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Homilia do XV Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 14/07/2018 - 11:08

XV Domingo do Temp Comum - ano B

Marcos 6, 7-13

Neste domingo lemos em nossas igrejas o Evangelho de Marcos 6, 7-13: “.... deu-lhes poder sobre os espíritos imundos; E ordenou-lhes que nada tomassem para o caminho, senão somente um bordão; nem alforje, nem pão, nem dinheiro no cinto; ...  E, saindo eles, pregavam que se arrependessem. E expulsavam muitos demônios, e ungiam muitos enfermos com óleo, e os curavam”.

Depois de terem falado mal d´Ele, da sua mãe e do seu pai...; depois de renegado (Evangelho domingo passado), Jesus continua seu trabalho dando uma missão aos doze apóstolos. Continuando a sua jornada humano-espiritual, Jesus, o Mestre, nos ensina a não pautar a vida segundo o que os outros dizem ou desejam sobre nós, pois a nossa própria vida deve ser conduzida pelo chamado interior: seguir a voz de Deus. Os gregos falavam de ataraxia para expressar a soberania de alguém perante as influências dos outros e das próprias emoções. Podemos, por vezes, cair na tentação, na tentação de viver reagindo às desejos perversos dos outros sobre nós (Quando dizem que não valemos muito; quando nos elogiam demais; quando nos tratam como meros objetos, etc). Jesus Cristo não se deixou abater. Partiu em busca de realizar o seu maior desejo latente, desejo de fazer a vontade do Pai: “... venha o teu Reino”. Jesus Cristo não parou quando renegado, mas manteve seu desejo vigoroso, atuante e vibrante. Sofria, ele, de uma forte atração: atração pelo Pai, pelo Reino do Pai, o amor aos pequenos.

- “Enviou-os dois a dois”.  Antes desse mandato Jesus ensinara os discípulos, mas não basta saber, pois urge praticar. Não basta demonstrar raciocinando, mas mostrar. Jesus provoca uma nossa situação na vida deles que os leva a fazer experiência de realidade. O contato real (não virtual) com as pessoas e com a natureza é saudável. Por aí é que vamos encontrar a Deus.     A educação deve gerar a confiança na criança e no jovem a fim de que eles acreditem na força e na potência que tem dentro de si. Jesus os mandou até mesmo realizar “curas” e expulsar espíritos impuros .... Jesus acreditava neles e acredita em nós. Vamos!  Um dia teremos que afrontar nossos medos ou viveremos com medo deles. Afrontar um medo é sempre afrontar a nós mesmos e situações humanas, pessoais que estão ao nosso alcance. Os medos não são estranhos à nós. Há medos tremendos: “Tenho mais medo da vida Do que medo da morte.  Tenho mais medo de cair  Do que voar alto.  Tenho mais medo de amar  Do que de ser desprezado.Eu não estou assustado para morrer Como estou para crescer”, diz a música “Glory and Consequence”.  

Jesus nos convida a vencer o medo; a irmos ao centro da Vida que se esconde em situações dramáticas: em pessoas que sofrem com enfermidades morais, físicas, mentais e espirituais (espíritos impuros).

Amor e Perversão. Jesus chamou os Doze e enviou-os dois a dois, amou seus discípulos.

Jesus chamou, amou. Amar é também convidar uma pessoa a tomar consciência daquilo que é, do que pode fazer e ser capaz, do que pode ser e se tornar. Perversão é impedir uma pessoa de ser o que deveria ser. Em nome do amor se tutela um adulto; não se permite o outro de viver; se suga uma pessoa para manter a própria vida, vida vazia.

