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Homilia do IV Domingo do Advento / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 22/12/2018 - 18:25

IV Domingo do Advento (Lucas 1, 39-45)

O apetite não produz nada, mas pode acolher todo alimento.

A liturgia da Palavra nos apresenta duas mulheres: Isabel e Maria. Isabel, idosa, com marido idoso, de pouca conta diante do marido sacerdote. Maria, jovenzinha de um lugarejo não afamado, ainda prometida em casamento. E naquela pobre casa, entre aquelas duas mulheres e seus dois filhos; e naquele escondimento, enquanto no mundo os homens se degladiam, acontece a celebração de um mundo novo que surge, pois está sendo gerado o Príncipe da Paz, o Príncipe que traz tranquilidade, reconciliação, perdão, bem-estar, abundância de vida, alegria de viver, numa palavra, felicidade plena.

Pairava no ar uma promessa, havia uma expectativa no meio do povo: “Eis o que diz o Senhor: ‘De ti, Belém-Efratá, pequena entre as cidades de Judá,  de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel..... Ele será a paz’” (Miq 5, 1-4).

Importa que façamos nossa a promessa de Deus. Quando isso acontece, passamos a ter desejo, fome, sede e novas expectativas, e saímos de nosso quarto escuro ou de nossa miopia mental que não nos deixa ver nada além de nossas preocupações, ansiedades, pensamentos repetitivos e temores.

Todos nós fazemos experiência do perigo de desejar e esperar somente possuir objetos, poder de compra, pessoas, coisas, juventude e situações. O verdadeiro desejo humano, no entanto e em verdade, nos abre para outras expectativas e, acima de tudo, para o desejo do “grande Outro”. Qual o desejo e vontade do “grande Outro” para comigo? Deparando-se com essa pergunta, eu me abro para um novo horizonte, enveredo-me em um novo caminho e para uma grande “aventura”: “Então o Senhor disse a Abrão: ‘Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei’ ... Partiu Abrão, como lhe ordenara o Senhor” (Gn 12, 1-4). O verdadeiro desejo humano, portanto, termina sendo um “querer” responder a alguém que lançou sobre mim o seu desejo, sua vontade. O desejo humano sempre será uma resposta ao “grande Outro”, pois trata-se de entrar em diálogo com alguém que é maior do que eu, que me chama e me lança para uma “aventura” humano-divina: “O Senhor conduziu Abrão para fora da tenda e orientou-o: ‘Olha para os céus e conta as estrelas, se é que o podes’. E prometeu: ‘Será assim a tua posteridade!’ Abrão creu no Senhor (passou a desejar a promessa que o Senhor lhe fez), e isso lhe foi creditado como justiça” (Gn 15, 5-6). O Senhor Deus é o grande atiçador de desejos, pois convocando Abrão a contemplar as incontáveis estrelas, atiça em Abrão algo que ele não poderia desejar, sonhar e esperar sozinho. Abrão responde (“Abrão creu”), passa a viver desejando, respondendo, em “aliança”, em pacto, com o Senhor. Abrão responde, não suspende a resposta, não deixa para depois, não põe entre parênteses a “questão”, não faz de conta que não escutou: isso é importante.

Então... Havia uma promessa: “Eis o que diz o Senhor: ‘De ti, Belém-Efratá, pequena entre as cidades de Judá, de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel..... Ele será a paz’” (Miq 5, 1-4). Maria, a mãe de Jesus, cheia de desejo do desejo e das promessas de Deus, acolhe tal promessa, o prometido é gerado no seu ventre e ela corre para isso anunciar: "Naqueles dias, Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel” (vv. 39-40).

- “Naqueles dias, Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel”(vv. 39-40)Com Maria, e não sem ela, o Filho de Deus vai visitar o seu povo que o espera. O Senhor, respeitando a liberdade dos homens, vem nos visitar quando abrimos a nossa porta para o seu acolhimento. Que nossas famílias e comunidades cristãs digam “sim”, abram as portas ao Salvador. Com Maria, e não sem ela, com o nosso “sim”, e não sem ele, o Filho de Deus vem nos visitar.

