assim como a vida, a satisfação, a alegria, a felicidade da noiva é o noivo, a do pai é o filho, a do Bom Pastor – nosso Deus – são suas ovelhas.

Acreditamos que o Evangelho deste domingo queira no endereçar a um lugar, nos colocar em um espaço, em nos introduzir num regaço: a verdade de que somos a vida de Deus por pura vontade d´Aquele que nos criou. Verdade tremenda e não tanta considerada!

Eu sou o bom, o verdadeiro, o belo e autêntico pastor. O bom e verdadeiro pastor expõe a sua vidapelas ovelhas, é a favor das ovelhas, pois as ovelhas lhe estão ao coração e lhe são queridas, moram em seu coraçao. O verdadeiro pastor arrisca sua vida, esquecido de si, só pensa em salvar as ovelhas. Assim como um pastor de ovelhas só é pastor enquanto se importa mais com as ovelhas do que qualquer outra coisa e até sua vida, assim também Deus é Deus enquanto se inclina, doa a si mesmo para salvar-nos, para estar conosco.

As palavras de Jesus neste Evangelho quer provocar uma reação em nós: a reação de alguém que descobre que outra pessoa arriscou a própria honra, estima, vida, por ele. Às vezes me pergunto quais sentimentos perpassam a alma da senhora Gianna Emanuela, hoje com 56 anos, quando se lembra de sua mãe. Uns dias antes de sua mãe lhe dar à luz, os médicos disseram para a mãe: “Você deve fazer a escolha de salvar sua vida ou a do bebe, pois temos complicações sérias”. A mãe combinou com o marido que não hesitariam: escolheriam o bebe. De fato, ela, a mãe, veio a falecer 7 dias após o nascimento de Gianna Emanuela acontecido em Monza, no dia 21 de abril de 1962. Então...desde criancinha Gianna Emanuela sabe e sente-se (a partir daquele dia no qual a mãe decidiu pela vida da bebe) como a “coisa” mais querida da mãe dela, como sendo “a vida da mamãe” . Gianna Emanuela vive de gratidão, vive de ter sido amada e acolhida por um preço alto, o preço da vida da mãe dela. Ela não vive de si e nem a partir de si, mas vive de pura recepção: a recepção do amor materno. Santa Gianna Beretta, mãe de Gianna Emanuela, nos deixa, com a própria vida, um exemplo do Bom Pastor.

- “O mercenário, porém, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, quando vê que o lobo vem vindo, abandona as ovelhas e foge; o lobo rouba e dispersa as ovelhas. O mercenário foge porque é mercenário e não se importa com as ovelhas” (vv. 12-13).

Mercenários são os falsos líderes religiosos, falsos professores, educadores, políticos, pais, etc. Relações mercenárias acontecem quando alguem se aproxima de fulano só para.... ; só se...  ; só enquanto puder.....   e então o outro é deixado “pra lá”, depois de ter sido desfrutado. Relaçoes mercenárias são relações de manipulações, de interesses próprios em vista de tirar vantagens, quando o outro não vale, não é olhado, considerado, atendido, escutado por ele mesmo.

Avaliemos nossas relações!   Eu posso estar com o outro como um lobo ou mercenário. Neste caso, o império do meu eu anula o outro. O outro não tem espaço em mim, não tem importância, não tem dor, não tem o que falar, dizer, expressar, compartilhar. O outro não tem face, nada sonha, nada aspira. Jamais me torno escuta de sua história de vida. Simplesmente existe “eu e meus apetites”. O mundo, a realidade, acaba onde acabam os meus próprios interesses. O lobo ou mercenário jamais saberá o significado de ser filho e de ter imãos, pois baniu de si a gratidão ao Pai e o vínculo amoroso aos demais.

- Que a ovelha aprenda a ser ovelha do bom pastor. Para não cair nas mãos do mercenário ou do lobo, o bom pastor educa a ovelha. Chama pelo nome próprio e assim a ovelha descobre ser importante e não um mero objeto: “Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem a mim” (v. 14). “MARIA”, disse Jesus a Maria Madalena. Chamada pelo nome, ela despertou e reconheceu o Ressuscitado chamando-o de “Raboni”. Como é bom ser reconhecido pelo nome: assim o Bom Pastor nos conhece. O Senhor não nos trata como número, como um a mais da multidão, mas nos conhece um por um. O Bom Pastor conhece suas ovelhas e estas conhecem a ele: quanta familiaridade, intimidade, confidência, acolhida, afeto. O Bom pastor ama as ovelhas e é por isso que as conhcece. Conhecer e ser conhecido, reconhecer e ser reconhecido, é vida, é viver: o Bom Pastor vive disso.

- “.. como meu Pai me conhece e eu conheço o Pai. Dou a minha vida pelas minhas ovelhas” (v. 15). O Evangelho de São João atesta que Jesus reparte conosco seu conhecimento, sua união com o Pai. Acreditamos que Nosso Senhor quis que herdássemos completamente “Aquilo” que há entre o Pai e o Filho, isto é, o Espírito Santo, o Amor que torna real e efetivo o “dar a vida”: “Dou a minha vida pelas minhas ovelhas”. Desta maneira somos deificados, herdamos a condiçao de filhos que conhecem e amam a vontade do Pai e tambem o mistério do Pai: viver é encontar a vida. De fato, a vida do Bom Pastor é dar a vida pelas ovelhas. Lembro de frei Antonio. Lembro que dizia viver porque vivia pelos jovens. Um dia morreu salvando jovens que se afogavam: depois de retirar dois jovens do fundo do mar seu coração não resistiu.

- “Dou a minha vida pelas minhas ovelhas” parece refrão de um hino triunfal. O triunfo seria este dar a vida, como um orgulho saudável, tipo: “Eu consegui, eu cheguei lá, fui capaz de superar todo e qualquer egoísmo, não fui mesquinho nem tacanho com a vida, amei e fui amado”. É parte de um canto de glória: expondo sua vida, dispondo-a, fazendo-se nosso servidor Ele reina, vive e é glorioso, é Filho, é Salvador. O máximo de uma vida é ser “bom pastor”: “... em verdade vos digo que Ele se cingirá, os fará sentar à mesa, e, chegando-se, os servirá” (Lc 12, 37). 

- “Dou a minha vida pelas minhas ovelhas”. Ora, se recebemos a vida d´Ele, as “vísceras”, a paixão, recebemos a vitalidade, o respiro, o hálito, o sopro vital que nos faz filhos e conhecedores da vontade do Pai. E não esqueçamos que a vontade do Pai é empenho para que a vida tiunfe sobre a morte, que o amor vença todo desamor: que cada um encontre sua vida encontrando os preferidos do Senhor, os que precisam ter seus pés lavados.

- Infelizmente há ovelhas que preferem o lobo, o mercenário. São chantageadas pela preguiça, pela ignorância, pela ingenuidade, pelo medo e pela culpa. Pela preguiça enquanto se entregam ao mercenário que promete “mundos e fundos” e a solução de todos os problemas sentimentais, financeiros e de saúde. Pela ignorância e ingenuidade enquanto acham que não existem lobos e mercenários no mundo e que todas as pessoas são boas. Pelo medo e culpa enquanto o mercenário ameaça com castigos e punições.

Façamos violência a nós mesmos e mudemos de rota, deixemos os mercenários, escutemos: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz ... elas me seguem.  Eu lhes dou vida eterna ... ninguém as poderá arrancar da minha mão” (Jo 10, 27-28).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.