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Homilia do XXIII Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 07/09/2019 - 19:58

XXIII Domingo do Tempo Comum - ano C(Lucas 14, 25-33)

- “Muita gente acompanhava Jesus” (v. 25). Jesus prossegue seu caminho para Jerusalém a fim de realizar o seu desejo maior, para não viver pela metade, para não concluir a sua vida sem manifestar o seu máximo, para cumprir o seu chamado: ofertar-se em corpo e alma, amar sem limites, abrir-nos as portas de um mundo novo: o Reino do seu Pai.  Muitos o acompanham. Muitos se “metem” a segui-Lo. No Brasil, talvez não se encontre ninguém que se diga contrário à Jesus Cristo, mesmo entre ateus. Mas tudo indica que como na época, hoje também, não nos é claro o que signifique seguir ao Mestre.

Seguindo para Jerusalém, amando a Deus sobre todas as coisas e amando o próximo mais do que a si mesmo, Jesus estava pronto a ofertar o melhor de si: seu sangue, sua vida plena, seu perdão, seu desejo de reconciliar a humanidade inteira, perdoar os vivos e os mortos, tecer comunhão, restaurar a humanidade. Todo discípulo também é chamado a ir à sua Jerusalém. Santa Gianna Beretta que preferiu deixar este mundo a fim de salvar o seu bebê, podia ter preferido a sua vida àquela de seu filho. Mas, se tivesse tomado esta decisão, não teria deixado o botão desabrochar, teria reprimido o amor que trazia dentro de si. Dizer “não” ao convite de ir à Jerusalém é reprimir em si o motivo maior do existir. Você vive pela metade ou está disposto a ir à Jerusalém?

- “Voltando-se, disse-lhes: ‘Se alguém vem a mim e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E quem não carrega a sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo’” (vv. 25-27).

“Odiar” pai e mãe: só amando de verdade nossos pais é que não os exploraremos exigindo coisas, tempo, atenção e afetos desmedidos como se eles fossem deuses. Somente amando-os de verdade é que não nos tornaremos “eternas” criancinhas que se negam a crescer: “amamaizados”.

“Odiar” a mulher: que eu não exija aquilo que o meu cônjuge não pode oferecer. O esposo, a esposa, é limitado. Não façamos de nossa união um egoísmo a dois e não nos comportemos como se o outro fosse um “deus”, o salvador, o “resolvedor” da minha angústia. Isso é perigoso, é reduzir a vida a dois. Todo casal cristão é chamado a se abrir para a comunidade e é chamado a adorar a Deus, o Esposo da humanidade.

“Odiar filhos e irmãos”: Não são meus filhos o meu futuro. Não façamos de nossos filhos e irmãos “bengalas de apoio”, pois eles hão de trilhar o próprio caminho. Que o Senhor Deus que nos chama a subir a Jerusalém, a caminhar, a dar o melhor de si, a desabrochar a flor que se esconde no botão, seja amado de todo o coração e alma, com todas as forças e entendimento. Este mandamento é o primeiro porque se cumprirmos este, então, podemos, certamente e na justa medida, amar pai, mãe, esposa, filhos, irmãos e a nossa própria vida. Importa reconhecer a Deus como o Senhor de tudo e de todos, pois somente desta forma os homens olharão uns aos outros como filhos do mesmo Pai.  

“Odiar” a própria vida: lutar, resistir e nunca se deixar vencer pelo egoísmo e por aquela tentação de desprezar o outro. Que o Senhor Deus seja o centro de tudo, o “centro de mim”.

Carregar a própria cruz. Temos nossos limites. Alguns deles até mesmo inaceitáveis. A cruz por carregar pode ser o nosso próprio eu, as fadigas, as responsabilidades, as contradições, as hostilidades, as incompreensões, os vexames, calúnias, difamações oriundas porque seguimos o Cristo, e ainda tudo que nos perturba, assila, irrita, importuna. Tais realidades formam a nossa cruz. Jesus pede que carreguemos a ela, pois se não a carregarmos, se não a aceitarmos ela nos esmaga. Não se trata de virar um “super-homem”, mas de não fugir da raia, de seguir, confiando no Pai, o caminho que leva à Vida.

“.... Quem de vós, querendo fazer uma construção (uma torre), antes não se senta para calcular os gastos que são necessários, a fim de ver se tem com que acabá-la?  ....” (v. 28-30).

