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Homilia do V Domingo do Páscoa - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 18/05/2019 - 07:50

V Dom da Páscoa. João 13, 31-35

21. “... Jesus ... declarou: ‘Em verdade, em verdade vos digo: um de vós me há de trair!...’ .. ‘Se­nhor, quem é?’. 26.Jesus res­pondeu: ‘É aquele a quem eu der o pão embebido’. Em seguida, molhou o pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. ... 31.Logo que Judas saiu, Jesus disse: “Agora é glorificado o Filho do Homem, e Deus é glorificado nele. 32.Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará em breve’”.

A Glória de Deus é o homem salvo. Jesus manifestou sua glória dando o pão a Judas: no pão dado, a Glória.

Lembro-me de uma senhora que diante da filha rebelde imaginava que o pai da menina poderia manifestar sua paternidade mostrando-se pai, mostrando o seu valor de pai, sua “glória”, sua “mão pesada”, corrigindo, com atos e palavras, a filha rebelde. Naquele dia seu marido, o pai da menina, colocaria para fora seu poder, sua capacidade benfazeja. Quando assistimos um time de futebol glorioso é porque venceu o campeonato, é porque o time mostrou do que era capaz, externou o melhor de si. A “Glória” de Jesus aconteceu na Cruz enquanto tornou explícito, vivo e atuante o amor extremo, amor sem freios, sem impedimento, amor incondicional (“Em seguida, molhou o pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes”: Jesus amou o traidor). A “Glória”, Deus, é amor: a Cruz revelou isso, “fez acontecer Deus”, revelou o mistério de Deus (“Deus é glorificado – manifestado - nele”).

32.Se Deus foi glorificado nele ...”.  O pão dado a Judas (realidade e símbolo do amor de Deus aos pecadores, realidade e símbolo da Cruz) é ação que vence a morte, é ação que revela, glorifica, Deus (Quem ama venceu a morte – cf. 1Jo 3, 14). “... também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará em breve” (v. 32): o pão dado a Judas é anúncio da ressurreição, é entrada no Reino dos Céus, pois o amor vence a morte.

33.Filhinhos meus, por um pouco apenas ainda estou convosco. Vós me haveis de procurar, mas, como disse aos judeus, também vos digo agora a vós: para onde eu vou, vós não podeis ir”.  Importa que procuremos, afinal, somos discípulos e discípulo é aquele que procura, deseja a vida e a felicidade, deseja a Deus que é plenitude de vida e felicidade. No entanto, o Senhor Jesus revela que mesmo querendo, sozinhos não temos o poder alcançar o que desejamos.  

Jesus indica uma saída para que cada um dos seus discípulos consiga a satisfação do próprio desejo de encontrá-Lo, e, assim, encontrar a vida e a felicidade: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisso todos conhe­cerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (vv. 34-35). São João nos revela neste Domingo que o Senhor nos deu um novo mandamento, trata-se de um dom, talvez o maior dom, uma oportunidade: pede-nos de sermos semelhantes a Ele que é amor, nos pede que nos “aventuremos” em direção da vida e de uma alegria inaudita. Disso somos capazes, pois pela primeira vez experimentamos em Cristo Jesus uma benquerença “inacreditável”. Eis o sentido da frase: “Dou-vos um novo mandamento”, uma nova capacidade.

Meditemos, irmãos e irmãs, no mistério do nosso Deus que ama o ser humano para além dos méritos e deméritos. Não existe motivo nenhum para Deus nos amar a não ser Ele mesmo que é amor e ama porque sua natureza é amar. Pode acontecer de não respondermos ao seu amor, mas nem por isso Ele se nega a “dar o pão” para nós. O nosso mérito, no caso, será aquele de entrar em relacionamento com os irmãos, também, para além dos méritos e deméritos. Aproximo-me somente de quem julgo merecedor de minha proximidade?

Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (v. 34). O amor deve ser recíproco. Se alguém ama, mas não é amado, tenderá a definhar, pois não se sentirá procurado, reconhecido, “achado” por olhos de afeição. De fato, só posso amar ou manter-me amando porque Ele nos amou e nos ama por primeiro (“Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”). Tanto mais serei capaz de amar quanto mais me deixo amar pelo Senhor. E como o Senhor me ama de amor infinito ao ponto de ofertar sua vida pela minha, assim também sou capaz de oferecer a minha vida por alguém. Lembro-me de um santo frade português que pediu de ser sepultado em terras moçambicanas: seu corpo em prol dos moçambicanos e daquela nação.

Queira Deus que ao aproximar-nos da santa Eucaristia aceitemos o Senhor Jesus, sua vida e seu amor por nós. Somente assim seremos livres para edificar, para reconciliar, perdoar e semear fé, esperança e caridade em tantos irmãos e irmãs que passam por nós.

O Evangelho de hoje nos apresenta momentos da última ceia”. Era costume o dono da casa oferecer o pão passado no molho ao hóspede considerado o mais importante. Jesus passa o pão a Judas! Para Jesus, Judas é o único em perigo: perigo de perder-se para sempre. Merecia maior atenção. Nós tendemos a olhar o crime, Jesus olha a pessoa que cometeu o crime. Uma pessoa vale a pena, vale tanto? Jesus, ao passar o pão a Judas, estava a dizer: conheço tuas más intenções, mas não olho isso, olho a ti. O que é perder-se? Qual nossa reação perante tanta perdição?

Quando Judas sai para traí-lo, Jesus anuncia  que a sua glória se manifestará. Fala da doação de sua vida e também do modo como reagirá perante a traição e os inimigos. Jesus será constrangido, traído e crucificado: sua glória será exposta. A glória para Jesus é o êxtase, o seu momento culminante: um amor desenfreado que não se paralisa mesmo diante de todo ódio. Tal glória revela a verdade que Deus ama gratuitamente, sem perguntar, sem pretender, mas por puro transbordamento de si. Aqui Judas também é amado.

Ser acolhido incondicionalmente é uma das maiores experiência que o ser humano pode ter. Seja por parte de alguém seja por parte do próprio Deus.  Não se pode duvidar do amor de Deus para conosco. A situação do pecador não paralisa a força do amor de Deus. O amor de Deus não se merece, se acolhe. 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.