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Homilia do XIV Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 04/07/2020 - 10:39

XIV Domingo Comum - ano A - (Mateus 11, 25-30)

Como é Jesus, qual seu rosto? Lendo de uma só vez a passagem deste domingo podemos perceber a disponibilidade que é o coração de Jesus, o seu rosto:

“Por aquele tempo, Jesus pronunciou estas palavras: Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos. ... ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelá-loVinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve”. 

 O homem Jesus se mostra, assim, envolvido pelo amor divino, amor este que se sacrifica em serviço, e não pode não fazê-lo, pois seu coração, seu rosto, é só disponibilidade, é só amor.

- “Eu te bendigo....” .  Jesus bendizendo nos ensina a bendizer a Fonte de tudo o que me faz bem. Bendizer pelo esposo, esposa, filhos, o bom sucesso na vida, o conforto e bens merecidos, a saúde, o trabalho, o descanso. Se não bendigo a Deus, corro o perigo de idolatrar as coisas e pessoas, e termino estragando as mesmas coisas e pessoas. Bendizer é liberdade, é sair de si e reconhecer ao Criador como “dono” de tudo; é se deixar levar pelo êxtase, pelo mistério divino presente em tudo, em acontecimentos, em pessoas.

- “Pai, Senhor do céu e da terra”. Um genitor só se sente “pai” no dia que seu “filho” assim o chamar. Uma criança só se sente “filho” também no dia que reconhece o “pai” e é reconhecido por este. Quanto é importante a nossa oração a Deus como “Pai”. Assim Jesus nos ensinou. Desta maneira não nos sintamos meras criaturas, mas “filhos”. Que a nossa esperteza e interesses mesquinhos, que a “força do nosso querer” não nos tire a “infância espiritual”, a capacidade de dizer “Abbá, ó Pai!”. “Abba” é dito por crianças, é linguagem infantil, é próprio de quem se sente filho amado, é próprio de quem precisa, deseja e pede um dom, o dom do Pai. “Abbá” é dito quando ainda não se sabe outras palavras (exceto “mãe”), quando a criança tem o foco no pai e na mãe. Não há outros interesses, outros desejos, outras preocupações que dilaceram nossas relações.  A vida da criança, neste período, é dominada pela presença do pai e da mãe. Que um dia o nosso foco seja o “Pai”. Naquele dia nossas comunidades, famílias, nossa humanidade, realmente, serão de irmãos.

Já conheci pessoas serenas, mesmo em meio à tempestade de qualquer ordem ou tipo. Não eram pessoas resignadas, tristes, mas pessoas confiantes, sabedoras e certas de que jamais estariam sozinhas. O segredo delas? Viam-se e sentiam-se no Reino, gozavam das bem-aventuranças e do Espírito Santo. O Evangelho de hoje atesta que os “pequenos” veem o Reino, e atesta também que o Reino esta velado, escondido aos sábios e entendidos, isto é, aos “espertos” e calculistas – que não dizem “Abba” - que não acordam ou não querem ver o Reino mostrado pelo coração manso e humilde que é Jesus.

Sábios e entendidos ou “espertos” e calculistas são pessoas que sabem muito bem orquestrar os próprios interesses financeiros e de poder, mesmo passando por cima dos demais. Orquestram laços afetivos e amizades para a própria satisfação. Sabem utilizar pessoas, a religião e o religioso. A sabedoria que possam ter não se torna relação de amor, mas relação para se defender ou aproveitar do outro. E, assim, o mundo caminha... Os “espertos” e calculistas levarão em frente a própria vida. Mas..., Jesus afirma, não conhecerão a alegria de terem um Pai, não encontrarão repouso, mas um jugo pesado (os frutos da própria esperteza e cálculos).

