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Homilia do XVI Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 20/07/2019 - 07:53

XVI Domingo do Tempo Comum - ano C (São Lucas, 10, 38-42)

“... Jesus ... entrou numa aldeia, onde uma mulher, chamada Marta, o recebeu em sua casa. Tinha ela uma irmã por nome Maria, que se assentou aos pés do Senhor para ouvi-lo falar. Marta, toda preocupada na lida da casa, veio a Jesus e disse: ‘Senhor, não te importas que minha irmã me deixe só a servir? Dize-lhe que me ajude’. Respondeu-lhe o Senhor: ‘Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada’”.

Marta. É bem verdade que Marta deseja agradar seu hóspede (Jesus) e entende que pode agradá-lo fazendo tantas coisas para ele, mas, totalmente absolvida pelo o que imagina deva-se fazer para Jesus, termina por não escutá-lo, por não lhe prestar atenção, e podemos até dizer: termina por dar-lhe as costas. Marta vive a religião da Lei, e a vive, quem sabe, pensando: “assim hei de ganhar as afeições do Senhor; Ele ficará contente comigo”.  Marta “acolhe” o Senhor fazendo tantas coisas, agitada, ansiosa, indo de um lado a outro. Quer mostrar-se uma pessoa capaz, valiosa, digna de consideração, através dos seus bons afazeres. Marta critica Maria porque sentada escuta ao Senhor, tentando receber uma aprovação por parte de Jesus, e chega a criticar o próprio Jesus por aprovar e aceitar a atitude de Maria. Podemos afirmar que Marta vive, no fundo, a presença de Jesus como uma fadiga, como sacrifício, como toda religiosidade das pessoas “boas e justas” que vivem só de deveres e obrigações. Marta se apresenta como uma mulher “consumida” pelos afazeres, não escuta a Palavra, não se dedica a escutar a “voz” que vem do coração, não dá a mínima para o seu próprio desejo, para os sonhos de Deus para com elaVive para cumprir obrigações e trabalhar, fugindo de si e do seu chamado divino.

Marta, reprovando a Jesus é como se dissesse: “Senhor, não te preocupas comigo?” “Deixas-me aqui sozinha?” “Deixa-me de lado e ficas ai com Maria?” “Manda ela trabalhar também!” “Só eu que devo trabalhar e servir?” Tal fala de Marta é muito semelhante aos fariseus quando diziam de Jesus: “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles” (Lc 15, 2).

“Marta, Marta....”. Aqui temos uma chamada vocacional. Jesus chama Marta a tomar outra posição na vida. Aqui é como se Jesus dissesse: “Marta, para onde estás indo com toda essa agitação de vida?” Insatisfeita, sufocada, nem um pouco feliz, zangada, sem tempo para nada, incapaz de escutar alguém, pronta para semear comentários acerca dos outros, Marta, vive ocupadíssima. Assim também podemos viver, seja vivendo por demais atarefados, seja vivendo não fazendo nada, ou seja, vivendo sem sentido, sem sentir alguém, sem escutar uma voz maior, sem ver uma luz para os passos. Imaginemos que Marta bem que merecia tais palavras: “Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima, pois, o teu zelo e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo” (Ap 3, 19-20). Podemos concluir que o motivo da zanga de Marta era mesmo a falta, falta de cear com alguém. No dia que tivermos ceado com alguém, descobriremos o que ele gosta, quais seus propósitos, seus sonhos, suas emoções, seus amores.... O mesmo vale para quando tivermos ceado com Alguém (intimidade com Deus).

Naquela correria, Marta foge. Foge de encontrar e confiar em alguém? Teme se dá conta do absurdo e da vida vazia que leva? Tem medo de encontrar a Deus? Jesus aponta a saída: escutar como Maria. Escutar a Palavra. Muitas são as Palavras de Jesus para se sair do torpor, da aflição da vida, da pressa nefasta. Escolhemos uma: “Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo....”; e preferimos outra: “Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas”. Ora, Jesus “ressuscitou” Lázaro, um morto. Fazer algo mais do que isso?! É demais! Ver o céu aberto? É demais! Deus nos chama a algo mais: escutemos a Ele. Mas, não esqueçamos, fazer entrar em nós a Palavra é permitir Alguém fazer parte de nossa vida e esse Alguém nos presta um grande serviço: descobre-nos. Sozinho, permaneço desconhecido e oculto até a mim mesmo.  Você já foi descoberto (a)?  Tudo nos poderão tirar, menos isso, menos a descoberta de nossa face tal como o Senhor nos olhou em nossa criação e nos olha para sempre: “Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada”.

