Homilia do XXIX Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago
XXIX Domingo do Tempo Comum
São Marcos 10, 35-45
- "Aproximaram-se de Jesus Tiago e João, filhos de Zebedeu, e disseram-lhe: "Mestre, queremos que nos concedas tudo o que te pedirmos." Se eles se aproximaram é porque não estavam pertos. É bem verdade que as pessoas podem viver tão distantes, mesmo que embaixo do mesmo teto. São Marcos, propositalmente, chama-os “filhos de Zebedeu” para dizer que ainda carregam dentro de si o “velho homem”, que ainda não são “filhos do Pai” e que ainda pensam como o pai terreno, o Sr. Zebedeu. Tornar-se homem adulto e cristão não é brincadeira e nem acontece naturalmente. Caso não façamos “violência” ao homem velho herdado jamais alcançaremos a maioridade espiritual e para sempre permaneceremos agindo, pensando e julgando como a maioria.
João e Tiago “querem” algo. Querer é buscar. Como é bom buscar! Sinal de que a alma está viva, viçosa, verdejante. Eles querem algo e pedem a Jesus. O Mestre pergunta: "Que quereis que vos faça?"(v. 36). Eles respondem: “Concede-nos que nos sentemos na tua glória, um à tua direita e outro à tua esquerda” (v. 37).
Jesus, aquele que acorda toda alma sonolenta, entra no “jogo” e se mostra disposto a escutar Tiago e João, a conceder aquilo que desejam. A resposta dos dois irmãos não deixa de causar perplexidade enquanto mostra o quanto não tinham entendido absolutamente nada, mesmo tendo visto e ouvido a Jesus por tanto tempo. De fato, pedem uma glória mundana e os primeiros lugares de comando, nem se “lixando” para os outros dez. Mostram-se mundanos e desejam glória mundana. Começam uma estratégia de aproximação junto ao Mestre em vista dos ministérios mais importantes do novo governo que imaginam esteja para ser instaurado quando Jesus entrar em Jerusalém. Para eles “glória” é ser servido, é instaurar o egoísmo como ordem do dia, é mandar e desmandar. “Glória” como a lei da força, da vingança e da prepotência. Copiam exatamente os poderosos mundanos. Os dois irmãos querem os primeiros lugares, como se o mundo existisse só pra eles, para servirem a eles, como se os outros contassem e valessem como valem e contam as coisas. Reduzem os demais a número e a meros funcionários.
No reino da “glória” mundana os homens rebaixam o estatuto do ser humano, repetem o pecado das origens. De fato, Adão reduziu Eva a uma coisa que se dá tal como se dá uma fruta, por exemplo. No relato do Gênesis, Adão considera que Eva foi dada assim como o fruto que lhe foi dado: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi (Uma pessoa é dada como um fruto é dado? - Gen 3, 12).
O outro rosto humano é um mistério. Há uma presença divina quando um humano se põe diante de mim, e, por isso, não posso reduzi-lo a número, a uma baixa categoria, nem posso excluí-lo de minha comunhão, não posso possuí-lo, abafa-lo e nem devorá-lo, mas está com ele.
Podemos passar a vida pedindo mal, não sabendo pedir, iludindo-se e querendo usar até Deus para satisfazer e alcançar glórias mundanas. Os dois irmãos aqui parecem arder de febre tal como a sogra de Pedro que não podia servir instalada que estava na cama só sendo servida e não sendo capaz de servir. Cativos e trancafiados em si, ensimesmados, ardem-se em busca de si mesmos e se prostram no próprio egoísmo em busca de carreira, de exaltação, usando os outros como massa de manobra em vista de nefastos fins. Para eles não existem nem situações e nem alguém por servir, mas há, sim, mil motivos para serem servidos.
