Homilia do V Domingo da Páscoa - ano A - Frei João Santiago
V Domingo da Páscoa (João 14, 1-12)
A leitura evangélica que a Igreja faz neste Domingo do Senhor tem aquele “clima” de “testamento”, quando aquele que se despede expressa os sentimentos mais sinceros, as verdades mais importantes e também o carinho para com aqueles (as) que ama. Acolhamos, portanto, tais palavras com a disposição merecida.
Imaginemos a comunidade cristã “perturbada” (aterrorizada como um náufrago em meio a um mar agitado e cheio de tubarões) e temerosa por algo que possa acontecer. Na verdade, o drama maior não é o que possa acontecer simplesmente, mas se a comunidade estará à altura por afrontar o que venha acontecer. A vida sempre oferecerá desafios e acreditar no contrário não passa de ilusão (“No mundo tereis tribulações”, disse o Mestre). Como afrontar as adversidades de qualquer tipo? Nosso Senhor pede que contemos com Ele: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim”. Com tais palavras Jesus quer conforta os discípulos assegurando-lhes que sempre Ele se fará presente e que sua ausência biológica significa uma presença ainda mais forte, intensa e atuante, pois é Presença no Espírito Santo que anima nosso interior, que traz o Ressuscitado à nossa pessoa, passando-se a viver no Ressuscitado. Ressuscitado, o Senhor Jesus se torna não mais uma presença externa, mas o Senhor e Dominador da minha pessoa: “Não sou eu mais que vivo, mas é Cristo que vive em mim”.
Por vezes, “crer” não é tão difícil. Difícil é continuar crendo, perseverar na fé, pois as tribulações amedrontam e podem desanimar o discípulo. O “testamento” de Jesus que lemos neste domingo nos exorta a continuar a missão iniciada por Ele, pela sua vida, paixão, morte e ressurreição. A semente do bem já foi lançada na terra (Jesus ressuscitou) e tende a se tornar uma bela árvore verdejante e cheia de frutos cada vez que o Reino de Deus acontece entre nós e com cada um de nós. Por isso, não desista de você nem do bem: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim” (v. 1).
- “Na casa de meu Pai há muitas moradas. ... voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais” (vv. 2-3). Quem não se lembra do aconchego do lar? Não há temor, não há ânsia, o futuro não angustia, a morte não existe, pois papai e mamãe estão presentes.... Um lugar, uma morada, uma intimidade familiar, um “ambiente” de estadia no qual os homens e o próprio Senhor se regozijam, não se separam mais. E, assim, o Princípio de tudo, a Santíssima Trindade estará, não mais em templos, mas na pessoa de cada cristão. A comunidade cristã se torna expressão de Deus. E, assim, quem conhecerá a comunidade cristã dirá: “Aqui Deus está”.
“Muitas moradas”. Cada um de nós tem lugar nessa casa do Pai preparada pela paixão e ressurreição de Jesus. A casa do Pai é o próprio corpo de Jesus, sua pessoa, seu corpo místico, a Igreja, a vida comunitária. Nessa casa há diversidade, cada um oferece o seu talento, o seu dom, e, desta maneira, o cristão cresce em vida plena enquanto se faz oferta de si lavando os pés dos irmãos e irmãs. Dessa casa de muitas moradas se exala um perfume, o nardo puro, símbolo do amor reinante: a morte foi vencida, pois “Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele; Quem ama venceu a morte” (1Jo 4, 16; 3, 14).
- “E vós conheceis o caminho para ir aonde vou..... Eu sou o caminho, a verdade e a vida ... Disse-lhe Filipe: ‘Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta’. .... Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai” (vv. 4-12).
Mais cedo ou mais tarde todo ser humano fará perguntas tais como: “De onde viemos?”, “Para onde vamos?”, “Que sentido tem tudo isso?”, “Quem sou eu?” Tais perguntas traduzem aquele pedido de Filipe: “Mostra-nos o Pai”.
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. O discípulo Tomé quis saber sobre o “Caminho” da vida.... São João no Evangelho de hoje apresenta a fé cristã. O “Caminho” da vida passa por Jesus. Ele é a Estrada que nos dá acesso à casa do Pai. É uma Estrada de Verdade por percorrer, um percurso motivado pelo desejo de encontrar “verdade”, encontrar “vida”.
Meus irmãos e irmãs, temos muito por percorrer. Entendamos a vida cristã como passos a dar, como conversão, matando em nossa vida aquilo que não deixa viver a mulher nova, o homem novo. A vida de cristão não é algo estático. Uma coisa é ter um violão, outra coisa é fazer o violão emitir acordes, harmonias, sons. Uma coisa é se declarar cristão, outra coisa é “ansiar” pela casa do Pai, outra coisa é ter paixão pela Verdade e Vida. A “Verdade” aqui é uma estrada sem fim que leva a níveis cada vez maiores de verdade e profundidade. “Verdade” é Jesus Cristo, o homem autêntico, pleno, completo, perfeita imagem de Deus. Reconheçamos: quanto temos por caminhar em direção a sermos verdadeiros(as)!!!
“Eu sou a vida”. É como se Jesus dissesse: “Comigo tu poderás ter acesso à vida, aquela Vida do Eterno que não é tocada pela conclusão da vida biológica”.
- “E vós conheceis o caminho para ir aonde vou”. Conhecemos? Sabemos? Vimos? Jesus tinha lavado os pés dos discípulos: eis o caminho que os discípulos tinham visto. Não tem outra: o acesso à Vida passa pelo rosto do humano que encontro em minha vida (“Não desprezeis a vossa carne”, disse Isaias). Lembramos daquela “obra” de Jesus quando ele não desce da cruz para vingar seus adversários? Aquela “obra” falou, disse que a vitória, a vida plena, a luz máxima não está do lado de um “deus” vingativo e reativo. E, assim, tantos exemplos de “obras” temos na vida de Jesus de Nazaré, o filho de Maria: rezar pelos que nos perseguem; partilhar o pão; perdoar a pecadora; etc.
As “obras” falam, dizem, revelam, nos colocam no “caminho”. As obras são ações, comportamentos, atitudes, gestos. Quem não se lembra do Samaritano que mesmo não sabendo nada de Deus, revelou o rosto da misericórdia de Deus ao tomar a atitude de “erguer” aquele desconhecido que jazia ao chão.
“Fareis obras maiores do que aquelas que eu fiz”. Essa frase de Jesus é tremendamente provocadora. Jesus capacita enormemente a sua comunidade, eleva a nossa estima. “Eu farei de vós... sereis pescadores de homens ...”. A voz de Jesus despertou nos apóstolos uma tremenda tensão espiritual e existencial. Os apóstolos seguiram a Jesus deixando suas barcas, famílias, a lógica cotidiana, a pesca e a preocupação com o vento, as taxas a pagar, as dívidas, os projetos, certa sexualidade ...
Os pobres apóstolos viveram do quê? Viveram de uma voz, pois foram fisgados pela voz de Jesus. Endereçados fascinantemente e cheios de desejo por Jesus Cristo sentiam-se carentes e em falta (no sentido que as coisas não lhes bastavam). Aqui Jesus é o transformador de seus destinos.
Foram reconhecidos e despertados de um sono que não lhes permitia enxergar suas capacidades. Para perfazer esse caminho de maior grandeza, esse caminho para uma obra prima de si, urge manter a tensão da provocação que a Palavra faz, como se a cada instante visse o Invisível.