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Homilia do VI Domingo da Páscoa - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 05/05/2018 - 18:06

VI Dom Páscoa João 15, 9-17

Não é por acaso o nosso mundo violento, pecador e agressivo. Os homens podem continuar como Édipo, lutando contra o Pai. Podem continuar sendo indiferente ao Pai e olhando ao próprio umbigo como Narciso. Mas, pode também, ansiar e encontrar o Pai como Telemaco.

O desejo do Pai é uma ferida sempre aberta, uma aspiração que nos transcende, é desejo de infinito. Não é sede de posse, mas aspiração a ser amado, olhado, cuidado, desejado e reconhecido” (Padre Tolentino à Cúria Romana e ao Papa Francisco -  exercicios espirituais na Quaresma de 2018).

Mais uma vez voltamos a falar muito do “Amor”. Gostaríamos de entender “Amor” como “serviço”. Portanto, Deus é Amor e nos ama, nos serve, “lava nossos pés e nos ergue”. Eu, passo, portanto, a ser capaz de amar. Amar é servir aos demais, é relação, interação que facilita ao outro alcançar o seu máximo bem, e que se torne, por sua vez, capaz também de passar o amor adiante. Servir é dizer e fazer: "Estou aqui por ti. Estou à disposição a fim de que tu possas se tornar o melhor daquilo que tu és".

Viver recebendo. “Como o Pai me ama, assim também eu vos amo” (v.9). Jesus, o Filho, reconhece e aceita o amor do Pai para com Ele. O Filho não “toca sua vida em frente”, não vai levando a vida a partir de si mesmo, mas vive, nutre-se, do amor do Pai, amor infinito e único. Poderíamos viver sem conhecer tal relacionamento amoroso e único existente entre o Pai e o Filho! Restaria somente a curiosidade (“Ah! Se pudéssemos saber!) ou mesmo desejar tal amor desconhecido (Ó! Se rasgasses os céus e descesses! Se os montes se escoassem diante da tua face” (Sl 64, 1). A Boa Nova é que Jesus declarou que partilha este mesmo amor por nós (“Como o Pai me ama, assim também eu vos amo”). Aqui temos algo estranho: sabemos que uma mãe ou um pai tem uma relação única com um filho seu. Como outra pessoa poderá usufruir desta relação única existente entre o pai ou a mãe e seu filho? O Senhor tornou isso possível, tornou possível vivermos e conhecermos a mesma relação amorosa que há entre o Pai e o Filho, que é a vida no Espírito Santo de Amor. Pelo Amor de Jesus cada um de nós é amado pelo Pai como filho único. E saber que os demais são amados tal como eu, torna possível, finalmente, uma nova vida nesta terra: vida de filhos, vida de irmãos.

Como o Pai me ama, assim também eu vos amo”. Como? A “Cruz” nos revela que é dando-se, amando em excesso, em estremo amor, amor sem freios e sem obstáculos, incondicional. Que eu não me esquive desse Amor que se lança sobre nós.

- “Perseverai no meu amor” (v. 9). Não nos vendamos, não nos traiamos, mas nos “alojemos” no Amor que Jesus há para conosco, aquele mesmo Amor que o Pai tem para com Ele. É uma aposta de vida. A minha “estadia”, o meu “cantinho”, é o Amor que o Pai tem para com o Filho, é o meu respiro.  E, assim, posso amar o Pai como o Filho o ama, e aos irmãos eu amo como o Pai e o Filho amam. E eu me amo como filho do Pai. Tais augustas revelações vêm ao encontro de um coração que não se traiu, de um coração que se descobre e se mantém sedento de verdade, de beleza, de pureza, de bondade: sede de amor incondicional e sede de eleger a Deus como Senhor de sua vida, o Deus amante revelado por Jesus.

- “Se guardardes os meus mandamentos, habitareis e sereis constantes no meu amor, como também eu guardei os mandamentos de meu Pai e persisto e habito no seu amor. ... Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo” (vv. 10-12).

