Homilia do IV Domingo da Páscoa / Frei João Santiago
IV Domingo da Pascoa
João 10, 11-18
Um bebê deixado pela mãe em um rio é acolhido por uma mulher de outra nação, língua, religião e cultura diferentes daquelas do povo do qual pertencia o bebê. Ele cresce e ouve falar de um Deus do seu povo. Moisés passa a buscar sua Origem, sua Raiz, seu Princípio, seu Deus e do seu povo, pois como todo homem precisava de respostas e reações aos problemas e aos “por quês” que nos chegam simplesmente porque vamos vivendo. Um dia, mais cedo ou mais tarde, todo ser humano põe em questão o drama de Deus, a busca de um sentido maior, a própria origem e o próprio amanhã. Moisés escutou Deus lhe dizendo: “Eu sou o que sou” e quero meu povo livre do Faraó. Em Jesus temos a revelaçao plena: “Eu sou ... o bom pastor, dou a vida pelas ovelhas”, Eu sou Deus enquanto dou minha vida, pois minha vida é a vida das minhas ovelhas”.
Sangue só é sangue enquanto circula. Sangue parado coagula e apodrece, deixa de ser sangue, deixa de vitalizar. Deus é Deus enquanto ama, enquanto sai de si, enquanto é “pastor de ovelhas”, doa sua vida e vitaliza, livra da morte, da estagnação. Ora, se Deus é Aquele Ser que consiste em dar sua própria vida, então nós somos sua vida.
Se o pai viu o filho é porque o esperava e se esperava é porque não podia viver sem ele: “... quando – o filho pródigo - ainda estava longe, seu pai o viu, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou;... ‘trazei a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés, e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos ..’.” (Lc 15, 11ss). Assim como a vida, a satisfação, a alegria, a felicidade da noiva é o noivo, a do pai é o filho, a do Bom Pastor – nosso Deus – são suas ovelhas.
Acreditamos que o Evangelho deste domingo queira no endereçar a um lugar, nos colocar em um espaço, em nos introduzir num regaço: a verdade de que somos a vida de Deus por pura vontade d´Aquele que nos criou. Verdade tremenda e não tanta considerada!
Eu sou o bom, o verdadeiro, o belo e autêntico pastor. O bom e verdadeiro pastor expõe a sua vidapelas ovelhas, é a favor das ovelhas, pois as ovelhas lhe estão ao coração e lhe são queridas, moram em seu coraçao. O verdadeiro pastor arrisca sua vida, esquecido de si, só pensa em salvar as ovelhas. Assim como um pastor de ovelhas só é pastor enquanto se importa mais com as ovelhas do que qualquer outra coisa e até sua vida, assim também Deus é Deus enquanto se inclina, doa a si mesmo para salvar-nos, para estar conosco.
As palavras de Jesus neste Evangelho quer provocar uma reação em nós: a reação de alguém que descobre que outra pessoa arriscou a própria honra, estima, vida, por ele. Às vezes me pergunto quais sentimentos perpassam a alma da senhora Gianna Emanuela, hoje com 56 anos, quando se lembra de sua mãe. Uns dias antes de sua mãe lhe dar à luz, os médicos disseram para a mãe: “Você deve fazer a escolha de salvar sua vida ou a do bebe, pois temos complicações sérias”. A mãe combinou com o marido que não hesitariam: escolheriam o bebe. De fato, ela, a mãe, veio a falecer 7 dias após o nascimento de Gianna Emanuela acontecido em Monza, no dia 21 de abril de 1962. Então...desde criancinha Gianna Emanuela sabe e sente-se (a partir daquele dia no qual a mãe decidiu pela vida da bebe) como a “coisa” mais querida da mãe dela, como sendo “a vida da mamãe” . Gianna Emanuela vive de gratidão, vive de ter sido amada e acolhida por um preço alto, o preço da vida da mãe dela. Ela não vive de si e nem a partir de si, mas vive de pura recepção: a recepção do amor materno. Santa Gianna Beretta, mãe de Gianna Emanuela, nos deixa, com a própria vida, um exemplo do Bom Pastor.
- “O mercenário, porém, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, quando vê que o lobo vem vindo, abandona as ovelhas e foge; o lobo rouba e dispersa as ovelhas. O mercenário foge porque é mercenário e não se importa com as ovelhas” (vv. 12-13).
Mercenários são os falsos líderes religiosos, falsos professores, educadores, políticos, pais, etc. Relações mercenárias acontecem quando alguem se aproxima de fulano só para.... ; só se... ; só enquanto puder..... e então o outro é deixado “pra lá”, depois de ter sido desfrutado. Relaçoes mercenárias são relações de manipulações, de interesses próprios em vista de tirar vantagens, quando o outro não vale, não é olhado, considerado, atendido, escutado por ele mesmo.
