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Homilia do XVI Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 20/07/2018 - 18:26

XVI Domingo do Tempo Comum - ano B

(Marcos 6, 30-34)

"Os apóstolos voltaram para junto de Jesus e contaram-lhe tudo o que haviam feito e ensinado. 31.Ele disse-lhes: Vinde à parte, para algum lugar deserto, e descansai um pouco. Porque eram muitos os que iam e vinham e nem tinham tempo para comer. 32.Partiram na barca para um lugar solitário, à parte. 33.Mas viram-nos partir. Por isso, muitos deles perceberam para onde iam, e de todas as cidades acorreram a pé para o lugar aonde se dirigiam, e chegaram primeiro que eles. 34.Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se dela, porque era como ovelhas que não têm pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas." 

- “...contaram-lhe tudo o que haviam feito e ensinado”. De fato, haviam pregado a conversão, expulsado demônios e haviam sanado vários enfermos (cf. Mc 6, 12-13). Contar histórias, fatos e acontecidos de nossas vidas, sempre contamos. Cada um de nós tem seus anos vividos. O que contamos dos nossos anos, o que temos feito e ensinado? No final de nossas vidas, diz o doutor e santo Juan de la Cruz, seremos julgamos pelo amor (cf. Mt 25, 32ss). Também nossas paróquias e comunidades, assim como toda a Igreja, são chamadas a darem conta dos anos passados em meio aos homens e mulheres, crianças e jovens, adultos e idosos. Importa que a Palavra e os sacramentos tenham rompido distâncias e aproximado o Senhor junto ao povo sedento de liberdade e de cura. Liberdade dos demônios e espíritos impuros que são potências maléficas. Tais poderes e forças do mal podemos bem verificar quando em nosso meio e famílias reinam palavras agressivas, egoísmo, imoralidades, violência, roubos, enganos, mentiras, injustiças, fome, enfermidades e miséria. A presença dos discípulos de Jesus que se revestem da força da Palavra e dos sacramentos afronta e vence os poderes maléficos. Sinais de tal vitória nós vemos quando nasce o perdão, a generosidade, a alegria, o bem-estar, a solidariedade, a verdade, a benquerença, a acolhida, a ajuda e o temor de Deus.

Só nos resta uma séria avaliação a nível pessoal, familiar ou comunitária. Qual avaliação? A nossa catequese, educação, homilia e pregação promovem os sinais de vitória acima elencados? Afinal, a Palavra é Palavra de Deus(“... a Palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante que qualquer espada de dois gumes; capaz de penetrar até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é sensível para perceber os pensamentos e intenções do coração. E não há criatura alguma incógnita aos olhos de Deus. Absolutamente tudo está descoberto e às claras diante daquele a quem deveremos prestar contas” - Hb 4, 12-13).

- “Ele disse-lhes: Vinde à parte, para algum lugar deserto, e descansai um pouco. ...  Partiram na barca para um lugar solitário, à parte” (vv.31-32).

À mercê das paixões desmedidas, levado pela força do destino, carregado pelas ondas fortes das circunstâncias, sem poder de reagir ao ativismo e ao corre-corre, vamos sobrevivemos ( Pois viver é outra coisa!). Aqui corremos perigo de esquecer e até de se perder. Perder e esquecer as coisas e pessoas mais importantes da vida. Jesus leva seus discípulos ao deserto, lugar de intimidade, momento de oração, chance de avaliação. E não só! Acima de tudo oportunidade de repouso, descanso, paz interior, sossego. Não é fácil ir ao deserto, não é fácil o repouso, o sossego. Jesus deseja que os discípulos encontrem o segredo, aquilo que anima o interior de cada um deles, seus reais desejos, sonhos e aspirações. Temos um tesouro e temos um coração. Não percamos nem um e nem o outro. A pressa, a euforia, a bebedeira, o ativismo e a dispersão lutam para que o humano perca o tesouro e o coração.

O deserto é silencioso, lugar de “grandes conversas”, ensinamentos e encontros. No deserto cada um encontra o Mestre que nos ajuda a fazer a avaliação do que andamos pensando, rezando, trabalhando, fazendo. Lá no deserto há um confronto benfazejo com o Mestre. Deserto também é lugar de comer, de adoração, lugar de novos ares e de uma liberdade tão sonhada quanto desconhecida (“Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: ‘Deixe o meu povo ir para celebrar-me uma festa no deserto" (Ex 5, 1).

- “Porque eram muitos os que iam e vinham ... de todas as cidades acorreram a pé para o lugar aonde se dirigiam” (31).

- “Muitos iam e viam”: que situação! A multidão é descrita como se estivesse debandada, sem referências, sem norte, desnorteada, sem rumo e sentido, sem “pastor”, entregues ao “deus-dará”, ao desamparo, à própria morte. Importa anunciar, se fazer presente, pois a Palavra não é anunciada em vão. Não todos, mas muitos acorreram ao encontro de Jesus e seus discípulos. Quando de verdade a comunidade cristã, assim como toda a Igreja, se faz presente com a Palavra, com os sacramentos e com a caridade fraterna, se torna significativa, exala o bom odor do Cristo, se torna esperança e porto seguro para muitos que anseiam por liberdade e libertação, por família e acolhida, por perdão e amor.

