Homilia do X Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago
X Domingo do Tempo Comum
Marcos 3, 20-35
Certas coisas acontecem em nossas vidas, passamos por momentos difíceis, também. No Evangelho deste domingo ficamos sabendo que Jesus se via de tal maneira envolvido pela multidão que nem mesmo tinha tempo para comer. Depois teve que lidar com a incompreensão até dos parentes mais próximos que o consideravam “surtado” e que tentavam impedir sua missão. E o que dizer dos escribas, os teólogos da época? Eles declaravam que Jesus se encontrava possuído por certo demônio chamado Beelzebul ((Demônio associado à morte, pestilência e crueldade, também chamado o deus das moscas ou o próprio Satanás ou Diabo). De outro lado Nosso Senhor encontra uma família que lhe é fiel e compreensiva: “ ... a multidão, que estava sentada ao redor dele”, que se dispõe a fazer a vontade de Deus.
Não basta saber (Os escribas sabiam). Não basta gostar de Jesus (Seus parentes gostavam d´Ele). Faz-se necessário escutá-Lo (“... a multidão, que estava sentada ao redor dele ... Aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”).
Comentários
20."Dirigiram-se em seguida a uma casa. Aí afluiu de novo tanta gente, que nem podiam tomar alimento. 21.Quando os seus o souberam, saíram para o reter; pois diziam: "Ele está fora de si." ...“Chegaram sua mãe e seus irmãos e, estando do lado de fora, mandaram chamá-lo” (v. 31).
Em outra passagem narra-se que Maria “guardava a Palavra e a meditava em seu coração”. Isso revela que Nossa Senhora também levou um tempo para “entender”. Precisou guardar e meditar a Palavra. Por isso os “santos padres” diziam que o cristão deve contemplar e considerar Maria primeiramente como mãe na fé, mãe que escuta a Palavra, mãe que se faz discípula do seu filho. Escutando com a mente e o coração ela concebe, acolhe a Jesus. Assim, ela se torna modelo para todo cristão que procura acolher a Jesus e gerá-Lo enquanto escuta a Palavra e por ela – a Palavra - é convocado, chamado.
- Mandar chamar a Jesus! Que pretensão! Isso demonstra uma negação, pois negam de “estar com Ele ali onde se encontra”, pois, na verdade, querem de todas as maneiras que “Ele esteja com eles onde eles quiserem”. Quando tentamos reduzir Deus aos nossos cânones, ao nosso bom senso, ao nosso interesse, ao nosso egoísmo, criamos algo como uma magia, uma teologia da prosperidade ou um infantilismo religioso que se nega a entrar em diálogo profundo com Deus procurando sua Vontade, sua Palavra, sua Convocação. Devemos reconhecer que tal atitude é muito comum. De fato, em nossos relacionamentos não é raro a tentativa de sequestrar as pessoas através de jogos de sedução e manipulação, em querer “comprar”, usar e abusar do outro. Escutemos a Palavra, saiamos da estupidez, escutemos a Sabedoria que sana nossos relacionamentos (marido e mulher, pais e filhos, comunidades). Aceitar ser chamado por Ele e não se meter a chamá-Lo é rendição, é acatar seus desejos, seus ensinamentos, suas atitudes. Por exemplo, é aceitar pôr de volta a espada na bainha como disse a Pedro, rezar pelos que nos perseguem, confiar no Pai em qualquer situação (“Pai, em tuas mãos...”), não descriminar os pobres (“Deixai vir a mim as crianças....”), oferecer perdão (“Mulher... eu também não te condeno, vai em paz....”), dar prioridade ao Pai do Céu (“... e de madrugada, em meio a escuridão, Jesus levantou-se, retirou-se para um lugar deserto, onde se pôs a rezar), apostar la liberdade dos filhos de Deus (“O homem não foi feito para o sábado...”).
Infelizmente resistimos como os escribas e afirmamos ou nos perguntamos diante da Boa-Notícia de Jesus: “Vale a pena?”. “O quê ganho com isso?”. “Prefiro minha tranquilidade”. “Isso não tem sentido!”. Ora, chamam e querem deter a Jesus (“Quem deve chamar quem?”). “Se eu te chamo, eu te mando”. É uma tentativa de sequestro, de domesticação, de encaixar (Pôr em caixas), de engavetar. Em vista de quê? Na verdade se dão conta que a Palavra de Jesus intimida nossa agressividade que fere o outro, nos convida a deixar de usar o outro como mero desfrute ou “espaço” de indiferença e nos chama também a adorar ao Pai do Céu e não mais adorar a si mesmo.
Jesus resiste, não vai aos que o chamam. Resiste como outras vezes (Afastou Pedro, não prometeu os primeiros lugares aos irmãos João e Tiago, não fez milagres para Herodes). Se Jesus “fosse na deles” cairia numa armadilha, endereçaria sua vida por outros caminhos. Quais caminhos? Uns queriam que Ele se vingasse dos romanos; outros que Ele criasse uma comunidade marcada por mestres que só mandam e não servem e por servos que só servem; outros que usasse de sua sabedoria e força para se “dar bem” somente com seus parentes.
Como todo homem, um dia Jesus teve que decidir por qual caminho enveredar. Pegou sobre si o “destino” do servo sofredor amante da humanidade. Nele encontramos o amor encarnado em suas palavras de sabedoria, gestos e toques de Presença. Amor que se encarna no perdão que se oferece, na misericórdia que cura, na Cruz que não mede esforços e sacrifícios para nos salvar, nos encontrar, nos fazer conhecer o verdadeiro rosto do Deus Altíssimo. Por quais caminhos enveredamos? Qual “destino” “jogamos” em nossas “costas”? Destino de sabedoria ou destino de estupidez? (cf. Mt 7, 21ss).
