Homilia do VI Domingo da Páscoa - ano A - Frei João Santiago
VI Domingo da Páscoa. (João 14, 15-21)
“Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (v. 15). Bonito imaginar Nosso Senhor dizendo tais palavras. Existe uma condição para mostrar, na prática, realmente e de verdade se Jesus é amado, isto é, se é mesmo uma pérola valiosa, um tesouro para cada um de nós. A condição é a prática dos mandamentos d´Ele.
Conheci um frade muito amado pelos paroquianos. Os paroquianos diziam de amá-lo e no dia de seu aniversário queriam parabenizá-lo com presentes. Então, o frei disse-lhes: “Já que vocês me querem tão bem, peço-lhes que comprem um fogão para uma família carente que conheço”. Jesus aceita ser amado? Sim, claro! E o amor a Jesus acontece e se faz realidade cumprindo mandamentos, praticando a nova lei do amor, “lavando os pés” dos irmãos e irmãs.
São Paulo fala que a caridade é paciente quando o outro “não é do meu jeito”, é bondosa quando o outro precisa de uma “mão”, não tem inveja quando o outro “brilha” mais do que eu, não é orgulhosa e nem arrogante quando ocupo cargo e exerço poder, não usa do direito próprio para humilhar, não escandaliza os mais simples, não busca os seus próprios interesses, não se irrita com a lentidão do outro, não guarda rancor do ofensor, não se alegra com a injustiça, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13): para cada situação do cotidiano uma reação segundo a lei maior, a lei do Amor. Novas atitudes e mandamentos surgem de um coração que ama. O amor é criativo: para cada situação a pessoa encontra uma forma de fazer o outro se alegrar, sorri e ter esperança na vida. Jesus, por exemplo, para fazer os discípulos se sentirem amados e queridos por Ele, lavou-lhes os pés e disse-lhes: “Isto é o meu corpo, isto é meu sangue: minha vida ofertada por vós”.
Façamos uma revisão de vida e vejamos se praticamos os mandamentos do Amor, pois teremos certeza que amamos à Deus se não enganamos, se não nos aproveitamos do indefeso, se não brincamos com os sentimentos dos outros, se não traímos ao outro, se não armamos ciladas, se não enganamos o vizinho, se não humilhamos o colega, se não defraudamos, etc. “Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4, 20-21).
Mais do que à Ele, Deus prefere que o amor que sentimos d´Ele seja ofertado aos outros (cumprir os mandamentos para os outros). O Senhor deseja que nos amemos. Somente em tal prática O amamos.
Nosso Senhor tinha sua visão de mundo, de vida, de felicidade. Para Ele a vida pode ter um retorno de felicidade enquanto o homem rompe sua solidão e passa a ter comunhão com o Princípio amoroso de tudo, com a ciranda amorosa existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Toda essa maravilha acontece quando pomos na ordem do dia a prática do amor à Ele que passa sempre pelo próximo: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama. E aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e manifestar-me-ei a ele (v. 21). E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco (v. 16)”.
O Espírito Santo é aquela realidade mais íntima que em minha intimidade me socorre, que vem em meu auxílio. Há o espírito inimigo que pulsa, que trabalha, e quer nos levar para longe de todo projeto de vida e que batalha para nos levar a toda situação de morte, de desavença, de tristeza e de destruição. Dentro de cada um de nós realmente uma grande batalha se trava. O Espírito Santo é presença do Cristo. E porque é presença íntima em nosso espírito, é presença maior do que o Jesus histórico. O Espírito de Cristo realiza a verdadeira “promoção” do homem, pois é “cuidado” (outro nome da palavra “amor”). O “Espírito da Verdade” faz de tudo para que nos tornemos homens verdadeiros, não falsos, autênticos, pura imagem de um filho de Deus. Uma família ou uma comunidade cristã que se deixa levar por tal Espírito constrói novas relações, pois seguem o Cordeiro, e não o espírito maligno e feroz.
- “Naquele dia (paixão, morte e ressurreição) conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós” (v. 20). A entrega derradeira de Jesus no alto da cruz é a plenitude da vida de Jesus conosco e com o Pai. A cruz é expressão, melhor, explicita, deixa claro, o amor que reinava e reina no coração de Cristo. É como uma porta escancarada que deixa passar a vida amorosa. Uma vida que não se contem em fazer-se oferta. Na cruz, Cristo mostra a sua plenitude, o seu esplendor, a sua glória, o seu poder e peso, o máximo seu. Rendendo seu espírito, entra, maiormente, no Reino, no Pai. E, assim, Nosso Senhor se entrega também à nós e se faz presente em nosso meio através e com o Espírito. Na Cruz doa seu Espírito aos seus queridos (“... do seu lado saiu sangue e água”). Por isso, afirmamos que sua morte não significa separação dos discípulos, mas, pela força da ressurreição, união ainda mais íntima e próxima com entre o Mestre e os discípulos.
“Naquele dia (paixão, morte e ressurreição) conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós” (v. 20). Com a ressurreição os discípulos se deram conta o quanto o inocente Jesus era amado e aprovado pelo Pai (“... estou em meu Pai”). E era aprovado pelo Pai por ter levado a vida que viveu e pelo fato de ter assumido a Cruz, isto é, ter dado a vida pelos pecadores. Os discípulos se deram conta também do quanto eram amados por Jesus (“... vós em mim”). “... eu em vós”: o Senhor se fez presente nos discípulos enquanto estes responderam ao seu amor, voltaram a se reunir com Ele, passaram a amá-Lo ainda mais. Nosso Senhor, no amor recíproco, passou a habitar na vida dos seus discípulos e estes passaram a viver da Vida d´Ele: eis o dom pleno do seu Espírito.