- “‘Não sabeis o que pedis’, retorquiu Jesus. ‘Podeis vós beber o cálice que eu vou beber, ou ser batizados no batismo em que eu vou ser batizado?’. ‘Podemos’, asseguraram eles. Jesus prosseguiu: ‘Vós bebereis o cálice que eu devo beber e sereis batizados no batismo em que eu devo ser batizado. Mas, quanto ao assentardes à minha direita ou à minha esquerda, isto não depende de mim: o lugar compete àqueles a quem está destinado’” (vv. 38-40).
Tiago e João se mostram dispostos a tudo em vista do poder político. Imaginam-se ocupando o primeiro e o segundo ministérios. Dominados por esse imaginário nem sabem o que dizem e se mostram prontos para a “porrada”, para grandes sacrifícios, para a tomada do poder (“ ... Podeis beber o cálice que eu vou beber? “Podemos”, confirmaram eles).
Jesus vai introduzi-los no mistério da “glória” divina. A glória de Deus não é profana, tem a marca do serviço e do excessivo amor. O caminho para a “glória” passa por beber a vontade de Deus onde a própria vontade ou capricho se esvai. Trata-se de beber um cálice e receber um batismo que significa passar por um “desnorteamento”, uma novidade de vida, uma conversão, uma morte, um mergulho em águas profundas no qual o apoio não será mais nos próprios pés, mas no Alto, pois nossas raízes estão no Alto.
“Glória” para Jesus tem tudo a ver com “beber o cálice” e “receber o batismo”. “Glória” é fazer brilhar aquilo que se é; é o brilho que emana de uma realidade. A “glória” é uma manifestação exterior de uma riqueza existente dentro do ser. A “glória” de um coração é bombear o sangue que nutre todos os órgãos do corpo. A “glória” de Deus é o esplendor do amor: é o amor sendo “botado” para fora. Quando Jesus transformou água em vinho trazendo alegria para os noivos, foi dito que Jesus manifestou sua “glória”, seu poder amoroso que tirou os noivos da tristeza. A própria “cruz” é gloriosa, a morte de Jesus é gloriosa, é escandalosamente a “mostração”, a revelação explícita do mais íntimo de Deus: a Santíssima Trindade, o reino do Amor, o império da bondade, o governo da verdade se mostrando, se derramando (“Jesus lançou um grande brado, e entregou a alma. E eis que o véu do templo se rasgou em duas partes de alto a baixo, a terra tremeu, fenderam-se as rochas. Os sepulcros se abriram e os corpos de muitos justos ressuscitaram. ... O centurião e seus homens ... disseram: Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!" (Mt 27, 50-54).
- “Concede-nos que nos sentemos na tua glória”, pediram Tiago e João. Sentar na glória de Jesus? Sentar na glória de Jesus acontece quando eu não traio ao meu mais íntimo, torno-me livre até de mim mesmo, torno-me causa de vida para tantos, passo a viver para elevar outros, e, por fim, torno-me pertença dos irmãos.“Meu amor está crucificado. (Há em mim) apenas uma água viva e murmurante dentro de mim, dizendo-me em segredo: ‘Vem para o Pai!’” (Santo Inácio de Antioquia).
- “Ouvindo isto, os outros dez começaram a indignar-se contra Tiago e João. Jesus chamou-os e deu-lhes esta lição: "Sabeis que os que são considerados chefes das nações dominam sobre elas e os seus intendentes exercem poder sobre elas. Entre vós, porém, não será assim: todo o que quiser tornar-se grande entre vós, seja o vosso servo; e todo o que entre vós quiser ser o primeiro, seja escravo de todos. Porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos” (vv. 41-45).
