Homilia do XV Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago
XV Domingo do Tempo Comum - ano A - Mateus 13, 1-23
- “Naquele dia .... Disse ele: ‘Um semeador saiu a semear. E, semeando, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros vieram e a comeram (vv. 1-4)..... quando um homem ouve a palavra do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que foi semeado no seu coração. Este é aquele que recebeu a semente à beira do caminho’” (v. 19).
Podemos escutar a Palavra e, ao mesmo tempo, não permitir que “ela” se “aquiete” dentro de nós porque impermeáveis ficamos à Palavra. É como se a Palavra entrasse de um de um lado e saísse de outro. Achamos que “ela” não nos diga nada, que não seja para nós, e, assim, “ela” não cria raízes em nosso interior e não provoca nossa vontade, não gera novos pensamentos e não interage em nossas decisões. Simplesmente podemos considerar a Palavra como algo estranho ao nosso mundo: não tem nada a ver conosco, com a vida que se leva. É por este caminho que ao final não nos entregamos à “ela”. Por que tudo isso acontece se a terra e a semente são boas? A resposta é que o Maligno age, atua e arranca a Palavra que foi semeada em nossos corações do homem. Toda vez que escutamos a Palavra e a reduzimos à nossas opiniões, estamos “destruindo-a”. “Ora, todos fazem assim!”; “Se não fizermos desta maneira, não tem jeito!”. Tais são algumas expressões que usamos para afastar de nós a Palavra. Uma vez, Jesus anunciou que sua vida teria um desfecho glorioso através do dom de si. São Pedro reagiu, não aceitou a Palavra acerca do “dom de si”. Jesus, então, disse à Pedro: “Afasta-te de mim Satanás”. Deus tem sua Palavra que revela uma verdade e pede uma ação. Nós podemos ter a nossa verdade e decidir por um agir arrogante. É desta forma que o Maligno arranca de nós a Palavra. O Maligno quer nos convencer que a Palavra não tem nada a ver com o mundo real, com a vida concreta de cada dia.
Quê fazer para que a Palavra não me seja roubada? Eu devo insistir em escutar a Palavra até que “ela” se torne a mim familiar, e não algo estranho. A Palavra irá gerar em mim a fé que vence o meu mundanismo no pensar e agir, a fé que vence certas ações minhas que julgo impossíveis de deixá-las, a fé que vence tantos pensamentos maus que considero corretos.
- “Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco profunda. Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes (vv. 5-6). O solo pedregoso em que ela caiu é aquele que acolhe com alegria a palavra ouvida, mas não tem raízes, é inconstante: sobrevindo uma tribulação ou uma perseguição por causa da palavra, logo encontra uma ocasião de queda” (vv. 20-21).
“Tudo no início é flores”. Tal ditado cai muito bem nesta passagem bíblica. Quanta alegria pode haver ao conhecer e acolher a Palavra. A pessoa começa a perceber um crescimento humano e espiritual, sente em si as melhoras, as superações e o entusiasmo. Mas, quando surge uma dificuldade, retrocede, olha para trás, e diz “não” à Palavra. O medo se apodera daquele que tinha alegria por seguir a Palavra. Assim como há terra pedregosa (dura ou cheia de pedras), há também coração de pedra, coração morto de medo e que deixa de viver e palpitar. A alegria era muito superficial, pois internamente ainda se vivia em meio aos medos que “petrificam”. Certas expressões traduzem bem uma alma que vive em seus medos, que abandonou a Palavra e que deixou de sentir alegria: “É, eu sabia que era assim, que ia dar nisso”; “É inútil, não adianta”; “Tanto faz, pois não tem jeito mesmo e, afinal, tudo acaba”. O mundo de um coração petrificado é um mundo sem esperança, e viver sem esperança impossibilita a Palavra e seus frutos.
O Evangelho de hoje nos revela que a tribulação pode fazer com que o ouvinte da Palavra a abandone. Podemos afirmar que a dificuldade “só” serve para revelar o quanto pouca esperança, confiança, há no coração daquele que abandona a Palavra por causa de uma ou várias tribulações, sejam elas provenientes de fora ou mesmo de dentro de nós.
