Homilia do VI Domingo da Páscoa - ano B / Frei João Santiago
VI Dom Páscoa João 15, 9-17
Não é por acaso o nosso mundo violento, pecador e agressivo. Os homens podem continuar como Édipo, lutando contra o Pai. Podem continuar sendo indiferente ao Pai e olhando ao próprio umbigo como Narciso. Mas, pode também, ansiar e encontrar o Pai como Telemaco.
“O desejo do Pai é uma ferida sempre aberta, uma aspiração que nos transcende, é desejo de infinito. Não é sede de posse, mas aspiração a ser amado, olhado, cuidado, desejado e reconhecido” (Padre Tolentino à Cúria Romana e ao Papa Francisco - exercicios espirituais na Quaresma de 2018).
Mais uma vez voltamos a falar muito do “Amor”. Gostaríamos de entender “Amor” como “serviço”. Portanto, Deus é Amor e nos ama, nos serve, “lava nossos pés e nos ergue”. Eu, passo, portanto, a ser capaz de amar. Amar é servir aos demais, é relação, interação que facilita ao outro alcançar o seu máximo bem, e que se torne, por sua vez, capaz também de passar o amor adiante. Servir é dizer e fazer: "Estou aqui por ti. Estou à disposição a fim de que tu possas se tornar o melhor daquilo que tu és".
- Viver recebendo. “Como o Pai me ama, assim também eu vos amo” (v.9). Jesus, o Filho, reconhece e aceita o amor do Pai para com Ele. O Filho não “toca sua vida em frente”, não vai levando a vida a partir de si mesmo, mas vive, nutre-se, do amor do Pai, amor infinito e único. Poderíamos viver sem conhecer tal relacionamento amoroso e único existente entre o Pai e o Filho! Restaria somente a curiosidade (“Ah! Se pudéssemos saber!) ou mesmo desejar tal amor desconhecido (Ó! Se rasgasses os céus e descesses! Se os montes se escoassem diante da tua face” (Sl 64, 1). A Boa Nova é que Jesus declarou que partilha este mesmo amor por nós (“Como o Pai me ama, assim também eu vos amo”). Aqui temos algo estranho: sabemos que uma mãe ou um pai tem uma relação única com um filho seu. Como outra pessoa poderá usufruir desta relação única existente entre o pai ou a mãe e seu filho? O Senhor tornou isso possível, tornou possível vivermos e conhecermos a mesma relação amorosa que há entre o Pai e o Filho, que é a vida no Espírito Santo de Amor. Pelo Amor de Jesus cada um de nós é amado pelo Pai como filho único. E saber que os demais são amados tal como eu, torna possível, finalmente, uma nova vida nesta terra: vida de filhos, vida de irmãos.
“Como o Pai me ama, assim também eu vos amo”. Como? A “Cruz” nos revela que é dando-se, amando em excesso, em estremo amor, amor sem freios e sem obstáculos, incondicional. Que eu não me esquive desse Amor que se lança sobre nós.
- “Perseverai no meu amor” (v. 9). Não nos vendamos, não nos traiamos, mas nos “alojemos” no Amor que Jesus há para conosco, aquele mesmo Amor que o Pai tem para com Ele. É uma aposta de vida. A minha “estadia”, o meu “cantinho”, é o Amor que o Pai tem para com o Filho, é o meu respiro. E, assim, posso amar o Pai como o Filho o ama, e aos irmãos eu amo como o Pai e o Filho amam. E eu me amo como filho do Pai. Tais augustas revelações vêm ao encontro de um coração que não se traiu, de um coração que se descobre e se mantém sedento de verdade, de beleza, de pureza, de bondade: sede de amor incondicional e sede de eleger a Deus como Senhor de sua vida, o Deus amante revelado por Jesus.
- “Se guardardes os meus mandamentos, habitareis e sereis constantes no meu amor, como também eu guardei os mandamentos de meu Pai e persisto e habito no seu amor. ... Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo” (vv. 10-12).