Os aflitos, encurvados. Toda sociedade tem os seus aflitos, encurvados. Pessoas que não conseguiram ficar de pé e os vemos cambaleando pelas ruas e sarjetas. Sofrem bullyng, não conseguem “pagar” bênçãos vendidas em certos lugares “religiosos”, não encontram quem os escutem, padecem enfermidades (por exemplo, o alcoolismo, o vício do jogo), sofrem distúrbios mentais, não tem chance de ressocialização, carregam culpas, sofrem opressão de outrem, etc. A lista é quase infinita. Mas... o mais marcante do aflito é a falta de paz interior, de estar em paz com Deus. O coração santo de Jesus se dirige ao aflito, afinal o aflito é pura demanda, é pura espera de repouso num coração amante. Por isso, Jesus gostava de dizer: “Vai em paz! Teus pecados estão perdoados”; “Levanta-se e anda”; “Eu também não te condeno”; e coisas afins...

 

“Eu sou Manso”, isto é, Jesus escuta, acolhe, padece o que o outro diz e sente. É o contrário do indiferente, daquela pessoa que faz pouco caso diante da precisão alheia. O “manso” gera felicidade, pois quem não se sente feliz quando é escutado, acolhido, considerado?

“Manso”, podemos nos tornar. A “escola da vida” com suas durezas, com a graça de Deus, nos ensina a ser “mansos”. Aquele que se tornou manso tem mais sabedoria, é mais compreensivo consigo e com os outros, considera os fatos com mais serenidade, não se desespera diante de dificuldades e nem se deixa iludir por falsos entusiasmos.

Eu sou humilde de coração. Humildade é a coragem de se olhar como se é, sem fugir e nem mentir de si mesmo. O contrário do humilde é o presunçoso, aquele que “se acha” e também opina demais sobre tudo e os demais. Uma característica forte do humilde é a consciência de que o abismo no qual o outro caiu....  também se pode cair. O humilde também “gosta” de considerar o outro tanto importante quanto ele próprio, ou até mais. Não será por isso que Jesus entendeu a nós tão valiosos que deu a própria vida por nós?

Ser feliz, gozar de alívio e repouso? Tantas opiniões pelo mundo afora e em nossas mentes. Jesus apregoa que podemos ser felizes, sim; podemos ter alívio e repouso. Tomemos seu jugo, sua doutrina, sua cruz: há em cada um de nós um latejar por se fazer dom. Não custa tentar!

O jugo suave e o peso leve. O jugo de Jesus Cristo, o Senhor. O jugo de um ditador, de um tirano, esmaga sempre os demais. O jugo do Senhor, sua autoridade, se faz serviço, se faz mansidão. Ah, se todos que detém poder (político, religioso, comunitário, familiar, policial, de educação) usassem a própria força a serviço do bem!

O poder de Deus não nos tiraniza, não nos esmaga. A glória de Deus é que o homem viva, dizia um cristão antigo. A vida de fé, para quem frequenta a Igreja, não pode ser uma vida de angústia. A autoridade do nosso Deus, o seu jugo sobre nós, é a sua cruz, pura expressão de amor por nós. É um jugo, um peso leve, pois exige uma resposta, mas não uma resposta estranha à nós, afinal, faz bem ao ser humano amar e ser amado. Não pode ser uma fonte de angústia praticar o “jugo” do Senhor, fazer da vida uma oferta. Na verdade, é o melhor investimento a fazer com a vida. Quem já viu uma mãe triste ao ver seu filho esperado vir ao mundo, mesmo depois de nove meses “complicados” com a gestação da criança? É um jugo suave e um peso leve, pois o serviço, o amor, o sacrifico é realizado por um “impulso” que nasce da nossa melhor parte, daquela criada à “imagem e semelhança de Deus”. Caro leitor, você lembra de Jesus quando ofereceram-lhe um “banquete” e ele não conseguiu comer, pois um impulso maior o levava ao encontro da população carente de suas palavras: “Tenho um outro alimento: fazer a vontade do meu Pai” (Jo 4, 34)? O que significa o fato de que a “comida” dele era fazer a vontade do Pai? Significa que ele se alimentava disso, que era a condição básica de sua sobrevivência. Se não o fizesse, definharia como quem não come. Oportunidades de servir, mesmo em momentos de cansaço e fome, eram o que lhe davam forças. “Peso leve, jugo suave!”

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.