Homilia do XIV Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago
XIV Domingo Comum - ano A - (Mateus 11, 25-30)
Como é Jesus, qual seu rosto? Lendo de uma só vez a passagem deste domingo podemos perceber a disponibilidade que é o coração de Jesus, o seu rosto:
“Por aquele tempo, Jesus pronunciou estas palavras: Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos. ... ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelá-lo. Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve”.
O homem Jesus se mostra, assim, envolvido pelo amor divino, amor este que se sacrifica em serviço, e não pode não fazê-lo, pois seu coração, seu rosto, é só disponibilidade, é só amor.
- “Eu te bendigo....” . Jesus bendizendo nos ensina a bendizer a Fonte de tudo o que me faz bem. Bendizer pelo esposo, esposa, filhos, o bom sucesso na vida, o conforto e bens merecidos, a saúde, o trabalho, o descanso. Se não bendigo a Deus, corro o perigo de idolatrar as coisas e pessoas, e termino estragando as mesmas coisas e pessoas. Bendizer é liberdade, é sair de si e reconhecer ao Criador como “dono” de tudo; é se deixar levar pelo êxtase, pelo mistério divino presente em tudo, em acontecimentos, em pessoas.
- “Pai, Senhor do céu e da terra”. Um genitor só se sente “pai” no dia que seu “filho” assim o chamar. Uma criança só se sente “filho” também no dia que reconhece o “pai” e é reconhecido por este. Quanto é importante a nossa oração a Deus como “Pai”. Assim Jesus nos ensinou. Desta maneira não nos sintamos meras criaturas, mas “filhos”. Que a nossa esperteza e interesses mesquinhos, que a “força do nosso querer” não nos tire a “infância espiritual”, a capacidade de dizer “Abbá, ó Pai!”. “Abba” é dito por crianças, é linguagem infantil, é próprio de quem se sente filho amado, é próprio de quem precisa, deseja e pede um dom, o dom do Pai. “Abbá” é dito quando ainda não se sabe outras palavras (exceto “mãe”), quando a criança tem o foco no pai e na mãe. Não há outros interesses, outros desejos, outras preocupações que dilaceram nossas relações. A vida da criança, neste período, é dominada pela presença do pai e da mãe. Que um dia o nosso foco seja o “Pai”. Naquele dia nossas comunidades, famílias, nossa humanidade, realmente, serão de irmãos.
Já conheci pessoas serenas, mesmo em meio à tempestade de qualquer ordem ou tipo. Não eram pessoas resignadas, tristes, mas pessoas confiantes, sabedoras e certas de que jamais estariam sozinhas. O segredo delas? Viam-se e sentiam-se no Reino, gozavam das bem-aventuranças e do Espírito Santo. O Evangelho de hoje atesta que os “pequenos” veem o Reino, e atesta também que o Reino esta velado, escondido aos sábios e entendidos, isto é, aos “espertos” e calculistas – que não dizem “Abba” - que não acordam ou não querem ver o Reino mostrado pelo coração manso e humilde que é Jesus.
Sábios e entendidos ou “espertos” e calculistas são pessoas que sabem muito bem orquestrar os próprios interesses financeiros e de poder, mesmo passando por cima dos demais. Orquestram laços afetivos e amizades para a própria satisfação. Sabem utilizar pessoas, a religião e o religioso. A sabedoria que possam ter não se torna relação de amor, mas relação para se defender ou aproveitar do outro. E, assim, o mundo caminha... Os “espertos” e calculistas levarão em frente a própria vida. Mas..., Jesus afirma, não conhecerão a alegria de terem um Pai, não encontrarão repouso, mas um jugo pesado (os frutos da própria esperteza e cálculos).
