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Homilia do XXII do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 01/09/2018 - 09:26

XXII Domingo do Tempo Comum - ano B

(Marcos 7, 1-8.14-15.21-230

1"Os fariseus e alguns dos escribas ... 2.E perceberam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as lavar. ...  6.Jesus disse-lhes: Isaías com muita razão profetizou de vós, hipócritas, quando escreveu: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. ... 14.Tendo chamado de novo a turba, dizia-lhes: Ouvi-me todos, e entendei. 15.Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas o que sai do homem, isso é que mancha o homem. 21.Porque é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, 22.adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. 23.Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem." 

O Evangelho deste domingo nos conta que fariseus e escribas reprovaram os discípulos de Jesus porque estes comiam pão sem fazerem os rituais de purificação. Jesus responde! Chama aos fariseus e escribas de hipócritas. Hipócritas eram os que usavam máscaras no teatro. Hipócritas, portanto, são os que escondem a verdadeira face, são fingidos, dissimulados. Jesus cita Isaías que disse: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. Infelizmente as práticas religiosas, os rituais de purificação, podem servir como válvula de escape, como disfarce e também como uma forma de tentar apaziguar a consciência. Em outras palavras, a pessoa que se diz religiosa não vivendo os mandamentos de Deus, não aceitando humildemente que não os pratica, termina praticando rituais religiosos, participando de cerimônias e cultos religiosos, evitando certos alimentos (carne de porco, por exemplo), cantando hinos, como se tudo isso pudesse esconder o mal praticado ou substituir o bem que não fez. “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”.

O nosso bom Jesus nos convida, sejamos dóceis. Deixemos que as santas palavras do nosso Deus nos possam atingir dentro de casa, em nossa intimidade, em nosso coração (“Quando deixou o povo e entrou em casa, os seus discípulos perguntaram-lhe acerca da parábola...”). Os fariseus tinham se apegados aos rituais de purificação porque diziam que os pagãos e certos objetos eram impuros. Hoje em dia alguns se banham em rios e mares em certas épocas do ano como forma de se purificarem. Há também os que tomam certos tipos de “banho” e outros ainda tem manias de limpeza. Tudo indica que o homem busca uma forma de estar “quites” com Deus e com a própria consciência. Precisa eliminar a própria culpa e impureza, nem que seja inventando algo como um ritual ou mesmo “jogando” nos outros a própria culpa, feiura interior e impureza. No fim, precisamos sempre de um resgate, de uma redenção, de uma paz. Infelizmente, pode ser que não queiramos largar nossas perversidades. Então o que fazemos? Criamos algo que nos redima, nos salve: criamos um rito religioso, um rito de purificação, frequentamos uma seita ou um guru, uma vez por ano fazemos uma boa obra para alguém, choramos enganando-nos a nós mesmos, assumimos uma posição mental e social (“Eu sou isso e aquilo”), nos identificamos com o nosso título ou cargo religioso ou social. Pois é...criamos tantas coisas com dois objetivos: primeiro, para continuar com perversidades e não se converter; segundo, para deixar de lado o mais importante, a pureza interior que nos faz ver a Deus.   

- “Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas o que sai do homem, isso é que mancha o homem”, disse Jesus. Saiamos de meras exterioridades, das aparências, e vivamos nossa fé na interioridade, por dentro (“Quando deixou o povo e entrou em casa, os seus discípulos perguntaram-lhe acerca da parábola”). E, assim, dentro de casa, em nosso interior e coração, é que Jesus nos revela realidades, coisas, que nos pervertem, nos “sujam”, nos tornam impuros, isto é, incapazes de ver a Deus (“Os puros verão a Deus”): “Porque é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos,adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez.Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem” (21-23). 

Temos doze motivos de impurezas reais. Vejamos uma por uma.

-Devassidões são prostituições. Prostituição é pôr-se à venda por determinado preço. Há quem exponha o próprio corpo por certa quantia e há quem “compre” o corpo vendido. Alguns procurando tirar vantagem e visando interesses, se deixam prostituir, se “prostituem”, “calam” a própria a consciência, faltam com a verdade, traem a um amigo, subornam e se deixam subornar em troca de favores e ascensão na comunidade civil ou religiosa.  Todos nós já ouvimos falar de carreirista ou carreirismo. Pois é! Um carreirista só é carreirista se for entregue à devassidão, à prostituição, pois em vista de galgar um grau a mais na hierarquia civil ou religiosa está disposto a difamar o outro, mentir, falsear, levanta falso, fofocar.

