Homilia do V Domingo do Páscoa - ano C / Frei João Santiago
V Dom da Páscoa. João 13, 31-35
21. “... Jesus ... declarou: ‘Em verdade, em verdade vos digo: um de vós me há de trair!...’ .. ‘Senhor, quem é?’. 26.Jesus respondeu: ‘É aquele a quem eu der o pão embebido’. Em seguida, molhou o pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. ... 31.Logo que Judas saiu, Jesus disse: “Agora é glorificado o Filho do Homem, e Deus é glorificado nele. 32.Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará em breve’”.
A Glória de Deus é o homem salvo. Jesus manifestou sua glória dando o pão a Judas: no pão dado, a Glória.
Lembro-me de uma senhora que diante da filha rebelde imaginava que o pai da menina poderia manifestar sua paternidade mostrando-se pai, mostrando o seu valor de pai, sua “glória”, sua “mão pesada”, corrigindo, com atos e palavras, a filha rebelde. Naquele dia seu marido, o pai da menina, colocaria para fora seu poder, sua capacidade benfazeja. Quando assistimos um time de futebol glorioso é porque venceu o campeonato, é porque o time mostrou do que era capaz, externou o melhor de si. A “Glória” de Jesus aconteceu na Cruz enquanto tornou explícito, vivo e atuante o amor extremo, amor sem freios, sem impedimento, amor incondicional (“Em seguida, molhou o pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes”: Jesus amou o traidor). A “Glória”, Deus, é amor: a Cruz revelou isso, “fez acontecer Deus”, revelou o mistério de Deus (“Deus é glorificado – manifestado - nele”).
“32.Se Deus foi glorificado nele ...”. O pão dado a Judas (realidade e símbolo do amor de Deus aos pecadores, realidade e símbolo da Cruz) é ação que vence a morte, é ação que revela, glorifica, Deus (Quem ama venceu a morte – cf. 1Jo 3, 14). “... também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará em breve” (v. 32): o pão dado a Judas é anúncio da ressurreição, é entrada no Reino dos Céus, pois o amor vence a morte.
“33.Filhinhos meus, por um pouco apenas ainda estou convosco. Vós me haveis de procurar, mas, como disse aos judeus, também vos digo agora a vós: para onde eu vou, vós não podeis ir”. Importa que procuremos, afinal, somos discípulos e discípulo é aquele que procura, deseja a vida e a felicidade, deseja a Deus que é plenitude de vida e felicidade. No entanto, o Senhor Jesus revela que mesmo querendo, sozinhos não temos o poder alcançar o que desejamos.
Jesus indica uma saída para que cada um dos seus discípulos consiga a satisfação do próprio desejo de encontrá-Lo, e, assim, encontrar a vida e a felicidade: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (vv. 34-35). São João nos revela neste Domingo que o Senhor nos deu um novo mandamento, trata-se de um dom, talvez o maior dom, uma oportunidade: pede-nos de sermos semelhantes a Ele que é amor, nos pede que nos “aventuremos” em direção da vida e de uma alegria inaudita. Disso somos capazes, pois pela primeira vez experimentamos em Cristo Jesus uma benquerença “inacreditável”. Eis o sentido da frase: “Dou-vos um novo mandamento”, uma nova capacidade.
Meditemos, irmãos e irmãs, no mistério do nosso Deus que ama o ser humano para além dos méritos e deméritos. Não existe motivo nenhum para Deus nos amar a não ser Ele mesmo que é amor e ama porque sua natureza é amar. Pode acontecer de não respondermos ao seu amor, mas nem por isso Ele se nega a “dar o pão” para nós. O nosso mérito, no caso, será aquele de entrar em relacionamento com os irmãos, também, para além dos méritos e deméritos. Aproximo-me somente de quem julgo merecedor de minha proximidade?
“Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (v. 34). O amor deve ser recíproco. Se alguém ama, mas não é amado, tenderá a definhar, pois não se sentirá procurado, reconhecido, “achado” por olhos de afeição. De fato, só posso amar ou manter-me amando porque Ele nos amou e nos ama por primeiro (“Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”). Tanto mais serei capaz de amar quanto mais me deixo amar pelo Senhor. E como o Senhor me ama de amor infinito ao ponto de ofertar sua vida pela minha, assim também sou capaz de oferecer a minha vida por alguém. Lembro-me de um santo frade português que pediu de ser sepultado em terras moçambicanas: seu corpo em prol dos moçambicanos e daquela nação.
Queira Deus que ao aproximar-nos da santa Eucaristia aceitemos o Senhor Jesus, sua vida e seu amor por nós. Somente assim seremos livres para edificar, para reconciliar, perdoar e semear fé, esperança e caridade em tantos irmãos e irmãs que passam por nós.
O Evangelho de hoje nos apresenta momentos da última ceia”. Era costume o dono da casa oferecer o pão passado no molho ao hóspede considerado o mais importante. Jesus passa o pão a Judas! Para Jesus, Judas é o único em perigo: perigo de perder-se para sempre. Merecia maior atenção. Nós tendemos a olhar o crime, Jesus olha a pessoa que cometeu o crime. Uma pessoa vale a pena, vale tanto? Jesus, ao passar o pão a Judas, estava a dizer: conheço tuas más intenções, mas não olho isso, olho a ti. O que é perder-se? Qual nossa reação perante tanta perdição?
Quando Judas sai para traí-lo, Jesus anuncia que a sua glória se manifestará. Fala da doação de sua vida e também do modo como reagirá perante a traição e os inimigos. Jesus será constrangido, traído e crucificado: sua glória será exposta. A glória para Jesus é o êxtase, o seu momento culminante: um amor desenfreado que não se paralisa mesmo diante de todo ódio. Tal glória revela a verdade que Deus ama gratuitamente, sem perguntar, sem pretender, mas por puro transbordamento de si. Aqui Judas também é amado.
Ser acolhido incondicionalmente é uma das maiores experiência que o ser humano pode ter. Seja por parte de alguém seja por parte do próprio Deus. Não se pode duvidar do amor de Deus para conosco. A situação do pecador não paralisa a força do amor de Deus. O amor de Deus não se merece, se acolhe.