Homilia do IV Domingo do Advento / Frei João Santiago
IV Domingo do Advento (Lucas 1, 39-45)
O apetite não produz nada, mas pode acolher todo alimento.
A liturgia da Palavra nos apresenta duas mulheres: Isabel e Maria. Isabel, idosa, com marido idoso, de pouca conta diante do marido sacerdote. Maria, jovenzinha de um lugarejo não afamado, ainda prometida em casamento. E naquela pobre casa, entre aquelas duas mulheres e seus dois filhos; e naquele escondimento, enquanto no mundo os homens se degladiam, acontece a celebração de um mundo novo que surge, pois está sendo gerado o Príncipe da Paz, o Príncipe que traz tranquilidade, reconciliação, perdão, bem-estar, abundância de vida, alegria de viver, numa palavra, felicidade plena.
Pairava no ar uma promessa, havia uma expectativa no meio do povo: “Eis o que diz o Senhor: ‘De ti, Belém-Efratá, pequena entre as cidades de Judá, de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel..... Ele será a paz’” (Miq 5, 1-4).
Importa que façamos nossa a promessa de Deus. Quando isso acontece, passamos a ter desejo, fome, sede e novas expectativas, e saímos de nosso quarto escuro ou de nossa miopia mental que não nos deixa ver nada além de nossas preocupações, ansiedades, pensamentos repetitivos e temores.
Todos nós fazemos experiência do perigo de desejar e esperar somente possuir objetos, poder de compra, pessoas, coisas, juventude e situações. O verdadeiro desejo humano, no entanto e em verdade, nos abre para outras expectativas e, acima de tudo, para o desejo do “grande Outro”. Qual o desejo e vontade do “grande Outro” para comigo? Deparando-se com essa pergunta, eu me abro para um novo horizonte, enveredo-me em um novo caminho e para uma grande “aventura”: “Então o Senhor disse a Abrão: ‘Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei’ ... Partiu Abrão, como lhe ordenara o Senhor” (Gn 12, 1-4). O verdadeiro desejo humano, portanto, termina sendo um “querer” responder a alguém que lançou sobre mim o seu desejo, sua vontade. O desejo humano sempre será uma resposta ao “grande Outro”, pois trata-se de entrar em diálogo com alguém que é maior do que eu, que me chama e me lança para uma “aventura” humano-divina: “O Senhor conduziu Abrão para fora da tenda e orientou-o: ‘Olha para os céus e conta as estrelas, se é que o podes’. E prometeu: ‘Será assim a tua posteridade!’ Abrão creu no Senhor (passou a desejar a promessa que o Senhor lhe fez), e isso lhe foi creditado como justiça” (Gn 15, 5-6). O Senhor Deus é o grande atiçador de desejos, pois convocando Abrão a contemplar as incontáveis estrelas, atiça em Abrão algo que ele não poderia desejar, sonhar e esperar sozinho. Abrão responde (“Abrão creu”), passa a viver desejando, respondendo, em “aliança”, em pacto, com o Senhor. Abrão responde, não suspende a resposta, não deixa para depois, não põe entre parênteses a “questão”, não faz de conta que não escutou: isso é importante.
Então... Havia uma promessa: “Eis o que diz o Senhor: ‘De ti, Belém-Efratá, pequena entre as cidades de Judá, de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel..... Ele será a paz’” (Miq 5, 1-4). Maria, a mãe de Jesus, cheia de desejo do desejo e das promessas de Deus, acolhe tal promessa, o prometido é gerado no seu ventre e ela corre para isso anunciar: "Naqueles dias, Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel” (vv. 39-40).
- “Naqueles dias, Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel”(vv. 39-40). Com Maria, e não sem ela, o Filho de Deus vai visitar o seu povo que o espera. O Senhor, respeitando a liberdade dos homens, vem nos visitar quando abrimos a nossa porta para o seu acolhimento. Que nossas famílias e comunidades cristãs digam “sim”, abram as portas ao Salvador. Com Maria, e não sem ela, com o nosso “sim”, e não sem ele, o Filho de Deus vem nos visitar.
