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Homilia do V Domingo da Páscoa - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 28/04/2018 - 08:37

V Domingo da  Páscoa (João 15, 1-8)

A gravidade de uma vida: a vida como um degustar, a vida como um fracassar.

“A morte é uma parada, uma fixação num modo ou estado em que uma pessoa definitivamente adquiriu e quis adquirir. Aquilo que eu serei no outro mundo é o que eu quis neste mundo” (Xavier Zubiri).

Falar de “videira” é falar de uva, de vinho. Videira, uva e vinho.... falam de lugar de amor, momento de êxtase que inebria, da alegria dos noivos, deleite, repouso, entrega, felicidade, saída de si, festa, dança, júbilo, exultação, comemoração, prazer, contentamento, convívio, vinculo, satisfação por viver, o sabor da vida, o elixir da vida, beleza, bondade, verdade, gratidão, estima de si.

O Evangelho deste domingo é bastante transparente. Jesus se revela como “videira” que gerar frutos em nós, seus ramos. Infelizmente há ramos secos que se negam a dar frutos, não acatam a linfa da videira, e terminam por virarem cinza inútil. Mas, felizmente, há ramos que dão frutos e que são chamados a darem cada vez mais através da “poda” que é a Palavra que trabalha em nós. O objetivo de todo o trabalho do Pai, o nosso Agricultor, é que demos fruto: “Suportai-vos uns aos outros no amor” (Ef 4, 2). Dar fruto também é alimentar, curar e ensinar as multidões. E dando fruto faço-me oferta, perco o medo de amar até o fim e perco o medo de me render, de falecer, pois quem ama passou da morte para a vida: vivo como ressuscitado.

1 “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor”.  Jesus, o Filho, é a videira verdadeira que produz o fruto uva, fruto doce que é o amor ao Pai e aos irmãos. Ao contrário de Israel, chamado de “vinha”, Jesus é a pura e total docilidade ao Pai, resposta de obediência ao Pai. Com Jesus aprendamos a não resistir aos apelos do Pai eterno.

1b-2 “Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto. “O meu Pai trabalha”, disse Jesus. Há uma ação de Deus em nossas vidas que visa combater o mal e os perigos que nos rondam. Já São Paulo dizia que “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus”. Por vezes não percebemos o Senhor nos livrando e nos podando nos acontecimentos da vida. Por isso “reclamamos” e não nos damos conta que de um mal estamos sendo livrados ou que estamos sendo chamados a uma adesão maior para com a vontade do Pai. A “poda” não deixa de ser um corte, um sacrifício, e por isso dói. Não sem dor eliminamos nossos vícios, hybris, rebeldia, avareza, luxúria, etc. Não esqueçamos que “o Reino é dos violentos” e que por vezes precisamos “cortar a mão, o pé, arrancar olhos”, ou seja, afugentar de nós até aquilo e aqueles que nos são mais próximos e que não somam ao bem, mas prejudicam o nascer do “homem novo”. O Pai trabalha em nós para que demos frutos. O Evangelho de hoje nos revela que a “poda”, a purificação, o nosso melhoramento acontece através da Palavra. “... a Palavra de Deus (o desejo e vontade do Senhor) é viva, se faz valer, é eficaz, “apronta”; é mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4, 12). Quem escuta e obedece a Palavra, certamente se “poda”, se faz violência, afronta um desafio e aumeja uma conquista, dá frutos. Por exemplo: “Amai a vossos inimigosbendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mt 5, 44). O “fruto” aqui seria o triunfo do bem sobre o mal.

 

3 “Vós já estais puros pela palavra que vos tenho anunciado”. A “poda”, a purificação em vista de frutos acontece através da Palavra de Deus. A Palavra de Deus, isto é, o desejo, a vontade de Deus é um contínuo exorcismo em nossas almas. Lembremos-nos de Jesus purificando Pedro: “Afasta-te de mim, Satanás”. Pedro será purificado, entenderá e amará o dar a vida para gerar frutos e abandonará seu malvado sonho de tomar o poder e de vingar os romanos. A Palavra deixará Pedro livre.....“Quem nasce do Espírito (da Palavra) é como o vento: ninguém sabe de onde vem nem para onde vai”. “Em verdade, em verdade te digo (Pedro): quando eras mais moço, cingias-te e andavas aonde querias. Mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. Pedro será livre, livre até de si mesmo.

Que a Palavra, o desejo, a vontade de Deus, permaneça em nós, nos “pode”, torne-se nosso desejo, nossa vontade. Querer sua Palavra, o que Ele quer é união, é oração. Uma das maiores satisfação que alguém possa usufruir nesta terra seja dar-se conta de sua identidade, do seu nome, do seu chamado, da sua missão, como e onde investir a própria vida. A oração baseada na Palavra gera tudo isso. Na oração o fiel supera sua solidão, entra em amizade com o Senhor e descobre-se ser aquilo que realmente é, seu nome próprio, sua identidade, pois não se afasta do Senhor que se faz nosso Deus, nossa Raiz e Princípio. Oração é dialogo, é docilidade, é amar e ser amado. “Podados” e melhorados pela Palavra passamos a encarar a vida de forma diferente e nossos juízos, ações e opiniões mudam.