Os aflitos, encurvados. Toda sociedade tem os seus aflitos, encurvados. Pessoas que não conseguiram ficar de pé e os vemos cambaleando pelas ruas e sarjetas. Sofrem bullyng, não conseguem “pagar” bênçãos vendidas em certos lugares “religiosos”, não encontram quem os escutem, padecem enfermidades (por exemplo, o alcoolismo, o vício do jogo), sofrem distúrbios mentais, não tem chance de ressocialização, carregam culpas, sofrem opressão de outrem, etc. A lista é quase infinita. Mas... o mais marcante do aflito é a falta de paz interior, de estar em paz com Deus. O coração santo de Jesus se dirige ao aflito, afinal o aflito é pura demanda, é pura espera de repouso num coração amante. Por isso, Jesus gostava de dizer: “Vai em paz! Teus pecados estão perdoados”; “Levanta-se e anda”; “Eu também não te condeno”; e coisas afins...
“Eu sou Manso”, isto é, Jesus escuta, acolhe, padece o que o outro diz e sente. É o contrário do indiferente, daquela pessoa que faz pouco caso diante da precisão alheia. O “manso” gera felicidade, pois quem não se sente feliz quando é escutado, acolhido, considerado?
“Manso”, podemos nos tornar. A “escola da vida” com suas durezas, com a graça de Deus, nos ensina a ser “mansos”. Aquele que se tornou manso tem mais sabedoria, é mais compreensivo consigo e com os outros, considera os fatos com mais serenidade, não se desespera diante de dificuldades e nem se deixa iludir por falsos entusiasmos.
Eu sou humilde de coração. Humildade é a coragem de se olhar como se é, sem fugir e nem mentir de si mesmo. O contrário do humilde é o presunçoso, aquele que “se acha” e também opina demais sobre tudo e os demais. Uma característica forte do humilde é a consciência de que o abismo no qual o outro caiu.... também se pode cair. O humilde também “gosta” de considerar o outro tanto importante quanto ele próprio, ou até mais. Não será por isso que Jesus entendeu a nós tão valiosos que deu a própria vida por nós?
Ser feliz, gozar de alívio e repouso? Tantas opiniões pelo mundo afora e em nossas mentes. Jesus apregoa que podemos ser felizes, sim; podemos ter alívio e repouso. Tomemos seu jugo, sua doutrina, sua cruz: há em cada um de nós um latejar por se fazer dom. Não custa tentar!
O jugo suave e o peso leve. O jugo de Jesus Cristo, o Senhor. O jugo de um ditador, de um tirano, esmaga sempre os demais. O jugo do Senhor, sua autoridade, se faz serviço, se faz mansidão. Ah, se todos que detém poder (político, religioso, comunitário, familiar, policial, de educação) usassem a própria força a serviço do bem!
O poder de Deus não nos tiraniza, não nos esmaga. A glória de Deus é que o homem viva, dizia um cristão antigo. A vida de fé, para quem frequenta a Igreja, não pode ser uma vida de angústia. A autoridade do nosso Deus, o seu jugo sobre nós, é a sua cruz, pura expressão de amor por nós. É um jugo, um peso leve, pois exige uma resposta, mas não uma resposta estranha à nós, afinal, faz bem ao ser humano amar e ser amado. Não pode ser uma fonte de angústia praticar o “jugo” do Senhor, fazer da vida uma oferta. Na verdade, é o melhor investimento a fazer com a vida. Quem já viu uma mãe triste ao ver seu filho esperado vir ao mundo, mesmo depois de nove meses “complicados” com a gestação da criança? É um jugo suave e um peso leve, pois o serviço, o amor, o sacrifico é realizado por um “impulso” que nasce da nossa melhor parte, daquela criada à “imagem e semelhança de Deus”. Caro leitor, você lembra de Jesus quando ofereceram-lhe um “banquete” e ele não conseguiu comer, pois um impulso maior o levava ao encontro da população carente de suas palavras: “Tenho um outro alimento: fazer a vontade do meu Pai” (Jo 4, 34)? O que significa o fato de que a “comida” dele era fazer a vontade do Pai? Significa que ele se alimentava disso, que era a condição básica de sua sobrevivência. Se não o fizesse, definharia como quem não come. Oportunidades de servir, mesmo em momentos de cansaço e fome, eram o que lhe davam forças. “Peso leve, jugo suave!”