- “Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (v. 41). Naquela criança que estremece de alegria no seio de sua mãe, temos o povo de Deus que reconhece o seu Senhor através da “voz e das palavras” de Maria; temos o povo de Deus que como criança exulta de alegria por ver chegar o “presente” tão desejado. Coincidência perfeita entre o que o povo fiel espera e aquilo que se apresenta. Na verdade, Deus e o homem são “parentes” (“Imagem e semelhança”), e quando o homem é fiel a si mesmo sempre terá prazer (“estremeceu de alegria”) de encontrar o Senhor Deus. Isabel encontra Maria, João Batista encontra Jesus: a humanidade é chamada a encontrar e reconhecer Jesus como o Messias, como o esperado de todos os sinceros corações. Caso isso não ocorra no tempo, acontecerá no fim dos tempos: o “abraço” entre Deus e toda pessoa de boa vontade.

- “.... Isabel ficou cheia do Espírito Santo”, ficou cheia da vida de Deus porque reconheceu o Filho de Deus chegando na “Arca da aliança”, presente no ventre de Maria. Quando a pessoa espera Deus, o sentido maior da vida, e quando esse sentido maior da vida se apresenta, só pode acontecer aquilo que aconteceu com Isabel: a pessoa se vê apoderada pela realidade pessoal do Espírito maior, do Espírito Santo, e nele repousa.

- “E exclamou em alta voz: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre’” (v.42). Ao contrário de Eva que escutou a “serpente”, Maria é reconhecida por Isabel como a mulher perfeita (“bendita”), a humanidade perfeita que vence o inimigo, pois escutou a Palavra e disse “sim” (“Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim a tua vontade” (v.38).

É bendita também porque carrega consigo a benção para a humanidade. Maria traz em seu ventre um “fruto” que é fruto do céu e da terra. Do céu porque é filho do Altíssimo; da terra porque é filho de Maria, do “sim” de Maria à Palavra. O Filho, fruto do amor entre Maria e o Altíssimo, é o dom maior, a máxima benção de Deus para toda humanidade, pois é Deus mesmo habitando entre nós (“Emmanuel”).

- “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?” (v. 43). Maria é a nova Arca da aliança. Assim como a Arca ficava no santuário, no santo dos santos, assim podemos dizer que Maria, a cheia de graça, vivia respirando o “Santo dos santos”. Na antiga Arca havia a presença de Deus no rolo de pergaminhos com os dez mandamentos. Dez mandamentos esperando de ser ouvidos para serem praticados e se tornarem carne, vida e presença viva. Em Maria temos a nova Arca, pois nela a Palavra é escutada, se torna carne. Maria se torna a mãe do Senhor, é capaz de gerar a Palavra. Na história da salvação, o Senhor Deus sempre visitou o seu povo através de homens e mulheres que escutaram, deram carne, praticaram a Palavra. O nosso Deus tem em boa consideração os homens: o ser humano lhe é simpático e por isso sempre o visita a fim de se tornar “Emmanuel” (Deus conosco).

Cabe a nós que escutamos a Palavra também concretizá-la no dia-a-dia, encarnar a Palavra em palavras, gestos e atitudes. Que nos tornemos também “arcas” de Deus, portadores do Espírito Santo: “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1Cor 6, 19).

- “Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio” (v. 44). Alegrou-se porque encontrou o seu Senhor. O contentamento é a assinatura de Deus em sua obra, é a marca que garante a presença do Deus verdadeiro. Alegria, contentamento, é plenitude do amor e o palpitar da vida. A natureza humana é assim mesma: espera sempre que um dia encontre o seu descanso, o seu Senhor, o seu redentor.

- “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!” (v. 45). Maria é mãe de Deus e beata porque acreditou na sua Palavra, desejou o desejo de Deus, aceitou a sua proposta. Em outras palavras, podemos imaginar Isabel dizendo: “És feliz, afortunada, felizarda, venturosa, porque tiveste confiança em Deus e em seu amor”. Maria, aderindo ao desejo de Deus para com ela, terminou por conceber em seu corpo, em sua vida, o Filho de Deus. Não nos enganemos, quando cremos, quando desejamos o desejo de Deus, algo novo desponta e acontece em nossas vidas (“... se hão de cumprir coisas....”).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.