Avaliemos nossas relações! Eu posso estar com o outro como um lobo ou mercenário. Neste caso, o império do meu eu anula o outro. O outro não tem espaço em mim, não tem importância, não tem dor, não tem o que falar, dizer, expressar, compartilhar. O outro não tem face, nada sonha, nada aspira. Jamais me torno escuta de sua história de vida. Simplesmente existe “eu e meus apetites”. O mundo, a realidade, acaba onde acabam os meus próprios interesses. O lobo ou mercenário jamais saberá o significado de ser filho e de ter imãos, pois baniu de si a gratidão ao Pai e o vínculo amoroso aos demais.
- Que a ovelha aprenda a ser ovelha do bom pastor. Para não cair nas mãos do mercenário ou do lobo, o bom pastor educa a ovelha. Chama pelo nome próprio e assim a ovelha descobre ser importante e não um mero objeto: “Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem a mim” (v. 14). “MARIA”, disse Jesus a Maria Madalena. Chamada pelo nome, ela despertou e reconheceu o Ressuscitado chamando-o de “Raboni”. Como é bom ser reconhecido pelo nome: assim o Bom Pastor nos conhece. O Senhor não nos trata como número, como um a mais da multidão, mas nos conhece um por um. O Bom Pastor conhece suas ovelhas e estas conhecem a ele: quanta familiaridade, intimidade, confidência, acolhida, afeto. O Bom pastor ama as ovelhas e é por isso que as conhcece. Conhecer e ser conhecido, reconhecer e ser reconhecido, é vida, é viver: o Bom Pastor vive disso.
- “.. como meu Pai me conhece e eu conheço o Pai. Dou a minha vida pelas minhas ovelhas” (v. 15). O Evangelho de São João atesta que Jesus reparte conosco seu conhecimento, sua união com o Pai. Acreditamos que Nosso Senhor quis que herdássemos completamente “Aquilo” que há entre o Pai e o Filho, isto é, o Espírito Santo, o Amor que torna real e efetivo o “dar a vida”: “Dou a minha vida pelas minhas ovelhas”. Desta maneira somos deificados, herdamos a condiçao de filhos que conhecem e amam a vontade do Pai e tambem o mistério do Pai: viver é encontar a vida. De fato, a vida do Bom Pastor é dar a vida pelas ovelhas. Lembro de frei Antonio. Lembro que dizia viver porque vivia pelos jovens. Um dia morreu salvando jovens que se afogavam: depois de retirar dois jovens do fundo do mar seu coração não resistiu.
- “Dou a minha vida pelas minhas ovelhas” parece refrão de um hino triunfal. O triunfo seria este dar a vida, como um orgulho saudável, tipo: “Eu consegui, eu cheguei lá, fui capaz de superar todo e qualquer egoísmo, não fui mesquinho nem tacanho com a vida, amei e fui amado”. É parte de um canto de glória: expondo sua vida, dispondo-a, fazendo-se nosso servidor Ele reina, vive e é glorioso, é Filho, é Salvador. O máximo de uma vida é ser “bom pastor”: “... em verdade vos digo que Ele se cingirá, os fará sentar à mesa, e, chegando-se, os servirá” (Lc 12, 37).
- “Dou a minha vida pelas minhas ovelhas”. Ora, se recebemos a vida d´Ele, as “vísceras”, a paixão, recebemos a vitalidade, o respiro, o hálito, o sopro vital que nos faz filhos e conhecedores da vontade do Pai. E não esqueçamos que a vontade do Pai é empenho para que a vida tiunfe sobre a morte, que o amor vença todo desamor: que cada um encontre sua vida encontrando os preferidos do Senhor, os que precisam ter seus pés lavados.
- Infelizmente há ovelhas que preferem o lobo, o mercenário. São chantageadas pela preguiça, pela ignorância, pela ingenuidade, pelo medo e pela culpa. Pela preguiça enquanto se entregam ao mercenário que promete “mundos e fundos” e a solução de todos os problemas sentimentais, financeiros e de saúde. Pela ignorância e ingenuidade enquanto acham que não existem lobos e mercenários no mundo e que todas as pessoas são boas. Pelo medo e culpa enquanto o mercenário ameaça com castigos e punições.
Façamos violência a nós mesmos e mudemos de rota, deixemos os mercenários, escutemos: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz ... elas me seguem. Eu lhes dou vida eterna ... ninguém as poderá arrancar da minha mão” (Jo 10, 27-28).