- “Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (v. 41). Naquela criança que estremece de alegria no seio de sua mãe, temos o povo de Deus que reconhece o seu Senhor através da “voz e das palavras” de Maria; temos o povo de Deus que como criança exulta de alegria por ver chegar o “presente” tão desejado. Coincidência perfeita entre o que o povo fiel espera e aquilo que se apresenta. Na verdade, Deus e o homem são “parentes” (“Imagem e semelhança”), e quando o homem é fiel a si mesmo sempre terá prazer (“estremeceu de alegria”) de encontrar o Senhor Deus. Isabel encontra Maria, João Batista encontra Jesus: a humanidade é chamada a encontrar e reconhecer Jesus como o Messias, como o esperado de todos os sinceros corações. Caso isso não ocorra no tempo, acontecerá no fim dos tempos: o “abraço” entre Deus e toda pessoa de boa vontade.
- “.... Isabel ficou cheia do Espírito Santo”, ficou cheia da vida de Deus porque reconheceu o Filho de Deus chegando na “Arca da aliança”, presente no ventre de Maria. Quando a pessoa espera Deus, o sentido maior da vida, e quando esse sentido maior da vida se apresenta, só pode acontecer aquilo que aconteceu com Isabel: a pessoa se vê apoderada pela realidade pessoal do Espírito maior, do Espírito Santo, e nele repousa.
- “E exclamou em alta voz: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre’” (v.42). Ao contrário de Eva que escutou a “serpente”, Maria é reconhecida por Isabel como a mulher perfeita (“bendita”), a humanidade perfeita que vence o inimigo, pois escutou a Palavra e disse “sim” (“Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim a tua vontade” (v.38).
É bendita também porque carrega consigo a benção para a humanidade. Maria traz em seu ventre um “fruto” que é fruto do céu e da terra. Do céu porque é filho do Altíssimo; da terra porque é filho de Maria, do “sim” de Maria à Palavra. O Filho, fruto do amor entre Maria e o Altíssimo, é o dom maior, a máxima benção de Deus para toda humanidade, pois é Deus mesmo habitando entre nós (“Emmanuel”).
- “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?” (v. 43). Maria é a nova Arca da aliança. Assim como a Arca ficava no santuário, no santo dos santos, assim podemos dizer que Maria, a cheia de graça, vivia respirando o “Santo dos santos”. Na antiga Arca havia a presença de Deus no rolo de pergaminhos com os dez mandamentos. Dez mandamentos esperando de ser ouvidos para serem praticados e se tornarem carne, vida e presença viva. Em Maria temos a nova Arca, pois nela a Palavra é escutada, se torna carne. Maria se torna a mãe do Senhor, é capaz de gerar a Palavra. Na história da salvação, o Senhor Deus sempre visitou o seu povo através de homens e mulheres que escutaram, deram carne, praticaram a Palavra. O nosso Deus tem em boa consideração os homens: o ser humano lhe é simpático e por isso sempre o visita a fim de se tornar “Emmanuel” (Deus conosco).
Cabe a nós que escutamos a Palavra também concretizá-la no dia-a-dia, encarnar a Palavra em palavras, gestos e atitudes. Que nos tornemos também “arcas” de Deus, portadores do Espírito Santo: “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1Cor 6, 19).
- “Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio” (v. 44). Alegrou-se porque encontrou o seu Senhor. O contentamento é a assinatura de Deus em sua obra, é a marca que garante a presença do Deus verdadeiro. Alegria, contentamento, é plenitude do amor e o palpitar da vida. A natureza humana é assim mesma: espera sempre que um dia encontre o seu descanso, o seu Senhor, o seu redentor.
- “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!” (v. 45). Maria é mãe de Deus e beata porque acreditou na sua Palavra, desejou o desejo de Deus, aceitou a sua proposta. Em outras palavras, podemos imaginar Isabel dizendo: “És feliz, afortunada, felizarda, venturosa, porque tiveste confiança em Deus e em seu amor”. Maria, aderindo ao desejo de Deus para com ela, terminou por conceber em seu corpo, em sua vida, o Filho de Deus. Não nos enganemos, quando cremos, quando desejamos o desejo de Deus, algo novo desponta e acontece em nossas vidas (“... se hão de cumprir coisas....”).