Quando nós procuramos viver a Palavra, certamente haverá perseguição, pois a Palavra luta contra o mal presente em nós e fora de nós. E se lutamos contra o mal, ele lutará contra nós. Neste embate ou batalha, faltando esperança, perderemos, pois deixamos de esperar toda vez que o “resultado” não sai do nosso jeito, não é imediato, não é “aqui e agora”.
Só a “esperança” não permite que a semente caia em terra pedregosa, ou seja, não permite que retrocedamos diante das tribulações, revezes e contrariedades. E a Palavra pode nos dar “esperança” que precisamos para não retroceder e cair?.
É bom deixar claro que os revezes da vida e as tantas dificuldades que podemos encontrar nos fazem perder as “esperançazinhas”, as ilusões e os ídolos que construímos e que são frutos de nossa fantasia. As dificuldades simplesmente aniquilam as “esperançazinhas” e os nossos castelos de areia não sustentam, não regem, certas tribulações. No entanto, sem “esperançazinhas” e sem castelos de areia, e diante das dificuldades, só nos resta pôr nossa esperança em Deus, o Senhor. A esperança no Senhor nos dará um coração novo, fará o coração viver, palpitar, e ainda apontará caminhos de ação diante das dificuldades e situações.
- “Outras sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as sufocaram (v. 7). O terreno que recebeu a semente entre os espinhos representa aquele que ouviu bem a palavra, mas nele os cuidados do mundo e a sedução das riquezas a sufocam e a tornam infrutuosa” (v. 22).
Aqui temos a terceira dificuldade ou empecilho que impede a semente gerar frutos. O cotidiano, o dia-a-dia, desgasta, cansa, e faz que até mesmo as melhores coisas, a maior das esperanças, a causa mais nobre, o amor maior e as suas juras, aos poucos, desapareçam. O fardo do cotidiano pode ser corrosivo e insidioso, e sem que nos apercebamos, sabotar um sonho bom, uma vocação, um casamento. Não é uma tribulação particular; é a preocupação normal de uma vida, de como viveremos, comeremos e vestiremos. Claro que temos que nos ocupar para bem viver. O problema é quando nos “pré-ocupamos” demasiadamente como se vivêssemos só para este mundo, e quando elegemos coisas e pessoas como ídolos garantes do meu presente e do meu amanhã. Não permitamos que falsas seguranças e ídolos criados por nós sufoquem a Palavra. É sábio entender que a vida não pode se resumir a “posses”, pois ela, a vida, exige também amor aos demais, fidelidade, fé em Deus, esperança no bem, amizade.
Para superar o fardo do cotidiano urge que a Palavra penetre o cotidiano e suas circunstâncias. Com a Palavra, o meu dia-a-dia se reveste de um amor vencedor que ordena as coisas que terei de fazer e as relações que terei com as pessoas no meu trabalho e na minha casa.
Acreditamos que Deus possa nos dar um amor por Ele. Só desta maneira seremos capazes de vencer todas as seduções, pois o homem se comporta segundo o amor que reina dentro dele. Somente Deus reinando em nosso espírito é que usaremos as “coisas da terra” tanto quanto nos servirão para amar a Deus e aos demais. Não nos deixemos reduzir a escravos das coisas, mas que as “coisas deste mundo” sirvam ao bem, estejam sob o domínio do nosso amor por Deus acima de todas as coisas.
- “Outras, enfim, caíram em terra boa: deram frutos, cem por um, sessenta por um, trinta por um (v. 8). A terra boa semeada é aquele que ouve a palavra e a compreende, e produz fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um” (v. 23).
Como vimos acima, a Palavra escutada, acolhida e compreendida, diante do Maligno e da nossa indiferença à Palavra, vencerá com a fé; diante de nossa dureza, medo e tristeza, vencerá com a esperança e confiança no Senhor; e diante da ilusão, seduções e vaidades do mundo, vencerá com o amor a Deus acima de todas as coisas.
Podemos, sim, passar a ser terra boa. A Palavra pode produzir muito em nós: mais do que esperamos. Podemos nos tornar a imagem e semelhança de Deus, mãe, irmão e irmã de Jesus (cf. Mt 12, 46-50), e, assim, em nosso mundo o Senhor da bondade passará a reinar.