Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum - ano A / Frei João Santiago
XVIII Domingo do Tempo Comum - ano A
Mateus 17, 1-9
Onde encontro a Luz da vida?
- Moisés, quando viu o povo pecando ficou tão zangado que em um só dia matou três mil pessoas: a lei para ele era mais importante do que as pessoas. Elias venceu os sacerdotes pagãos. Mas não ficou satisfeito e matou a todos, isto é, quatrocentos mil e cinquenta deles: morte aos inimigos! Certa feita, o demônio transportou Jesus a um monte muito alto, e lhe mostrou todos os reinos do mundo e a sua glória. Glamour, glória, custe o que custar, pois importa que eu beba meu próprio cálice, meu próprio eu; importa que eu me torne meu deus.
- Um dia, Jesus expôs o seu programa de vida aos discípulos, isto é, revelou-lhes que andaria a Jerusalém e sofreria o martírio, daria sua vida, seria morto. Revelava, assim, a sua missão por cumprir. Pedro e os demais apóstolos reagiram fortemente: “Que isso não te aconteça”. Medo da morte ou não aceitação da missão de servo sofredor de Jesus? Queriam um novo Moisés, um novo Elias, o monte do Demônio?
- Um dia, uma mãe que não sabia nadar viu seu filho se afogando. Ela seguiu seu instinto materno: pulou na água e salvou seu filho. A força instintiva de salvar o filho salvou-a também: nem ele e nem ela morreram.
- Jesus decidiu, disse “sim” ao seu “instinto” maior, a vontade do Pai, ao tomar para si o destino de servo sofredor que dá conta dos pecados da humanidade e espera a justiça de Deus. Para Jesus, o mistério da vitória, da justiça, da melhoria de vida, o “potenciamento” da vida, o melhor de uma pessoa, a expressão máxima de uma pessoa passa pela oferta da vida. É verdade que no homem habita, como a Moisés e Elias, o desejo de fazer a própria justiça e até a vingança, mas é verdade também que existe uma possibilidade maior: servir a si e a todos, salvar a si e a todos, não reagindo ao mal com as armas da maldade. Quase sempre somos cegos. Jesus nos abre os olhos: "... se o grão de trigo ... morrer, produz muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á; mas quem odeia a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna" (Jo 12, 24-25). Sigamos tal “instinto” divino. Infelizmente quase sempre somos abafados e reprimidos pelos “Moisés e Elias” que habitam dentro de nós.
- O grão, cada humano desta terra, expressa o que de mais bonito tem dentro de si, realiza a sua maior potencialidade quando se “desmancha” na terra, quando ama, se faz serviço. Não é por acaso que toda mãe é disposta a morrer pelo filho que ama.
- Não esqueçamos: toda borboleta – inseto tão bonito - provém de uma lagarta que se “desmanchou”.
- Para convencer Pedro, Tiago e João, Jesus se transfigura, mostra-se luminoso. De tal maneira anuncia o “destino” de todo aquele que se faz serviço, que ama, que combate o mal ofertando a própria vida. De fato, a vida que escolhemos levar nos traz consequências. Escolher envenenar-se com o mal significa perecer (“Embainha tua espada, porque todos aqueles que usarem espada, pela espada morrerão” Mt 26, 52). Lutar até o fim pela paz nos ilumina, nos faz radiante, nos transfigura.
O TEXTO
- "Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão ... “Seis dias” ou “sexto dia”: uma nova revelação será dada (como à Moisés), uma novo homem será criado (no sexto dia Deus criou o homem).
- " ... e conduziu-os à parte a uma alta montanha”. “Monte”, “Montanha”, lugar de encontro com a divindade. Mas, cuidado: o Demônio também tem o seu monte, levou Jesus até seu “Monte” (cf. Mt 4,8-9). Qual é a “divindade”, o “monte” mostrado por Jesus? Em qual “monte” estamos?
- “Lá se transfigurou na presença deles: seu rosto brilhou como o sol, suas vestes tornaram-se resplandecentes de brancura”. Lembremos de outras passagens bíblicas: os 144.000 salvos e vestidos de roupas brancas (cf. Ap 7,9); os mártires se vestem de brancos (cf. Ap 6,11); os anciãos também são vestidos de brancos (cf. Ap 4,4); os não contaminados, os vencedores, andarão com vestidos de brancos (cf. Ap 3,4-5). O Senhor nos faz brilhar, respandecer (cf. Nm 6,25; Is 60,1).
Jesus, no monte, se transfigurou, mostrou aos três apóstolos a vida vindoura e também a vida de vivos e de ressuscitados, a vida daqueles que seguem o cordeiro, que se fazem também servo sofredo em vista da redenção do mundo, para que o mundo não se perca de uma vez por todas. Era como se dissesse aos três: “Vejam, a Vida, a Luz do Eterno reina em todo aquele que se desdobra e se desmancha para resgatar o mundo das trevas do pecado que tanto sofrimento traz ao mundo”.
- “E eis que apareceram Moisés e Elias conversando com ele”. Moisés representa a Lei. Elias representa os profetas. Mas, Jesus, os supera, essa é a mensagem. No entanto, Pedro reage e diz: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias”. Colocando Moisés no centro, entre Jesus e Elias, Pedro sugere que Jesus deva ser um novo Moisés (aquele que não tolerava e matava quem infligisse a “lei”).
