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Homilia do Natal do Senhor / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 25/12/2018 - 08:38

Natal do Senhor. Missa da Noite do dia 25. Lucas 2, 1-14

 Quem nos domina?

Os recenseamentos eram realizados para o controle de taxas que todo chefe de família se via obrigado a pagar. Os recenseamentos mostravam o poder que os soberanos deste mundo detinham e de como cada “cidadão” se via obrigado a inclinar a cabeça diante dos poderosos deste mundo.

Javé também realizava os seus recenseamentos (cf. livro dos Números). Mas havia uma grande diferença. Quando Javé pedia para fazer o recenseamento usava uma expressão que significava: “Que cada um levante a cabeça, que não falte ninguém do meu povo. Levantem a cabeça, pois tendes dignidade e muito contais. Eu, Javé, estou preocupado com cada um de vós. Vós pertenceis a mim, tende a cabeça erguida e não deixais que vossa dignidade seja perdida”.

- César Augusto – no Evangelho de hoje - se pretende ser o dominador maior: quer recensear toda a terra. O Evangelho nos narra a vinda de um novo dominador. Qual deles se perpetuará, vencerá?

- Avaliemos, findando o ano de 2018, se por acaso estamos cabisbaixos e subjugados a algum poder e opressão mundanos, a algum tirano externo ou interno. Se por acaso faltarem, em nossa vida, alegria contagiante e liberdade interior, certamente estamos sob o domínio de algum “César Augusto”.

- O Evangelho de hoje apresenta alguns personagens na seguinte ordem: César Augusto, Quirino governador, José, Maria e Jesus. E nos convida a pensar numa revolução: o primeiro será o último e o último será o primeiro.

- Jesus, o primogênito. O filho primogênito era aquele destinado, reservado para realizar sobre si os desígnios de Deus.

“Eu também, desde meu nascimento, respirei o ar comum; eu caí, da mesma maneira que todos, sobre a mesma terra, e, como todos, nos mesmos prantos soltei o primeiro grito” (Sabedoria 7, 3.

- Foi dito aos pastores: “... achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura”. Em “faixas”, isto é, o Salvador nasceu como qualquer mortal. Quem trocaria sua imortalidade por se tornar um ser mortal? São Lucas no seu Evangelho quer que fiquemos “espantados” com tal declaração de amor. Sim! “Em faixas e numa manjedoura” é uma linguagem, é como dizer: “Estou tão perdido de amor por ti que deixei minha eternidade para ficar ao teu lado, ao lado de tua humanidade e mortalidade”.

- A encarnação do nosso Deus nos convida a refletir. É como se dissesse: “Usa tua cabeça e entendas o quanto te quero bem”.

- O Verbo de Deus, ao se fazer pessoa humana, declara que a “aventura” humana é tão interessante que interessou até a Ele (ao nosso Deus). Ser pessoa vale a pena! O que temos feito de nossa humanidade, dos anos de nossa vida que passam? Um belo quadro agradável e benfazejo ou apenas rabiscos de mau gosto?

“.... posto numa manjedoura” é uma referência a Isaías 1, 3 (“O boi conhece o seu possuidor, e o asno, o estábulo do seu dono; mas Israel não conhece nada, e meu povo não tem entendimento”). Que eu e você reconheçamos o nosso Deus ali na manjedoura; que tenhamos o entendimento de captar a sabedoria de Deus encarnada no “Menino Jesus”. Nele, no “Menino”, Deus é visto e se vê também o rosto de um homem verdadeiro e não um homem desfigurado (símbolo do reino da besta e de outras feras vorazes, agressivas, usurpadoras, devastadoras, etc.).

- Deus, a partir de agora, com o Menino Deus, será um dom de amor, se transformará em alimento, em pão, em partilha, em vida. Trata-se de assimilar tal sabedoria.

- Sabemos que uma profecia foi dada acerca do “Menino”: “Será causa de elevação e queda para muitos”. Diante do “Menino” temos que tomar uma decisão. Imaginemos o “Menino” nos dizendo: “Terás que decidir por mim ou não. Caso procures um Deus forte como os fortes deste mundo que esmagam a cabeça dos adversários, não sigas a mim, pois minha força é divina, é marcada pela confiança no bem, na verdade e prefiro morrer amando do que viver odiando. Não sou qualquer Deus. Não sou um déspota, sou pequeno: assim não me temerás, poderás aproximar-se de mim, alimentar-se de mim e fazer-te humano, tocar em frente tua vida.

-Os pastores representam toda e qualquer pessoa que não consegue estar “quites” com a lei (e pensemos hoje quantos não conseguem os sacramentos e não sabem a doutrina). Os pastores da época eram tidos como animalescos, bestiais, dados a mentiras, furtos e violências (e pensemos hoje nos “moradores” dos centros de carceragem e suas histórias de vida). Os pastores viviam nas trevas e temiam a luz, pois com a luz viria o Messias e os rabinos pregavam que Messias certamente os aniquilaria. Na ordem de importância social, os pastores vinham contados depois das prostitutas. São Lucas quer nos catequizar nesse sentido: o amor de Deus é incondicional. Nós condicionamos o amor de Deus de várias maneiras, mas Deus, não!

Que sabedoria é essa que se esconde e se revela no “Menino Deus” escandalosamente envolvido em faixas, de fraldas? O Verbo se fez mortal. O viver humano carrega consigo a capacidade de encontrar o sentido maior, a alegria maior, a vida maior. Celebrar o Natal é uma poderosa injeção de ânimo, pois é uma confiança inaudita no ser humano, na vida, pois, afinal, Deus quis ser homem, quis viver a vida passageira de cada um de nós. Olhemos para o Menino Deus, olhemos para a fragilidade da vida, do fugaz, do que passa... pois tudo isso foi encarnado pelo divino e, portanto, toda nossa cotidianidade, fugacidade está cheia de sentido, prenhe do divino.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.