Temos um mundo interior que anseia por água viva! Jesus, aqui, explicitamente nos ensina como “estacionaremos” na casa do Amor, como ficaremos entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, como resolveremos nossa vida encontrando a Paz. Deus nos ama nos querendo bem, nos dando sua vontade, seu desejo, seu mandamento. Então... seu mandamento nos “lança” em sua morada de Amor: “... amai-vos uns aos outros, como eu vos amo”. É amando “alguém” que conheço, moro, no Amor com este “alguém”: Um rapaz doente de lepra admirado de como Madre Teresa cuidava dele, lhe perguntou: “Madre, como a senhora consegue cuidar de mim com tanto carinho e amor?” Ela respondeu: “Porque eu também sou amada demais”. O rapaz disse: “Deve ser uma pessoa e tanto, um grande homem”. E Madre Teresa: "É, sim, verdadeiramente um grande Senhor!". Era desta maneira que Santa Madre Teresa de Calcutá vivia “estacionada” em Deus, no Amor, seu grande Senhor.

- “... como eu vos amo”. A Palavra de Deus sempre nos desafia. Amar não como a si mesmo, mascomo Ele nos amou. Um segredo nos foi revelado. Não adiante andar por aí atrás de fábulas religiosas, templos, líderes religiosos e de gurus. O melhor caminho foi indicado: “Amai como eu vos amo”. Tal caminho combate aquele “espírito” que nos leva a querer amar somente quem decidimos de amar, e estabelecer quem é digno e quem merece o nosso interesse, nosso zelo e atenção. O Senhor nos dá um “dever de casa” que vale a pena começar....a praticar.

- “Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa” (v. 11). Oxalá a “alegria, o exulte” de Deus habite em nós. Somos chamados ao “exulte” de Deus. Se existem tantos “amores” e tantos prazeres sem alegria, sem felicidade, então a marca do amor verdadeiro é alegria que o acompanha. A alegria aqui falada é a realidade procurada por nós homens durante toda vida. Um bom termômetro de nossa qualidade de vida é verificar se onde e como estamos vivendo temos alegria ou não. Ora, a alegria do Senhor tem raiz no Amor recíproco entre o Filho e o Pai. O Senhor deseja que entremos neste circuito amoroso, respondendo ao seu amor amando aos demais.

“Alegria completa”, “ Paz que o mundo não dá”, “Coragem, eu venci o mundo”... “Palavras-desejos” de Jesus para que nossa vida ganhe expansão, se torne esplendente, plena, transbordante, não mesquinha. Que nossa vida se faça, se torne real com todas as suas boas potencialidades, cresça e dê o melhor de si, muitos frutos.

Se é “alegria completa” é plena, não depende das circunstâncias (mesmo com dificuldades financeiras, de saúde, dramas e tribulações de toda ordem, não perdemos a Paz – cf. Rm 8, 35-39), pois é “alegria interior” gerada pela realidade de sermos amados por Deus. A “Alegria completa” é sentir-se querido e em direito de existir; é ter descoberto a própria missão e o motivo de aqui estar para algo de importante.

- “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos.Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai” (vv. 13-15). O amor se realiza no amor recíproco, no amor entre amigos. Recebendo, acatando o amor de Deus por nós é que nos tornamos seus amigos, passamos a ter a mesma vida do Senhor e teremos amigos por quem oferecer a vida.

Dar a vida é ofertar a própria alma, a própria vitalidade, aquilo que faz vivo uma pessoa. A melhor “coisa” que alguém possa ter, será aquela “coisa” que faz possível esta pessoa se levantar, ter esperança, fé e caridade, aconteça o que acontecer. Demos isso, passemos adiante. Que os pais possam transmitir aos seus filhos a compaixão, a alegria, a fé no Deus revelado por Jesus, o respeito, a honradez, a honestidade de vida. Dar a vida é manter-se vivo, é alimentar nossa fé no Deus vivo, é colaborar para que “alguém” se erga, seja grato, tenha sentido na vida, dê frutos....

Um dia, um mestre, entrando improvisamente em sua casa, flagrou o ladrão. O mestre lhe disse: “Que procuras?” Admirado com a calma do mestre, respondeu o ladrão: “Preciso de dinheiro!”. O mestre deu-lhe um diamante que tinha ganhado no dia de sua consagração.  O ladrão pegou o diamante e saiu todo feliz! Porém, não conseguiu dormi naquela noite, e se dizia: "Como foi que ele me deu a coisa mais preciosa que tinha?”. No dia seguinte procurou o mestre e lhe disse: “Mestre, eis aqui teu diamante de volta. Peço-te, porém, “aquilo” que te fez capaz de me dar o diamante”. O mestre lhe disse: "Vem e segue-me!". E, assim, o ladrão chegou a encontrar “aquilo”, aquela riqueza que não se vende e que não se compra.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.