Temos um mundo interior que anseia por água viva! Jesus, aqui, explicitamente nos ensina como “estacionaremos” na casa do Amor, como ficaremos entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, como resolveremos nossa vida encontrando a Paz. Deus nos ama nos querendo bem, nos dando sua vontade, seu desejo, seu mandamento. Então... seu mandamento nos “lança” em sua morada de Amor: “... amai-vos uns aos outros, como eu vos amo”. É amando “alguém” que conheço, moro, no Amor com este “alguém”: Um rapaz doente de lepra admirado de como Madre Teresa cuidava dele, lhe perguntou: “Madre, como a senhora consegue cuidar de mim com tanto carinho e amor?” Ela respondeu: “Porque eu também sou amada demais”. O rapaz disse: “Deve ser uma pessoa e tanto, um grande homem”. E Madre Teresa: "É, sim, verdadeiramente um grande Senhor!". Era desta maneira que Santa Madre Teresa de Calcutá vivia “estacionada” em Deus, no Amor, seu grande Senhor.
- “... como eu vos amo”. A Palavra de Deus sempre nos desafia. Amar não como a si mesmo, mascomo Ele nos amou. Um segredo nos foi revelado. Não adiante andar por aí atrás de fábulas religiosas, templos, líderes religiosos e de gurus. O melhor caminho foi indicado: “Amai como eu vos amo”. Tal caminho combate aquele “espírito” que nos leva a querer amar somente quem decidimos de amar, e estabelecer quem é digno e quem merece o nosso interesse, nosso zelo e atenção. O Senhor nos dá um “dever de casa” que vale a pena começar....a praticar.
- “Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa” (v. 11). Oxalá a “alegria, o exulte” de Deus habite em nós. Somos chamados ao “exulte” de Deus. Se existem tantos “amores” e tantos prazeres sem alegria, sem felicidade, então a marca do amor verdadeiro é alegria que o acompanha. A alegria aqui falada é a realidade procurada por nós homens durante toda vida. Um bom termômetro de nossa qualidade de vida é verificar se onde e como estamos vivendo temos alegria ou não. Ora, a alegria do Senhor tem raiz no Amor recíproco entre o Filho e o Pai. O Senhor deseja que entremos neste circuito amoroso, respondendo ao seu amor amando aos demais.
“Alegria completa”, “ Paz que o mundo não dá”, “Coragem, eu venci o mundo”... “Palavras-desejos” de Jesus para que nossa vida ganhe expansão, se torne esplendente, plena, transbordante, não mesquinha. Que nossa vida se faça, se torne real com todas as suas boas potencialidades, cresça e dê o melhor de si, muitos frutos.
Se é “alegria completa” é plena, não depende das circunstâncias (mesmo com dificuldades financeiras, de saúde, dramas e tribulações de toda ordem, não perdemos a Paz – cf. Rm 8, 35-39), pois é “alegria interior” gerada pela realidade de sermos amados por Deus. A “Alegria completa” é sentir-se querido e em direito de existir; é ter descoberto a própria missão e o motivo de aqui estar para algo de importante.
- “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos.Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai” (vv. 13-15). O amor se realiza no amor recíproco, no amor entre amigos. Recebendo, acatando o amor de Deus por nós é que nos tornamos seus amigos, passamos a ter a mesma vida do Senhor e teremos amigos por quem oferecer a vida.
Dar a vida é ofertar a própria alma, a própria vitalidade, aquilo que faz vivo uma pessoa. A melhor “coisa” que alguém possa ter, será aquela “coisa” que faz possível esta pessoa se levantar, ter esperança, fé e caridade, aconteça o que acontecer. Demos isso, passemos adiante. Que os pais possam transmitir aos seus filhos a compaixão, a alegria, a fé no Deus revelado por Jesus, o respeito, a honradez, a honestidade de vida. Dar a vida é manter-se vivo, é alimentar nossa fé no Deus vivo, é colaborar para que “alguém” se erga, seja grato, tenha sentido na vida, dê frutos....
Um dia, um mestre, entrando improvisamente em sua casa, flagrou o ladrão. O mestre lhe disse: “Que procuras?” Admirado com a calma do mestre, respondeu o ladrão: “Preciso de dinheiro!”. O mestre deu-lhe um diamante que tinha ganhado no dia de sua consagração. O ladrão pegou o diamante e saiu todo feliz! Porém, não conseguiu dormi naquela noite, e se dizia: "Como foi que ele me deu a coisa mais preciosa que tinha?”. No dia seguinte procurou o mestre e lhe disse: “Mestre, eis aqui teu diamante de volta. Peço-te, porém, “aquilo” que te fez capaz de me dar o diamante”. O mestre lhe disse: "Vem e segue-me!". E, assim, o ladrão chegou a encontrar “aquilo”, aquela riqueza que não se vende e que não se compra.