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Homilia do XV Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 13/07/2019 - 08:11

XV Domingo do Tempo Comum - ano C - (Lucas 10, 25-37)

No dia que me deixei ser próximo ao Senhor, ele me amou como seu próximo: aí aprendi a viver, a parar diante de quem jaz....

“... ‘Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?’ ...  ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento (Dt 6,5); e a teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18)’. Falou-lhe Jesus: ‘Respondeste bem; faze isto e viverás’.   ... ‘E quem é o meu próximo?’  Jesus então contou: ‘Um homem ... e caiu nas mãos de ladrões ...  um sacerdote, viu-o e passou adiante. ... um levita ... viu-o e passou também adiante.  ... um samaritano ... viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; colocou-o sobre a sua própria montaria e levou-o a uma hospedaria (que recebia qualquer um) e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro (que cuidava de qualquer um), dizendo-lhe: Trata dele e, quanto gastares a mais, na volta to pagarei.  Qual destes três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?’ Respondeu o doutor: ‘Aquele que usou de misericórdia para com ele’. Então Jesus lhe disse: ‘Vai, e faze tu o mesmo’”.

O sacerdote tinha acabado de prestar culto a Deus no templo, viu o ser humano vilipendiado e semimorto e nada fez; o levita tinha acabado de prestar seus serviços religiosos, viu o ser humano jogado, e nada fez. Foram educados em uma doutrina que dizia que em certas situações uma pessoa se tornava impura e de tal pessoa se devia desviar, e, desta maneira, estariam agindo corretamente. E assim fizeram.

Jesus, com essa parábola, chama seriamente atenção sobre o verdadeiro culto a Deus. E revela também que em qualquer situação que um ser humano venha a se encontrar não perde sua dignidade, e, por isso, Deus olha sempre ao ser humano não importando a situação que se encontre, seja de degrado moral, seja de precária saúde, seja de extrema pobreza ou miséria.

Jesus é o verdadeiro Samaritano

O samaritano (significa “de quem menos se poderia esperar”) viu. Se você, em atitude religiosa, olhar para o alto, para Deus, bem direitinho, irá cruzar o olhar com o olhar de Deus. Foi isso que o samaritano fez, e viu que Deus olhava para aquele humano caído, assaltado, que jazia no chão. A parábola nos narra qual sentimento divino dominou o coração do samaritano. Diz-se que ele sentiu “compaixão” (amor visceral). O samaritano, quer tivesse consciência ou não, sentindo compaixão, estava em sintonia com a realidade divina, com o mistério existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ele, com aquela compaixão, prestava um verdadeiro culto a Deus, amava a Deus que disse: “Quero misericórdia e não sacrifícios”.

O samaritano não aparece como um ser humano desprovido de humanidade, mas como um homem livre dos comentários alheios, um homem inteiro, um modelo de homem, nobre, ativo, proativo, capaz de fazer o bem efetivamente. De fato, puxa a responsabilidade para si, assume a responsabilidade pelo homem desconhecido: limpa as feridas dele com azeite e vinho, levanta o sujeito colocando-o no seu animal de carga, entregando-o ao dono do albergue, pagando as despesas e até garantindo outras despesas eventuais.

Bom, a parábola começa com um questionamento acerca de possuir a vida do eterno (“Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?”). Como faremos, nesta vida, para não perder a vida, o gérmen divino que há em nós, e que nos traz a alegria de viver e de esperar que tudo de bom que há não se acabe? Como faremos para que nossa vida se torne uma bela construção e não uma casa mal rebocada e deixada por acabar? A resposta, lemos: trata-se de amar a Deus, ter afinidades com os propósitos dele, e ao mesmo tempo, amar o próximo.

E quem é o meu próximo ao qual eu devo amar para possuir a vida do Eterno em mim? Quem está assim tão próximo de mim que provoca o meu amor?  Podemos também imaginar outra pergunta: “Mas eu também mereço ser amado: “Para quem eu sou um próximo? Quem me ama?”.

No final da parábola temos uma pergunta feita por Jesus: “Quem foi o próximo – que devemos amar - daquele que caiu nas mãos dos ladrões? A resposta é importantíssima, pois estamos procurando o próximo ao qual devemos amar para que a vida não se torne uma morada da morte.  A resposta é ....  “o samaritano”. Então, temos que amar o samaritano.  

Imaginemos a mente daquele que jazia no chão e de como se viu cuidado pelo samaritano que se tornou seu próximo. Quantas situações de quedas: sentir-se excluído, deixado, traído, solitário, incompreendido, enfermo, vazio, etc. O desconhecido que jazia no chão é modelo de cada um de nós, de como somos chamados a amar quem um belo dia passou em nossas vidas e nos fez bem, seja com obras, seja com palavras, quem nos deu a sua mão que nos deu segurança, quem nos deu suas palavras para nos consolaram, sua atenção que nos deu valor, seu olhar que nos fez confiar, sua esperança que nos fez acreditar, etc..  Não te esqueças do teu samaritano, ame-o!

Receber algo na vida nos faz “devedores”, nos chama a crescer, a nos tornamos responsáveis pelo outro. De fato, Jesus disse: “Vai, e faze tu o mesmo”. O meu próximo me fez o bem. Queira Deus que eu ame a ele fazendo o bem a outro.

Amar quem nos ajudou não nos faz “escravos” de quem nos ajudou. O modelo de ajuda do samaritano é diferente. De fato, no evangelho se diz que ele ajudou e foi embora. Some! Ele seguiu o seu caminho. A nossa “dívida” será paga agindo do mesmo modo com os outros. É que o gérmen do divino, no dia que alguém cuidou de nós, passou a habitar nossa vida, e não tem como fazer o contrário, pois fomos contagiados pelo gérmen da misericórdia. Passemos adiante esse gérmen! Sejamos o samaritano de outros amando o samaritano que passou por nós, amando o samaritano que nasceu dentro de nós.

O samaritano não busca reconhecimento. Quando alguém nos faz verdadeiramente o bem não exige retorno, pois deu o que tinha para dar; não foi um dever, uma obrigação, nem uma segunda intenção. E tem mais. Ele também recebeu de um outro, maiormente de Deus mesmo.

Não esqueçamos: a parábola de hoje é o drama da própria salvação ou perdição e Jesus nos endereça a encontrar o outro, reconhecer o outro que me fez bem e imitá-lo indo ao encontro de um outro que precise. Se um dia alguém nos reconheceu, nos olhou e nos considerou, não pelo que temos ou pelo nosso lado bom, mas meramente por sermos humanos, amemos este ser humano como a nós mesmos, amemos o bem que nos fez, aceitemos ter sido amados, amemos o amor amando quem nos amou.  E se um dia encontrarmos um ser humano despojado de tudo, amemos este humano como a nós mesmos, não traiamos a nossa alma que recebeu amor do “samaritano” e que quer amar também.

Possuir “Vida do Eterno”, ter a herança do Pai, possuir ou gozar a felicidade, a vida plena, o contentamento, depende de um agir, de uma atitude. Qual? Encontrar quem me ama, pois eu amo na medida em que fui amado, e amo como fui amado.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.