- “Permanecei (habitai) em mim e eu permanecerei (habitarei) em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. ... Eu sou a videira; vós, os ramos. .... Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito” (vv. 4-7)

Permanecer ou habitar no Senhor significa intimidade, familiaridade, amizade, vínculo estreito com o Senhor. É experiência de conforto, de bem-estar, de estar à vontade com esta Companhia divina. Lembro-me de um amigo. Uma vez me contou que quando criança a sua maior satisfação se dava quando “se jogava” no sofá entre seu pai e sua mãe. Ficavam ali assistindo o telejornal, degustando o belo momento de família, de lar aquecido pelo amor dos três. Temos que passar do temor de Deus ou da indiferença para com Ele, a fim de passar a amá-lo, para que Ele se torne nosso tesouro maior. Quando isto acontecer, quando nos sentirmos e formos filhos amados do Pai amante, a vida ganhará novo colorido, novo sabor, novo horizonte. Aí, sim, os mandamentos d´Ele não serão pesados, mas um prazer. Será um prazer n´Ele permanecer, com Ele estar. O resto? O resto será consequência: minhas ações e reações, minhas atitutudes e empenhos, meus projetos e sonhos de cristão, minha relação com meus pais, cônjuge, colegas.

A gravidade de uma vida. O drama é que se não estivermos habitando, permanecendo, vivendo como filhos amados do pai amante, estaremos, sim, afobados em nossas preocupações, nos próprios delírios de grandeza, na ânsia de um corpo perfeito, em consumir e consumir, nos próprios apetites, ciúmes, invejas, baixa-estima, aflições, etc.  Onde estou habitando, permanecendo, embrenhado, agora? Pelo o quê ando fissurado? Podemos também nos perguntar pela dominação, pelo o que me domina (Medo? Ira? Luxúria e avareza? Remorso e culpa?). Se existe um possível sequestro (“Quem me roubou de mim?”), existe também uma habitação na qual encontro minha identidade, minha profunda realidade de filho de Deus, de irmão dos demais, a fonte de minha vida e de minha estima: “permanecei em mim”, diz o Senhor.

- Importância do fruto e ausência de fruto: A gravidade de uma vida! Às vezes dizemos que o dia foi produtivo ou não. Imaginar uma vida improdutiva é uma tristeza, pois significa morte, falência de uma vida, puro fracasso. É uma máxima de Nosso Senhor: felicidade coincide em não deixar morrer o melhor que temos em nós, ou seja, a capacidade de viver em  comunhão, em família, sustentando e mantendo de pé o irmão (cf. Jo 13). O fruto é isso mesmo: uma vida que é amante, que ama. A gravidade de uma vida: se o um humano não chegar a transbordar em enlevo num serviço que sirva a erguer o irmão, sua vida terá sido um puro passar de dias e horas, será como tirar do sal seu sabor, do açúcar o seu doce. “Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á” (v.6).

-  “Se alguém não permanecer em mim é porque foi lançado fora, como o ramo, e se secou e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á” (v. 6). Manter-se longe da vida, não permanecer em Cristo Jesus, gera destino de morte, de cinzas que não prestam para nada. Todos nossos projetos, realizações, relacionamentos, alianças e construções feitos sem a marca do amor e da verdade não se sustentam, é palha que queima.

- “... sem mim nada podeis fazer” (v. 5). O ramo recebe a linfa vital da videira. Que eu possa continuar a obra do Senhor, apaixonar-se em gerar vida, esperança, paz e sentido onde eu esteja e com os quais eu convivo. Afastando-me daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida, torno-me infértil, crio somente cizânia, e me faço incompleto, triste e solitário, suspendo minha capacidade de ser filho e de ser irmão.

- “... pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito” (v. 7). Ora, se o Senhor é minha morada, se eu o amo, então o desejo dele, a sua vontade, também será a minha. Não existe mais diferença entre o que eu peço e o que ele queira, nem entre o que ele peça e o que eu queira. E, assim, se cumprindo o “Pai-Nosso” (“Seja feita a vossa vontade”), a vontade do Pai, a humanidade melhora. Peçamos que suas palavras permaneçam em nós: “Como o Pai me ama, assim eu vos amo. Amai-vos como eu vos amei”. Que eu queira conhecer o seu amor por mim e que eu queira amar como ele me ama.

- “Nisto é glorificado meu Pai, para que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos” (v. 8). A coisa não é complicada! Um pai ou uma mãe de família se sente realizado, glorificado, homenageado, reconhecido e feliz quando vê seus filhos tratando-se como irmãos. Assim, o pai ou a mãe se vê galadoardo e vê que seus esforços não foram em vão. E se souberam ser irmaos é porque souberam ser filhos. Família que deu frutos, glória dos pais. A nossa salvação e felicidade é mesmo aprender a viver como irmãos na família de um Deus que se revela Pai nosso. 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.