A torre! Todos nós vamos construindo a nossa vida, a nossa torre, a nossa grandeza. Queremos um nome, um reconhecimento, bons filhos e sucesso em nossos empreendimentos: queremos uma torre. Cada um de nós, pela graça de Deus, tem um valor infinito: somos uma bela torre distinta das demais e que tem o seu brilho próprio. Mas, atenção! Custa! Edificar a vida como uma bela e segura torre exige, demanda sacrifício, exige prática da Palavra, exige: “Odiar” parentes, a própria vida, carregar a própria cruz, renunciar a tudo o que possui...

Torres fáceis? Podem ser construídas, mas não resistirão às adversidades da vida (“E o mundo passa, e a sua concupiscência” 1 Jo 2, 17). O espírito do mal nos ilude, faz-nos construir torres que caem aos pedaços. Não é por acaso que assistimos tantas juras de amor se perderam ao vento, tantas famílias em frangalhos, tantas vidas perdidas em “esquemas”, no tráfico por dinheiro fácil, em vaidades, em ciúmes e invejas, em prostituição, etc. Não nos iludamos: ao iniciar a construção da torre iremos entrar em guerra contra o espírito do mal e os pecados capitais (Gula - tudo para mim- , Avareza - o que vale é ter - , Luxúria - o que vale é o prazer - , Ira - tudo do meu jeito - , Inveja - o outro não presta - , Preguiça - não vale a pena o sacrifício - , Soberba – eu sou o cara).

- “Ou qual é o rei que, estando para guerrear com outro rei, não se senta primeiro para considerar se com dez mil homens poderá enfrentar o que vem contra ele com vinte mil?  De outra maneira, quando o outro ainda está longe, envia-lhe embaixadores para tratar da pa.” (vv.31-32) Afrontar o mal com as armas do maligno só pode dar em derrota, em acordo de paz com o próprio egoísmo e com o próprio mal. Por vezes vivemos titubeando, um pé lá e outro cá,  deixamos de lado o verdadeiro combate contras as forças do mal.

Então.... só construo a minha torre, só me torno rei vencedor se nada mais me possuir, se sou interiormente livre: “Assim, pois, qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (v. 33).

 “Na verdade, é uma grande coisa «deixar tudo», mas ainda é ainda mais importante «seguir a Cristo» ... Seguir a Cristo é a nossa tarefa, o nosso trabalho, e nisso consiste o essencial da salvação do homem; mas não podemos seguir a Cristo se não abandonarmos tudo o que nos entrava. .... «Nós deixamos tudo para Te seguir», diz Pedro, não apenas os bens deste mundo mas também os desejos da nossa alma. Porque quem continua apegado, nem que seja a si mesmo, não abandonou tudo. Mais ainda, não serve de nada deixar tudo à exceção de si mesmo, porque não há para o homem fardo mais pesado que o seu eu. Que tirano será mais cruel, que senhor será mais impiedoso para o homem do que a sua própria vontade? ... Por consequência, é necessário que deixemos os nossos bens e a nossa vontade própria se que queremos seguir Aquele que não tinha sequer «onde reclinar a cabeça» (Lc 9,58) e que não veio para fazer a sua vontade, mas a vontade daquele que O enviou (Jo 6,38).  O que vai acontecer em Jerusalém pelo qual se larga tudo? Aquilo pelo qual foi criado: a filiação divina, a participação na vida do Eterno, única vida que vence a morte e salva o bem que tanto gostamos (São Pedro Damião (1007-1072), eremita, bispo, doutor da Igreja 
Sermão 9; PL 144, 549-553).

A maior das Chantagens

 

Ser chantageado é uma experiência tremendamente sofrida, pois bloqueia e paralisa a pessoa que se vê submetida a um “tirano” implacável. É como se aperceber coagido, escravo, impotente, em angústia (apertado), asfixiado, nas mãos de estranhos e de inimigos. E qual é a maior chantagem? Medo de perder posses e reconhecimento? Medo da morte? Medo de comentários? Culpa? Remorso? Vícios? Medo de perder o (a) bem-amado (a)?

Somos chantageados: temos medo de ofertar a vida, como que ouvindo uma voz: “Se você se dedicar e for fiel não experimentará as outras coisas da vida”; “Se você não viver para si vai viver para quê?” E temos também a chantagem mais difícil de ser vencida: a vaidade (o “eu” próprio intocável; a beleza que não se pode esvair; a busca de aplausos, de reconhecimento e vitória, mesmo a custa dos demais).

 “Quem nasce do Espírito é como o vento: ninguém sabe de onde vem nem para onde vai”. “Em verdade, em verdade te digo (Pedro): quando eras mais moço, cingias-te e andavas aonde querias. Mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. Pedro será livre, livre até de si mesmo.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.