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Homilia do V Domingo do Tempo Comum / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 03/02/2018 - 09:36

V Dom Comum Marcos 1, 29-39

O mal faz mal, deu febre na sogra de Pedro

... dirigiram-se com Tiago e João à casa de Simão e André. 30.A sogra de Simão estava de cama, com febre; e sem tardar, falaram-lhe a respeito dela. 31.Aproximando-se ele, tomou-a pela mão e levantou-a; imediatamente a febre a deixou e ela pôs-se a servi-los. ...

- O primeiro milagre de Jesus no Evangelho de São Marcos. Tem um livro que fez muito sucesso no Brasil: “Quem me roubou de mim?”. O livro usa a metáfora do sequestro (outra pessoa se apodera de minha liberdade, eu me vejo sem saída, estou nas mãos do sequestrador). Quando Jesus encontrava uma pessoa “sequestrada”, usava de todos os meios benéficos a fim de tornar tal pessoa livre, isto é, tornar a pessoa entregue a si mesma, libertando-a de “sequestradores” internos e externos. O sentido de toda ação salvadora de Nosso Senhor é que a pessoa tenha olhos que vejam, ouvidos que escutem, boca que fale, pés que caminhem, mãos que toquem e entrem em comunhão. E, assim, vendo, escutando, falando, caminhando e tocando, a pessoa faz sua trajetória, seu caminho, persegue um chamado divino, se faz livre e feliz, escapa ao cativeiro do sequestrador. Cativeiro, lugar de prisão. Sequestrador, situação oprimente. Ser sequestrado e em cativeiro é como viver chantageado. É uma experiência tremendamente sofrida, pois bloqueia e paralisa a pessoa que se vê submetida a um “tirano” implacável. É como se aperceber coagido, escravo, impotente, em angústia (apertado), asfixiado, nas mãos de estranhos e de inimigos. E qual é a maior chantagem? Medo da morte? Medo de comentários? Culpa? Remorso? Vícios? Fúria? Desejo de revanche? Medo de perder o (a) bem-amado (a)? Medo do amanhã? Preguiça?

Todas as curas, físicas, emocionais ou espirituais, tem esse objetivo: conduzir a pessoa à libertação de todo cativeiro e sequestro, a fim de experimentar outra vida, a vida que conhece a felicidade do servir, do amar, do ofertar-se, pois o Senhor que cura, Ele, é, acima de tudo, o Eterno Servidor, Amante de todos nós.

O segredo é crer no Evangelho, apostar e pautar a vida segundo o Evangelho. Crer, apostar e pautar a vida em Jesus significa se deixar levar pelas suas palavras. Só assim seremos livres do Espírito do mal. O drama, no entanto, é que persistimos crendo, apostando e pautando no nosso velho mundo interior, e continuamos impiedosos, maledicentes, luxuriosos, maldizentes, invejosos, desonestos, ciumentos, medrosos. A “Palavra” pode fazer exorcismos em nós, eliminar as mentiras (lembram do pai da mentira?) que distorcem e falseiam nossos rostos e faces. De vez em quando encontramos, conhecemos uma pessoa “diferenciada” no bom sentido. Quando isso acontece nos admiramos e dizemos: “Poxa vida! Que pessoa bela!”. E a pessoa feia entregue ao espírito do mal? Infelizmente também encontramos. Não é por acaso que Nosso Senhor se fez missão: "... depois do pôr do sol, levaram-lhe todos os enfermos e possessos do demônio. Ele curou muitos que estavam oprimidos de diversas doenças, e expulsou muitos demônios” (vv.  32-36).