Roubo. De forma incorreta eu passo a administrar os bens deste mundo, seja subtraindo a parte de cabe ao necessitado, seja não praticando o papel social de uma paróquia ou empresa.  Também torna impura a nossa alma quando “manchamos” o bom nome e a dignidade do outro, ou mesmo quando negamos o justo salário ao funcioário.

Homicídios. Imagine uma pessoa boa e feliz, cheia de sorriso e alegria. Um homicida pode se aproximar dela, tirar-lhe a alegria de viver. Isso pode ser feito através de uma calúnia, uma maledicência, ou mesmo tirando a vida de alguém que seja cara a esta pessoa.

Adultério. Realidade tão comum quanto triste. Trata-se de infidelidade ao amor e acontece quando o prazer egoístico triunfa e quando o outro se torna instrumento do meu prazer.

Cupidez ou cobiça. Como um desvairado o ser humano pode se enveredar e organizar sua vida só pretendendo ter sempre mais, acumular sempre mais, identificando a felicidade com as coisas que tem. Com o coração impuro e cego não consegue perceber a verdade de que a felicidade está do lado de quem ama e dar de si. É um infantilismo dizer sempre “é meu, é meu”. O cristão adulto é capaz de dizer “é nosso, é nosso”. A tragédia é que viver só para reter e acumular impede o crescimento de ser tornar filho de Deus

Maldades ou perversidades. É terrível, mas pode ser verdade. Pode acontecer que uma pessoa passe praticamente a viver sempre a procura de encontrar o pior nas outras pessoas, e quando não encontra, pensa o pior ou passa a caluniar e inventar maldades acerca do outro. Em outras palavras, vê e fala do que seu coração está cheio.

Engano ou fraude. Pautar a vida em enganos e fraudes é viver em função do próprio interesse não medindo esforços e limites para alcançar o nefasto objetivo, mesmo que passe por cima de toda retidão, valores, bons princípios e de tudo que é sagrado.

Impureza, desonestidade, devassidão. Beber, cair e levantar para beber e cair de nosso. Vida sem “freios” no comer, beber e se divertir ou curtir. Descontrolado, sem autocontrole, sou levado pelo “doce”, pois o que me agrada é que me conduz. Aqui o homem se perde por completo, pois não se eleva ao espiritual, nem desenvolve a força, a coragem, a audácia, a valentia necessária para afrontar as dificuldades da vida. Entregue à devassidão, a pessoa perde a chance de experimentar a beleza da vida, de enaltecer o próprio espírito e alcançar a liberdade (pois se encontra escravo dos próprios apetites) e o louvor que tanto traz a verdadeira alegria.

Inveja. Inveja é o “olho maldoso” que se sente mal quando percebe que o outro possui um bem, uma qualidade. Tem a ver com a avareza ou o medo que alguém tome o meu lugar, mesmo que o outro saiba realizar melhor uma tarefa, um trabalho.

Blasfêmia, difamação. Trata-se daquele espírito que rejeita, se opõem ou esconde a verdade. É uma coisa muito feia e nefasta, pois a verdade nos liberta das escravidões. Viver uma mentira ou viver de mentiras faz muito mal.

Arrogância, orgulho. A busca maluca de estar sempre em evidência, em primeiro lugar e sempre de “peito cheio”.

Estupidez, insensatez. Insensato na Bíblia é quem organiza sua vida de tal maneira que no fim perde tudo. É quem não acerta, quem erra. É quem “aposta”, se dedica e investe sua vida naquilo que não deveria “apostar”, se dedicar e investir. É quem nega a lei do amor e da cruz. Quem ama e serve consegue ser feliz, e quem não ama e nem serve de maneira nenhuma consegue ser feliz. Mas, o insensato insiste num caminho sem volta e sem retorno de felicidade.

Depois desta “radiografia” da alma, podemos afirmar que tantas escórias e impurezas podem, sim, se alojarem em nosso interior. A fé, a nossa fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo e também a nossa prática religiosa devem nos ajudar na busca da verdadeira pureza, pois “Os puros de coração verão a Deus”. Não é que Jesus critique os ritos por criticar. Ele critica o fato do “fariseu” se “esconder” nos ritos como “lobo em pele de cordeiro”.

Que os nossos ritos, religiosos (“ato penitencial”, “ação de graças”, “Missa”) ou civis (“aniversario”, “7 de setembro”, “ano novo”), sejam celebrações de nossas puras ações, puros sentimentos, puras intenções e puros pensamentos, e não uma hipocrisia, não uma comedia. Os mesmos ritos são também uma chamada, pois nos provocam a recomeçar a ter atitudes novas que honrem a Deus, de verdade.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.