- “Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se dela, porque era como ovelhas que não têm pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas" (34).

O desembarque, a descida. Nosso Senhor não despreza aquela multidão formada por tantos rostos, por rebeldes e mansos, por jovens e adultos, por homens e mulheres, por enfermos e sãos, por desesperados e esperançosos, por letrados e analfabetas, por pobres e ricos, casados e “juntos”, por puros e luxuriosos, por caridosos e avarentos, por justos e outros não tanto honestos, e por aí se vão tantas faces do humano que “buscam e buscam” a alegria do viver e o sentido maior da vida. Infelizmente, por vezes, nós nos entrincheiramos em nossas opiniões, critérios pastorais e em nossas “teologias” e jamais desembarcamos, saímos das idéias para ir ao encontro das pessoas reais de carne e osso com seus dilemas, dificuldades e histórias de vida.

Avaliemos nossas secretarias paroquiais como lugares de uma primeira aproximação a uma comunidade cristã. Quem passa por nós, em nossa catequese, em nossos cursos, em nosso confessionário, em busca dos sacramentos, de uma “boa conversa”, de uma “luz” ou desabafo é bem recebido?

E não esqueçamos: Jesus desce, desembarca, e importa que eu esteja acorrendo ao seu encontro, pois, assim, haverá “o encontro”.

- “... compadeceu-se” (Vísceras maternas que se movem). Quando irá chegar o dia no qual a dor ou a fragilidade do outro (Que podem ser a ignorância, o desespero, a falta de sentido, as desilusões e decepções, o remorso e a culpa, a enfermidade e a pobreza) será o “leitmotiv”, a preocupação dominante, de nossa pastoral e da nossa pregação? Que a tua dor seja minha dor, que tua alegria seja minha também. Pela compaixão, o outro existe, é “achado”, visto, encontrado e reconhecido. Quase sempre nos sentimos tranquilos “somente” organizando as missas, alguns eventos e festejos. Convivemos com tantas pessoas, mas não damos espaços, não damos “chance”, para a partilha da vida, para escutar o que se passa no íntimo das pessoas. Compaixão é uma “ida”, é querer que a Luz vença as trevas que habitam em tantos corações.

De corpo e alma, amando até não poder mais: aqui temos expressões da compaixão. Caminhava com uma senhora. Em nossa direção vinha um senhor mentalmente enfermo. Ela disse-me: “Frei, vamos para o outro lado da rua”. Depois ela me explicou: “É de família. Minha mãe também era assim. Eu não posso “ver” um enfermo que me vejo forçada a ir ao seu encontro”. Assim era a compaixão em Jesus. A força mesma de Deus que o compelia a ir ao encontro da humanidade sofredora e sedenta de Luz, de Esperança, de Vida eterna. A diferença é que a senhora recalcava a “ida” ao enfermo, e Jesus, não, não recalcava, mas vivia isso plenamente, de corpo e alma, amando até não poder mais.

Compaixão: “Tomai todos e comei”. Compaixão: Ó Jerusalém, Jerusalém, que assassinas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos, como a galinha acolhe os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vós não o aceitastes! (Mt 23, 37).

- “... E começou a ensinar-lhes muitas coisas” (v. 34). Interessante: a primeira forma de expressar compaixão na passagem que estamos meditando é o ensinamento.

A vida é um dom e é também uma tarefa. Recebemos a vida e somos imagem de Deus que é bondade e toda beleza. Temos a marca divina da bondade e da beleza, e se muitas vezes nos desviamos de tal marca, isso se deve a tantos maus e distorcidos ensinamentos que aprendemos.

Jesus acredita que podemos realizar a tarefa de “trazer para nós” e para o nosso dia-a-dia tudo o que é bom, verdadeiro e bonito, afastando de nós a malícia, a mentira, o jogo de interesses e tudo o mais que enfeia a face dos filhos de Deus. Que os belos ensinamentos dados pelo Bom e Belo Pastor sejam por nós praticados. Ele acredita que somos capazes, e por isso mesmo, nos ensinou muitas coisas.

O grave é nossa omissão, nossa falta de dedicação em aprender do Mestre e de passar adiante as “muitas coisas” ensinadas. Há uma espantosa passagem na Bíblia que relaciona a falta de conhecimento com a vida degenerada de toda a população. Trata-se de Oséias 4, 1-19.  “Não há sinceridade nem bondade ... Juram falso, assassinam, roubam, cometem adultério, usam de violência e acumulam homicídio sobre homicídio. ... eu censuro a ti, ó sacerdote. ... Far-te-ei perecer, porque meu povo se perde por falta de conhecimento ...”.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.