Qual o mais importante? O milagre ou o significado do milagre? Certamente “o significado”, pois a sogra de Pedro deve ter voltado a ficar com febre e doente, mas aquilo que aconteceu após o milagre é o sentido maior. Não é por acaso que muitas pessoas, depois que sobrevivem a graves enfermidades, passam a encarar a vida mais positivamente, valorizando mais a família, os amigos, a caridade, os gestos humanos, a humildade e a oração de gratidão ao bom Deus. Então...qual o significado de curar a sogra de Pedro?   - Não sei para você nem sei para mim, mas para São Marcos o verdadeiro milagre de uma vida é passar um dia a servir, pois combate aquela atitude que é a praga que corrói e destrói nossa felicidade, isto é, a atitude de servir-se do outro até ao ponto de escraviza-lo (o famoso egoísmo). E o primeiro grande servidor é o nosso Deus. Fazendo um milagre está nos servindo, nos passando o espírito de serviço: “Aproximando-se ele, tomou-a pela mão e levantou-a; imediatamente a febre a deixou e ela pôs-se a servi-los” .

Naquela casa havia febre, disputas. Sabemos que a febre é um sintoma, revela que algo não está bem em nosso corpo. A febre da sogra de Pedro revelava o quê? Sabemos que a deixava paralisada e deitada. Naquela condição de só ser servida, e não servir. Lendo Marcos 9, 33 (“... discutiam entre eles sobre quem seria o maior”), podemos afirmar que a febre que nos oprime e esmaga é a fissura, o capricho, em ser mais do que os outros e ser servido pelos demais reduzidos a meus serviçais. Febre terrível que leva à ruína todas as relações humanas.

- Para a nossa fé cristã e católica não é saudável a condição de uma pessoa metida a querer ser mais do que se é. Somos filhos de Deus, e temos como herança do Pai o espírito do serviço. E se temos o Pai é porque somos irmãos, e não pedestais.  Não é por acaso que chamam a Jesus para curar: “Asogra de Simão estava de cama, com febre; e sem tardar, falaram-lhe a respeito dela”. Não sejamos omissos: alguém de cama? Estou de cama com febre? Chamemos a Jesus para que nos livre do mal que nos paralisa, do capricho de querer ser o centro das atenções, do despotismo que usa e abuso dos demais.

A casa de Pedro estava infectada, o habitat, o lar, o espaço íntimo todo infectado pela febre, pelos desejos ardentes de dominar o outro. O império do mal pode adentrar em nossas casas, comunidades cristãs, grupos e em toda comunidade humana. O Homem forte, o Leão da Tribo de Judá, o Senhor veio para tirar de nós, com o seus exorcismos, a tirania que devasta nossa boa convivência: “... Porém, se mordeis e devorais uns aos outros, cuidado para não vos destruirdes mutuamente! Viver no Espírito, não na carne” (Gal 5, 15).

- “A sogra de Simão estava de cama, com febre; e sem tardar, falaram-lhe a respeito dela”. É bonito e interessante verificar a sensibilidade, a proximidade e mediação dos irmãos sem esperar que o pior aconteça para que se tome alguma providencia. Mais bonito ainda é que recorrem Àquele que de fato pode salvar, nos tirar do torpor de pensar que felicidade signifique tantas coisas menos fazer da vida uma oblação: “...imediatamente a febre a deixou e ela pôs-se a servi-los”.

- “Aproximando-se ele, tomou-a pela mão e levantou-a”. Levantar, aqui, significa “acordar” (“Acorda, fulana”, podemos dizer), despertar para uma nova vida e realidade que surgem. “Levantar” significa também que Jesus fez a sogra de Pedro passar da morte para a vida (“Quem ama passou da morte para a vida”).  São Marcos quer nos catequizar, quer nos ensinar que quem é curado do egoísmo e seus caprichos “escapa” da morte, nasce para uma vida nova, a vida de Deus. Infelizmente reluta-se muito a este despertar, e, assim, perde-se tempo, muito tempo mesmo.

Jesus tomou-a pela mão. Houve contato. Duas mãos que se encontram. Tocar significa dizer “estou aqui” e te transmito o que sou. Naquele dia a sogra de São Pedro passou a ser semelhante a Deus: levantada, sem febre, serve a todos. Que nossas mãos toquem as mãos do Senhor, não importando qual febre tenhamos. As horas difíceis e febris também são oportunidades de “contato de primeiro grau”, chances de um grande encontro, ocasião de grande conhecimento e de um novo despertar.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.