22.Também os escribas, que haviam descido de Jerusalém, diziam: "Ele está possuído de Beelzebul: é pelo príncipe dos demônios que ele expele os demônios." 23.Mas, havendo-os convocado, dizia-lhes em parábolas: "Como pode Satanás expulsar a Satanás? 24.Pois, se um reino estiver dividido contra si mesmo, não pode durar. 25.E se uma casa está dividida contra si mesma, tal casa não pode permanecer. 26.E se Satanás se levanta contra si mesmo, está dividido e não poderá continuar, mas desaparecerá. 27.Ninguém pode entrar na casa do homem forte e roubar-lhe os bens, se antes não o prender; e então saqueará sua casa.
- Devemos lembrar que os escribas eram os expertos nas Sagradas Escrituras. Conheciam muito bem a Bíblia, mas, no entanto, acusavam a Jesus de ser só um espertalhão, malicioso e maldoso, que fazia uso de truques e poderes diabólicos para dominar as pessoas. Os parentes diziam que Jesus tinha surtado (“fora de si”) e os escribas diziam que estava possuído por Beelzebul. É verdade! Podemos interpretar as pessoas, dizer coisas dos outros que nada tem a ver com a realidade das pessoas. Isso deve-se aos nossos fantasmas e interesses, aos nossos juízos (“pré-juízos) e às nossas defesas. Nosso Senhor responde aos escribas e podemos muito bem imaginar Ele dizendo: “Certamente o reino do mal chegou ao final, pois se eu expulso demônios, sou eu o homem forte que saqueia a casa de Satanás. Mas não é por Beelzebul – como vocês dizem - que o reino do mal é derrotado, mas pelo Leão da tribo de Judá, o Cristo, que traz, assim, libertação para os filhos de Deus.
28."Em verdade vos digo: todos os pecados serão perdoados aos filhos dos homens, mesmo as suas blasfêmias; 29.mas todo o que tiver blasfemado contra o Espírito Santo jamais terá perdão, mas será culpado de um pecado eterno." 30.Jesus falava assim porque tinham dito: "Ele tem um espírito imundo."
Somente o pecado de oposição ao Espírito Santo não será perdoado. O Senhor estava entre os escribas, estes viram Jesus aproximar-se de Levi e dos pecadores para dar-lhes presença misericordiosa, uma boa-notícia, o perdão. Eles assistiram Nosso Senhor aliviar o sofrimento do homem da mão seca, da sogra de Pedro, do paralítico, do leproso e de tantos outros que jaziam em pecados, culpas e tormentos mentais e espirituais (endemoniados). Era o Espírito Santo agindo. No entanto..... negam a bondade, a misericórdia, o perdão. São resistentes, resolutos na defesa de seus perversos juízos, interesses e ações. Consideram-se não necessitados de perdão. Julgam-se não deverem nada a Deus e a ninguém. Bastam-lhe a lei por cumprir e a sentença e pena quando não se cumpre a lei. Ou ainda quando, talvez, descumprir a lei, basta arrumar um jeito de encontrar uma auto-justificação, porém amor, misericórdia e perdão não fazem parte do seu vocabulário.
Sem Espírito Santo o homem permanece “enjaulado”, acorrentado, na angústia ou no cinismo. Na angústia enquanto se vê entre a lei e a culpa por ter infligido a lei. No cinismo quando faz de conta que não fez nada de mais. Viver do Espírito é receber o perdão, isto é, a herança do Pai, viver da Vida d´Ele. Reconhecer os próprios pecados é passar a viver de misericórdia, não da própria justiça; é amorosamente procurar “mudar” como resposta Àquele que nos amou por primeiro, e como consequência passar-se-á a “lidar” com os semelhantes da mesma forma como se viu tratado pelo próprio Deus.
Podemos também dizer que o pecado contra o Espírito Santo seja uma “aversão”, uma decisão pelo afastamento aos apelos do Espírito Santo manifestados em Jesus (Lembremos aqui das curas, do perdão, dos ensinamentos, de sua bondade, etc.). Nossos atos pecaminosos, atitudes de revanche e obras de aversão ao Espírito nos colocam numa situação: ficamos fixados e passamos a “fixar residência” naquele lugar que nossos atos, atitudes e obras nos levaram (Reduzidos à maldade). Aprisionados ficamos e simplesmente perdemos a força de querer aderir ao Reino: o poder do pecado acampou em nós, estamos dominados e passamos a aderir somente ao poder das trevas. “...todo o que tiver blasfemado contra o Espírito Santo jamais terá perdão”.
32.Ora, a multidão estava sentada ao redor dele; e disseram-lhe: "Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e te procuram." 33.Ele respondeu-lhes: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" 34.E, correndo o olhar sobre a multidão, que estava sentada ao redor dele, disse: "Eis aqui minha mãe e meus irmãos. 35.Aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe."
Sentar é a marca característica do aprendiz, do discípulo, de quem quer alguma coisa séria na vida, que valha realmente a pena. Sentar para escutar a Palavra, para fazer-se dócil aos apelos do Espírito e para seguir “Aquele- Caminho”, a Verdade que oferece Vida. Fazer minha a vontade de Deus me faz “parente” de Jesus. Ora, a vontade de Deus, seu desejo, é mesmo aquele que escutemos ao seu Filho. Assim seremos irmãos e mães do Filho de Deus, filhos do Pai, filhos que dão frutos divinos tal como a mãe de Jesus que o gerou na fé: “Meu filho, eles não tem mais vinho”, está na hora, chegou sua hora de nascer, faça alguma coisa por eles.