- Deus intervém, cala Pedro: “Falava ele ainda, quando veio uma nuvem luminosa e os envolveu. E daquela nuvem fez-se ouvir uma voz que dizia: Eis o meu Filho muito amado, em quem pus toda minha afeição;ouvi-o”. A voz de uma nuvem, Deus mesmo, revela que em Jesus, não em Moisés ou Elias, a Verdade, o Caminho e a Vida se manifestam definitivamente. Cabe à nós, ouvi-Lo.
- “Ouvindo esta voz, os discípulos caíram com a face por terra e tiveram medo”. Derrotados e aterrorizados ficaram. Teciam suas vidas sobre uma falsidade, uma fantasia, uma inutilidade. O chão da vida de Pedro, Tiago e João foi tirado. Pautavam suas vidas em certas idéias e em certas expectativas de ilusão. A verdade foi revelada: a vitória está no seguir as palavras de Jesus: trata-se de se entregar, beber o cálice do Pai, e não mais o cálice do próprio “eu” cheio de amargura e desejo de revanche. A verdade lhes foi por demais pesada: “caíram por terra”. O “monte” do Demônio com sua promessa de glória e poder mundanos não resiste, pois a Vida, a Luz, a vitória da vida passa pelo suportar o irmão, não por aniquilá-lo. As promessas demoníacas de glória e poder mundanos não resistem à realidade da vida: o humano só encontra a felicidade quando se faz “grão”, alimento. O Messias não é do modo que pensavam. Entram em parafusos, ficam desnorteados, aniquilados. Terão que mudar completamente a concepção do Messias esperado, a concepção de Deus.
- Impressionante como mantemos ao longo da vida o mesmo estilo, o mesmo padrão mental. Parece até que a Palavra não seja viva e eficaz como uma faca de dois gumes e que penetre até a medula e junções.
- “Mas Jesus aproximou-se deles e tocou-os, dizendo: ‘Levantai-vos e não temais’”. Jesus tocou em muitos enfermos, seus discípulos também estavam doentes, isto é, não sadios em seus pensamentos, juízos e idéias acerca de Deus. Enfermos no espírito e tapados mentalmente não conseguimos entrar na verdade de que no dom de amar, servir e se desmanchar como grão na terra encontra-se “a Luz da vida” que ilumina corpo e alma.
- Jesus dizendo “Levantai-vos e não temais” estava dizendo: “Não tenhais medo de mudar; reconheceis que aquilo que pensáveis não era Deus, mas uma fantasia de vossa cabeça. Está na hora de acordar e acolher o Deus-Amor que eu vos anuncio e trago.
- E assim seremos transfigurados.......
.......... Se há coisas, pessoas e sentimentos que exercem deslumbramento, poder de fascínio e encanto sobre nós, significa que buscamos algo para além de nós mesmos. Quem ou o quê vai me resolver, me iluminar, me fazer feliz? A nossa fé cristã nos diz que aquilo que buscamos enquanto vamos nos fascinando neste mundo, chama-se “divinização”. A “transfiguração” de Jesus no Evangelho de hoje nos fala disso, nos fala da “divinização”: a figura meramente humana de Jesus deixou reluzir a “Luz” que havia nele. A “transfiguração” de Jesus revela a quê somos chamados: somos chamados a viver dessa “Luz”, a sermos divinizado (cf. Col 1,16.12; 2Cor 3,18; cf. Rm 8,29), a sermos revestido de luz, a própria luz: “Levanta-te, sê radiosa, eia a tua luz! A glória – o brilho- do Senhor te cobre” (Is 60,1).
- Sofrer sobre nós o brilho do Senhor é bom, faz bem: “Pedro tomou então a palavra e disse-lhe: ‘Senhor, é bom estarmos aqui’”. Pedro experimenta que a vida amorosa, a beleza do Filho de Deus que se doa, é boa, é agradável. Descobre que o fazer da vida um serviço não é derrota, mas vitória, lugar de Luz, de Ressurreição que vence a morte. Infelizmente poucas vezes vamos a este “monte”. Infelizmente ainda teimamos em ser como Moisés, Elias e em andar ao monte de Satanás.
- Importa permanecer no Monte que é Cristo, lugar de repouso. Que as contradições e labutas do dia-a-dia com seu corre-corre não nos roube esse Monte no qual Pedro chegou a dizer: “Senhor, é bom estarmos aqui”. Que cheguemos a conformar nossa mente, nossa concepção religiosa e olhar o “Homem Jesus Crucificado e Amante” como o mais belo dentre os filhos dos homens, como a Beleza encarnada, como o vitorioso e que irradia Luz e o poder de Deus.
- Não sabemos bem o motivo, mas é fato. O humano tem uma tendência de usar tudo, manipular e usar pessoas para que ele fique ao centro e seja obedecido, reconhecido, temido e reverenciado. Vive disso. Segura-se nisso. E se a casa cair? E se Deus e a própria vida mostrar que toda essa segurança não passa de uma ficção, uma fantasia e ilusão? Chegam as decepções da vida. Chega a idade com seus limites. Chegam os mais fortes, belos e melhores do que nós. Chega a morte. Não é por acaso que Pedro, Tiago e João caem por terra aterrorizados. A voz do alto disse: “escutai-o”. Tratava de escutar Jesus e seu anúncio da paixão, morte e ressurreição. A novidade é: A ressurreição, a vitória, a pujança, a glória são presentes palpitantes quando me faço grão, quando o outro rosto humano se torna o centro, não eu.