 Maria é a mais pura acolhida, hospeda em si, acolhe o Senhor e “aquilo” que o Hóspede, a Visita, o Bom Samaritano, Jesus, traz para ela e para todos nós. O Senhor Jesus agrada a Maria, faz muitas coisas por ela, e Maria, olhos fixos n´Ele, se permite “beber”, ouvir e comer aquela força que obra, opera, transforma e faz. Maria se deixa possuir por aquela força, aquela Palavra, que tem a capacidade de acordar o que dorme e de nos transportar para outros “mundos” além de nós mesmos e da costumeira forma de encarar a vida.  “Abre bem a tua boca e eu te sacio” (Sl 81, 10). Maria vive a religião do amor, o Evangelho. Maria acolhe o Senhor com alegria, sem fadigas ou sacrifícios.

Acolher uma pessoa é criar um espaço em si para a pessoa que se apresenta. Maria nada diz, escuta, é discípula (“Escutai o que ele diz”, disse a voz do Pai aos discípulos). Aos pés do Mestre, dá espaço à Palavra que é Jesus. Importa calar tantas vozes interiores que temos (pensamentos sobre os outros e sobre nós, juízos e pré-juízos sobre nós e sobre os outros, opiniões as mais diversas, “achismos” de todos os tipos, sentimentos nefastos) a fim de hospedarmos afetivamente a Palavra em nós, a fim de que uma “Novidade” realmente aconteça. Enquanto deixa Jesus agradá-la, Maria agrada ao Senhor. "Oh, esta é a voz do meu amado! Ei-lo que aí vem, saltando sobre os montes, pulando sobre as colinas. ... mostra-me o teu rosto, faze-me ouvir a tua voz. Tua voz é tão doce e delicado teu rosto Meu bem-amado é para mim, e eu para ele!” (Cant. 2, 8.14.16).

Maria tinha desejo de escutar alguém, e escuta Jesus, encontra uma pessoa, não uma coisa ou uma lista de coisas por fazer. Em Maria habitava um desejo, uma aspiração, expectativa que nunca se paralisa diante de um prazer mesquinho, pois o Senhor quer  “muito mais”. Escutar, encontrar alguém (ainda mais o Senhor), dá prazer que convida a se levantar, ofertar e amar. Escutando a Jesus é de onde nasce o serviço que jorra do mais íntimo como expressão de amor, não de agitação. Que prazer deve ter sentido Maria ao versar o puro nardo: “Tomando Maria uma libra de bálsamo de nardo puro, de grande preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos. A casa encheu-se do perfume do bálsamo” (Jo 12, 3).

- Toda acolhida é um escutar, é um receber uma presença, uma outra pessoa, é saída de si e recepção do outro. Acolher é retirar-se para que o outro respire, viva, se comunique: saiamos do nosso torpor, da nossa negação ou autoafirmação, pois o Senhor quer nos dá sua vida, vida do Eterno.

- Temos uma coisa por fazer: através do escutar mudar de vida vivendo de outra vida, da vida que nos visita e nós hospedamos e acolhemos.

- Hospedamos o Senhor quando permitimos que Ele entre em nossas vidas, quando escutamos a Ele permitindo que Ele se mostre como esposo de nossas almas: só assim Ele se mostra, se realiza, acontece, existe de fato, se torna semente fecunda (Palavra) que faz acontecer frutos. Importa que Igreja e cada alma cristã comportem-se como esposa da Palavra, vivendo em recepção aos pés do Mestre, em expectativa, pois o Novo sempre vem. A vida é breve, passa ligeiro, não percamos o alimento: Achando-se as tuas palavras, logo as comi, e a tua palavra foi para mim o gozo e alegria do meu coração” (Jer 15, 16).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.