Tem palavras ou expressões que ficam para sempre e ganham um significado especial para nós. Na história de Israel a expressão “Os outros dez” lembrava imediatamente um episódio: a separação ou divisão de Israel (cf. 1Rs 12). Mais uma vez se repete a história: a busca de poder destrói a comunhão e causa destruição da comunidade. De fato, os dez ficam contra os dois. Jesus, o bom mestre e paciente Deus entre nós lhes dá uma lição, convida-os à conversão de mentalidade e de atitudes, a deixarem ilusões de grandeza, a não se fixarem ou fissurarem na idéia maluca de se acreditarem mais dignos do que os demais. Depois, o bom Mestre começa a ironizar os poderosos deste mundo que são considerados os chefes das nações (Ser considerado não significa que seja realmente). Concluindo a lição, Jesus instiga os discípulos a se colocarem em ordem de batalha, a fazerem grande investimento na vida, em sonhar alto, isto é, alcançar a “glória” de servo, a sentarem na “glória” d´Ele: “... todo o que quiser tornar-se grande entre vós, seja o vosso servo”.Servidores é aquele que voluntariamente serve a mesa, que não é obrigado, mas que se coloca a disposição voluntariamente. E faz isso por amor, por paixão, pela alegria que há dentro. Uma catequista quando percebe que suas crianças estão crescendo como discípulas de Jesus, estão se tornando mais atenciosos com os colegas, mais amantes de Deus e da família, desenvolvendo capacidades e potencialidades, tal catequista experimenta a “glória” de ser serva. É glorioso servir e promover alegria em outro coração. Eu vivo uma experiência gloriosa, divina, quando descubro que a minha disposição, serviço, atenção e presente em teu favor fez nascer o melhor que tinhas, te fez uma pessoa melhor.
Podemos sentar na “glória” de Jesus também como o “primeiro”. Querer ser o “primeiro” talvez seja o máximo do desejo, pois Deus é o “primeiro”. Tudo bem: basta querer ser o “primeiro” à maneira de Deus, isto é, sendo escravo do bem, viver voltado para a outra face que me olha, e não dando às costas. Alcançar o “primeiro lugar” ocupando a “cadeira de escravo” é o máximo da “glória”, é gozar de uma liberdade que se libertou das amarras do medo e do egoísmo. Quem senta na “cadeira do escravo” já não mais se pertence... as rédeas se soltaram... a nau se entregou ao vento... o piloto automático foi ligado rumo ao Infinito. “Quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele” (S. João).
Sejamos escravos uns dos outros no Espírito Santo. “Quem nasce do Espírito é como o vento: ninguém sabe de onde vem nem para onde vai”. “Em verdade, em verdade te digo (Pedro): quando eras mais moço, cingias-te e andavas aonde querias. Mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. Pedro será livre, livre até de si mesmo, alcançou a liberdade servindo a comunidade, apascentando as ovelhas, sendo escravo delas.
- “Porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos” (v. 45). O Filho do homem não imita a sogra de Pedro, não vive febrilmente centrado em si, e nem prostrado numa cama enterrando tesouros. O Filho do homem vive para pagar o preço a fim de fazer nascer, liberar e libertar a liberdade de tantos irmãos. Ele é o Salvador, Aquele que resgata pagando na própria carne o preço da liberdade a fim de libertar a liberdade. Servindo e dando a vida em redenção de todos, Jesus faz um reconhecimento, acolhe amorosamente o desejo de cada homem que vem a este mundo que é o desejo de ser livre para amar, ser capaz de fazer o bem, sair da angustia e de tanta escravidão.
“Dar a vida”. Como é bonito escutar uma filha ou um filho narrar quanto o pai ou a mãe lhe foi dedicado, não o tratou como objeto ou um brinquedinho, mas o preparando para a vida. Temos aqui um exemplo de um “dar a vida”: alguém se consumiu por mim, fui amado ao ponto máximo, fui aceito, nasci para a vida. Sem esta experiência a vida não alcança a “graça”, se torna vida sem graça. Traz saúde para a alma ter vivido a experiência de que alguém morreu, se dedicou por mim, para que eu nascesse para a vida. Não existe outra lei de salvação nesta terra: eu somente me sinto “gente” quando reconheço e aceito o amor que alguém me deu. Para nós cristãos, Jesus, Nosso Salvador, é o amor maior que nos procura e que por nós entrega sua vida.