Homilia do XI Domingo do Tempo Comum - ano A / Frei João Santiago
XI Dom Comum Marcos 4, 26-34
"Dizia também: O Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. 27.Dorme, levanta-se, de noite e de dia, e a semente brota e cresce, sem ele o perceber. 28.Pois a terra por si mesma produz, primeiro a planta, depois a espiga e, por último, o grão abundante na espiga. 29.Quando o fruto amadurece, ele mete-lhe a foice, porque é chegada a colheita. 30.Dizia ele: A quem compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos? 31.É como o grão de mostarda que, quando é semeado, é a menor de todas as sementes. 32.Mas, depois de semeado, cresce, torna-se maior que todas as hortaliças e estende de tal modo os seus ramos, que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra ...”.
- “O Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra” (v. 26). A irrupção! O Reino de Deus, a Palavra de Deus semeada, proclamada, lida e testemunhada com obras e fatos é uma irrupção, uma novidade que nos “tira do sério”, nos incomoda e nos desinstala do costumeiro. Tirando-nos do costumeiro nos desnorteia, e nos desnorteando traz uma nova luz, um novo horizonte, uma nova vida jamais imaginada. Vamos, irmãos e irmãs, receber a semente da Palavra e vamos semear (“E não contar historinhas no altar”).
Pois é....o Reino de Deus, Deus reinando, a Luz clareando, a Raiz sustentando é um outro modo de viver sobre a terra. O Reino de Deus é o próprio Deus, sua ação, sua Palavra acontecendo (“Meu Pai trabalha sempre”, disse Jesus). O Reino é como a semente lançada na terra: o Reino conquistará nosso coração? O certo é que a semente germina até lá onde ninguém espera (Afinal, uma semente tão pequenina como da mostarda é levada pelo vento e cai até entre fendas e onde um pouco de terra existir). Semeemos, portanto, entre nossos filhos, em nossas famílias, entre todas as pessoas e em todos os ambientes que circundam nossas comunidades, pois, certamente, mais cedo ou mais tarde, frutos virão.
Antes de crescer em outra forma qualquer, a semente quer germinar e se fazer planta na minha pessoa. Se eu não me traio, se sigo o meu chamado e missão, me torno o melhor de mim, o máximo de mim e de minhas forças e potencialidades, me torno semente, também.
Todos sabemos que uma semente é uma potência, pode gerar uma planta. Pois bem... A potência de uma semente é ofertar-se, é oferecer seus frutos e sua sombra. Que todos nós possamos um dia dizer como o Senhor: “Tomai todos, comei, bebei, aqui sou e estou eu”. A potência de uma semente é doar a própria plenitude aos demais, pois nenhuma semente vive para si.
Havia uma águia que vivia como uma galinha. Minha negação da semente lançada, do Reino de Deus, me estabelece no galinheiro.
- “Dorme, levanta-se, de noite e de dia, e a semente brota e cresce, sem ele o perceber. Pois a terra por si mesma produz, primeiro a planta, depois a espiga e, por último, o grão abundante na espiga” (v. 27-28). Assim como o mal contém em si mesmo o gérmen da própria destruição, assim o bem tem em si mesmo o gérmen da vida e de tudo o que serve para “somar”, produzir, construir. O bem cresce por si mesmo de maneira incessante. Antes do dia, do sol raiar (levantar-se) temos a noite (dormir), e, assim, os dias da vida vão passando e o semeador com paciência espera a semente brotar. A luz sempre vence, assim também a semente lançada, a vida feita semente, sempre é produtiva, cumpre o que promete, é fiel.
O tempo! O tempo de Deus e o nosso tempo. A força contida na semente nós não conhecemos, não estar ao nosso dispor, não obedece aos nossos cálculos e nem ao nosso imediatismo. A força da semente se faz valer em forma de planta, mas não esqueçamos que somente depois que a semente é toda desfeita no ventre da terra é que ela gera o broto, se transforma em planta. Tendemos a querer que Deus faça nossas vontades sem ao mesmo tempo não ceder em desfazer-se do homem velho marcado pela cobiça dos olhos e da carne e pela soberba da vida. Toda magia e teologia da prosperidade caminham nesse rumo: quer o fruto sem se fazer semente lançada na terra.
- “Quando o fruto amadurece, ele mete-lhe a foice, porque é chegada a colheita” (v. 29). Que alegria! A semente deu frutos, alimentará, trará alegria para muitas famílias. O fruto da semente não se nega, se entrega, se deixa colher. Falar de fruto maduro é falar que alcançamos aquilo que deveríamos alcançar, é coisa boa, maravilhosa. É o sentido do viver. É morrer “saturado” de alegria e contentamento. É como colar grau depois de anos de labuta e sacrifício. Jesus fez isso na instituição da Eucaristia e em toda missa realizamos e comungamos desse ato, do ato de júbilo em conseguir o máximo de nós, nossa maior conquista: expandir a própria vida enquanto fazemos dela um alimento aos demais, tal como uma mãe que se vê no esplendor da maternidade quando amamenta ao seu filho.
Deixemos a semente fazer seu serviço. Há coisas que somente eu posso fazer e decisões que só eu posso tomar. E há coisas que eu não posso fazer e decisões que não posso tomar: quem não lembra do povo de Deus encurralados entre o mar e os cavalos, carros do Faraó, os seus cavaleiros e o seu exército? E quem não lembra que o mar tornou-se em seco, e as águas foram partidas. E os filhos de Israel entraram pelo meio do mar em seco ... E que assim o Senhor salvou Israel naquele dia da mão dos egípcios; e Israel viu os egípcios mortos na praia do mar? Cf. (Ex 14).