-“.... e que não levassem duas túnicas”.  Posso até tentar, mas jamais conseguirei expressar algo que eu não seja. Isso porque quando me comunico sou eu mesmo que estou me expressando. É a minha essência que se faz presente para além das minhas palavras.  Jesus pedindo o despojamento no vestir, pede aos discípulos de serem “leves”, livres, não só materialmente, mas livres mentalmente e também livres das aparências. Afinal, não é o meu saber que eu passo aos outros, mas o meu ser, a minha essência, o meu viverO tema das vestes é presente nos escritos de São Paulo: “Portanto, como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência (Col 3, 12). Eis a veste única do cristão e que não vistamos outra túnica, mas só esta, e aí estaremos vestidos de Cristo. Caminhando assim teremos em nós uma veste transparente que deixa ver o brilho do Ressuscitado. Por vezes encontramos, em nossa vida, pessoas assim: basta olhar e vê-se uma beleza, um não sei quê de extraordinário e bom.

 - Jesus indica-lhes um objetivo: andar e curar. Não devemos perder o nosso objetivo, senão haverá desorientação, dispersão de energia e tempo. Há os pequenos objetivos: um investimento em si mesmo, por exemplo, um curso de natação ou um investimento no aprendizado em vista de um emprego, etc. Mas o verdadeiro objetivo é quando estamos vivendo e fazendo a vida e ao mesmo tempo esse fazer a vida nos dá a posse de nós mesmos. Lembremos que Jesus nos ensina: “De que adiante ganhar o mundo inteiro e ao mesmo tempo perder a própria alma, o próprio nome?” Concretamente, “não perder a própria alma” acontece quando decidimos como objetivo vencer um medo, começar a dizer “não”, vencer o egoísmo, entender a vida como dom, viver em comunhão com nossa origem (vida de oração), superar mágoas, passar a aceitar o amor de Deus, etc. O verdadeiro objetivo não se alcança porque fazemos ou deixamos de fazer algo, mas porque passamos a ser mais pessoa, mais pleno, mais verdadeiro.

- Jesus pede que caminhem “sem dinheiro”. Quando se vive para defender o que se tem, não se vive mais para caminhar, para seguir, para crescer, para conhecer, para se experimentar, etc. Quando se há dinheiro para acumular e guardar, não há mais “tesouro” nenhum que me leve e me faça sair, deixar para buscar (“Onde está teu tesouro aí estará o teu coração”).  O perigo de servir ao dinheiro é o esquecimento da própria fonte da vida, Deus. Por dinheiro perde-se a capacidade de encontrar um “rosto”, uma “face”. Perde-se a capacidade de realizar encontros humanos, pois a pessoa se torna obtusa. Não há mais comunicação. Perder-se o poder de ser pessoa. Ser pessoa é um processo a fazer. E na vida podemos ser sabotados pelo exibicionismo, pela avareza, pela luxúria, inveja, ira, gula, preguiça, orgulho, etc.  Serão a fé, a esperança e a caridade a nos ajudarem no processo de nos tornarmos pessoas que encontram outras pessoas, e acima de tudo, a Pessoa.

- Jesus pede que caminhemos. Pode acontecer de darmos um poder imenso a muitas coisas. Os nossos veículos não nos farão caminhar! Os celulares não nos farão comunicar com os outros! Encontro e diálogo são realidades que me implicam e me complicam também, pois são envolvimentos humanos e eu terei que realizar uma saída do meu “confort” para interagir com outros, e outros por vezes não tão atraentes (idosos, doentes, pobres, drogados, etc).

- Jesus exige do seu discípulo despojamento. Quanto peso carregamos! Quantas lembranças não digeridas, quantas lágrimas não derramadas, quantas frases não ditas e quantas coisas deixadas para depois ...  E vivendo dessa forma, mais cedo ou mais tarde a vida se tornará fatigosa, pesada e deprimente. Quantos abusos sofridos que oprimem e condicionam pessoas pelo resto da vida! Quanto remorso carrega-se por motivo de traição! Quantos segredos guardados por falta de confiança em alguém! 

- “... sacudi a poeira dos pés”, e como dizer “Não te preocupes com os resultados. Não vivas pela preocupação de receber elogios. Semeie, anuncie a verdade, faça o bem e o outro será responsável, terá que responder de uma maneira ou outra ao chamado pelo teu anúncio”.    Lembremos que todo crescimento tem o seu tempo. Há pessoas que respondem logo e há outras que respondem depois de um longo tempo. O diabo é o grande senhor da pressa!!!

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.