Homilia do IV Domingo da Quaresma / Frei João Santiago
IV Domingo da Quarema
(Lucas 15, 1-3.15-31)
Imaginemos Jesus sentado escutando as pessoas com suas questões, questões da vida, dificuldades familiares e amorosas, problemas com a justiça, com o trabalho, com dívidas e também com amigos e inimigos, sentimento de derrota, de traição, de rancor, inveja, ciúmes.... E escutando questões sobre a vida e sobre a morte, sobre o sentido do viver e das práticas religiosas, sobre o pecado e a virtude, etc. E, quem sabe, escutando palavras de maravilhas, de gratidão pela vida, pelos amigos, etc.
Em certo mosteiro na Rússia há um costume muito interessante. Uma vez por mês os monges se reúnem e cada um por vez vai até ao “ancião”. O “ancião” é também um monge. Este “ancião” tem uma função: escutar e nada dizer, só escutar. Assim, cada monge vai e narra sua vida, suas dificuldades, seus pecados, seu sofrimento, sua dificuldade de fidelidade aos votos feitos, ou ainda, seu louvor, sua alegria de ser consagrado a Deus. E o “ancião” só escuta, nada fala, não comenta, não pergunta. O “ancião” representa Deus enquanto acolhe a cada ser humano com suas misérias e suas conquistas. O “ancião” não julga, pois representa o amor incondicional de Deus: cada pessoa é acolhida com sua história de vida e com seus dilemas.
Em certos ambientes católicos Jesus é chamado o “médico”. O médico, à diferença do juiz, escuta e tenta curar. Diante do médico o paciente conta a verdade e não espera julgamento, mas espera dicas para superar o sofrimento e a enfermidade, espera a indicação de um medicamento.
Diante do que foi dito, entendemos o porquê certas pessoas se aproximavam de Jesus, entendemos o Evangelho de hoje: “Aproximavam-se de Jesus os publicanos e os pecadores para ouvi-lo. Os fariseus e os escribas murmuravam: ‘Este homem recebe e come com pessoas de má vida!’”.
- Jesus comia com os pecadores. Por vezes, temos sentimentos justiceiros perante o injusto, o agressor, os que aprontam. Quase sempre temos tais sentimentos porque julgamos que o estado de pecador seja de alegria e de felicidade. Mas não! Jesus fala da Geena, lugar de dor destinado aos pecadores. Diante disso entendemos o porquê Nosso Senhor sentava-se à mesa com os pecadores: para que ninguém se perdesse.
O Evangelho de hoje nos apresenta a parábola do filho pródigo. O filho mais moço, mais novo, vai com sua herança para uma terra distante. Depois de perder tudo, passa fome. Arrependido, volta. “Estava ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou”. Depois o pai fez-lhe uma festa.
Com nossa liberdade podemos ferir e também nos perder. O filho, ao pedir a herança ainda quando o pai estava vivo, estava dizendo, em outras palavras, que seu pai a ele não valia muito, não era importante, como que dizendo: "Tu estás morto para mim. Eu não tenho mais nada a ver contigo. Para mim não existes mais!”. O filho foi infiel, mas Deus não pode negar a si mesmo, ele é fiel. Quando o filho foi desprezado por todos, voltou àquele que tinha certeza que o aceitaria. O filho estava no coração do pai. Jesus, ao narrar tal parábola, queria deixar essa mensagem: estamos todos no coração do Pai, e Ele não se sossega enquanto não nos abraçar.
- Não esqueçamos: o filho mais novo se deixou encontrar, se deixou abraçar, se permitiu ser beijado pelo pai, acatou a festa que o pai lhe fez, terminou por se achar digno do anel, sandálias e vestes novas. Acatar, aceitar ser cuidado, curado, não é fácil. Por vezes somos cheios demais de nós mesmos, nos aprisionamos em nosso próprio sofrimento e pecado, numa vida medíocre. Por isso Jesus disse: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino”; “Só entra no Céu quem for como as crianças”. Jesus senta e nos escuta e cabe a nós fazer um caminho com Ele, permitindo-se ser encontrado.
- Por quais terras temos andado enquanto o Pai nos espera?
- Para que serve o Pai? Só para usufruto (Peço a Deus isso e aquilo) ou também para eu ser filho dEle?
Na parábola aparece o tema da festa? Que Deus é esse revelado por Jesus? Um Deus que faz festa para cada um de nós e que nos serve? Que significa isso?
Regressando ao pai, o filho recebe a veste festiva: não será mais uma pessoa qualquer, estará em evidência (Era uma pessoa anônima enquanto levava aquela vida dissoluta). Recebe também o “anel”: carregará responsabilidades, poderes, não poderá mais fugir dos compromissos. Sandálias novas, sandálias de um homem livre, não mais escravo ou amarrado por vínculos nefastos. Com veste, anel e sandálias, este filho é chamado a dar conta da vida, a fazer valer o motivo pelo qual foi criado! Dá medo? Não será por isso que terá ele fugido ao pai e levado uma vida devassa? Encontrar o Pai é se tornar filho, e ser filho do Pai é arcar com a vida e suas exigências, é afrontar o peso da realidade, é um chamado a se tornar, por sua vez, também um “Pai”. O Pai nos faz nascer e crescer. Crescer para ser também um “Pai”. Tememos ser “Pai”! Ser “Pai” significa gerar e “sumir” para que outro apareça, o filho. Somos convidados, portanto, a viver para sempre “ancorados” no Pai. “Ancorados” no Pai Eterno seremos, por nossa vez, pais, levaremos uma vida que cria, gera, produz. Ser pai não é fácil, é preciso ter aprendido a ser filho – experimentar nas veias a vida vindo de outro. Ser pai não é fácil, é preciso passar a vida para o filho – experimentar o sacrifício da própria vida em vista do filho, e seguir adiante, seguir para a casa do Pai Eterno.