O quê o homem pode fazer em meio a uma violenta tempestade? Resta somente esperar que a “semente” se levante, dê seu fruto: “... Então ele se levantou e repreendeu os ventos e o mar, e fez-se completa bonança” (cf. Mt 8, 24-26).
Conheci um rapaz que morreu em sua juventude. Exagerou em tudo. Parecia até que estava só no mundo, que seria ele mesmo a gerar em si a total felicidade e satisfação. Para ele diríamos: “Se não for o Senhor o construtor da casa, será inútil trabalhar na construção. Se não é o Senhor que vigia a cidade, será inútil a sentinela montar guarda. Será inútil levantar cedo e dormir tarde, trabalhando arduamente por alimento. O Senhor dá o pão aos seus filhos enquanto dormem” (Sl 127).
Há certas escravidões que não saímos sem a “graça”: Quando o Senhor trouxe os cativos de volta a Sião, foi como um sonho” (Sl 126).
- “Dizia ele: ‘A quem compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos? É como o grão de mostarda que, quando é semeado, é a menor de todas as sementes. Mas, depois de semeado, cresce, torna-se maior que todas as hortaliças e estende de tal modo os seus ramos, que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra’” (v.30-32).
Já viram crianças escutando uma “história” pela primeira vez? A fantasia vai longe... Escutar uma novidade ou algo atraente como traz satisfação, regozijo e deleite! Isso acontece porque no fundo no fundo “desconfiamos” que exista, de fato, uma maravilha maior. A maravilha maior que Jesus nos conta se chama “Reino de Deus” (“O Reino de Deus é com um grão.....; o Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra”).
O Reino, a maravilha maior, é como uma semente, como um grão de mostarda. A mostarda é um arbusto que alcança no máximo 2 metros, sua semente é a menor entre todas da terra. Podemos muito bem imaginar uma concorrente ao “pé de mostarda”, e se chama “cedro”. O cedro chega a alcançar 60 metros de altura (como a um prédio de 20 andares). O profeta Ezequiel imaginava o Reino como um cedro (cf. Ez 17, 22-23), como um grande império que dominaria todos os reinos e teria como submissos todos os povos. Anunciando o “Reino” como um grão de mostarda, Jesus está dizendo: “Convertei-vos e crede no Evangelho” e parem com certas manias de grandezas.
A vida é outra coisa. No entanto, insistimos em buscar a vida em cisternas rachadas (cf. Jer 2, 13), em valorizar muito mais o extraordinário do que o ordinário, mais o majestoso do que o costumeiro, dando mais atenção ao “metido” e que se vê de longe do que às pessoas comuns e que estão ao nosso lado. “Adoramos” mais as celebridades inacessíveis do que os comuns dos mortais. Para não encontrar e tolerar o próximo dito sem graça (o pequeno) fazemos longas viagens atrás do sensacional e grandioso. Multidões seguem charlatões, hipnotizadores de massas, pois como o “cedro” nos atrai enquanto fantasiamos grandezas e poderes ilusórios. O pé de mostarda não se serve a tal fim, não fascina, não engana, não seduz, não ilude. A potência do cedro nos fascina enquanto nos promete: “... sereis como deuses”; “E disse-lhe o diabo: ‘Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem quero’”.
Cedro ou mostarda? Sabemos muito bem que neste mundo as pessoas concorrem, disputam, brigam e guerreiam para ver quem é “o tal” (cf. Mc 9,33ss; 10,37). Jesus tenta nos mostrar o caminho para a Vida recebendo o mais frágil da nossa comunidade, ensinando que quem não chegou a amar ainda não sabe para que veio a este mundo, revelando que ser o primeiro é servir. O outro não pode se tornar meu concorrente, o outro tem voz e vez e não pertence à mim, não pode se tornar uma peça do meu jogo. O outro é para ser acolhido e servido a fim de recuperada suas forças fique de pé e caminhe, realize seu chamado, responda ao Senhor, não à mim.
Escolhendo a mostarda e não o cedro, naquele dia eu me terei tornado uma semente de mostarda, um pé de mostarda que “serve para servir”, enquanto serviço é a verdadeira face de produtivo. “Convertei-vos e crede no Evangelho”: a mostarda, não o cedro, representa muito bem a grandeza de Deus.
A grandeza de Deus, sua existência e potência, passa pela minha transformação, não pela minha ostentação. Passa pela magnífica descoberta do sentido maior para que se veio a este mundo. É motivo de alegria e de júbilo. Mas não esqueçamos que os ídolos mortíferos e destruidores das famílias, das nossas comunidades e do nosso mundo fascinam, pois tem grandeza também (cf. Dn 2,31-35) Não esqueçamos que são ídolos, portanto, o máximo que conseguem é enganar, iludir.
A grandeza de Deus. A semente de mostarda vence o ventre da terra, as potências do mal e da morte ( tal como o corpo de Cristo que se levanta do sepulcro), dá fruto, se torna, não um cedro enganador, mas a maior entre as hortaliças, capaz de acolher muitos tipos de pássaros. É bonito ver uma paróquia que acolhe, que não espanta os frágeis por causa de seu jeito, de seus pensamentos, de suas condições físicas e psíquicas. O pé de mostarda serve para revela o Reino, pois ela ao mesmo tempo que é uma humilde hortaliça gera frutos e ainda acolhe os pássaros, os que não se acham dignos. Temos aqui uma grandeza e beleza divinas que deveriam nos chamar atenção, ser fonte de atração. São Francisco um dia disse: “É isso que eu quero de todo o coração”. Então... cedro ou mostarda? A cruz ou a espada? Pilatos ou Jesus? A ostentação ou a transformação?