Homilia do XXIX Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago
XXIX Domingo do Tempo Comum - ano C (Lucas 18, 1-8)
- “Propôs-lhes Jesus uma parábola para mostrar que é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo” (v.1). Rezar ou orar é como viver de um outro respiro, do respiro de Deus. Sem rezar, sem orar, morre-se por falta de ar, vive-se sem viver, em falta, em vazio, em lamento, em súplica sem resposta, pois, afinal, há injustiças e contrariedades medonhas, maiores do que minhas forças. Em outras palavras, queremos a paz, a justiça, a reconciliação, uma solução para as mais diversas situações, pesar, sofrimentos e certos sentimentos. Queremos o Reino de Deus acontecendo em nós, em nossa família e em nosso meio. Para que isso aconteça se faz necessário orar, rezar, sem cessar.
Rezo porque reconheço minha precariedade diante de um anseio – uma injustiça, por exemplo - maior do que eu possa dar conta, e, assim, espero algo do grande Outro, de Deus. Rezar, portanto, expressa o desejo de relação, de relacionamento, de superar a solidão, de buscar apoio no Altíssimo. Quando eu rezo, eu entro numa relação de oferta, de ofertar minha vida a Deus, de entregar-se aos seus desígnios e soluções.
- Jesus nos pede de não deixarmos de rezar (Cf. v. 1). Quando deixamos de rezar é porque desistimos de um encontro, banimos o desejo de nós, não acreditamos mais na Vida, e, assim, iniciamos um processo de tristeza na vida, de desencanto, de falta, de desmotivação, de frustração e decepção. E decepcionados podemos passar a não mais acreditar no bem, na fidelidade, na verdade, na amizade e em tantas coisas belas tais como: um voluntariado, um gesto de solidariedade, a confiança no outro, etc.
2. “Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus, nem respeitava pessoa alguma. 3.Na mesma cidade vivia também uma viúva que vinha com frequência à sua presença para dizer-lhe: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário’. 4.Ele, porém, por muito tempo não o quis. Por fim, refletiu consigo: ‘Eu não temo a Deus nem respeito os homens; 5.todavia, porque esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, senão ela não cessará de me molestar’”.
A parábola, com a frase “Faze-me justiça contra o meu adversário”, expressa aquelas grandes perguntas: “Até quando Senhor?” “Quando virá o Reino e como vou entender tantas coisas que acontecem?” “Quando vai acontecer satisfação de todo o nosso desejo e a solução para tantas injustiças?”.
A viúva em desamparo perturba tanto o impiedoso juiz que este termina por resolver sua questão. Se até o perverso juiz termina por fazer justiça, quanto mais o bom Deus... Certamente fará justiça. Depende somente de nossa fé....
- “6.Prosseguiu o Senhor: ‘Ouvis o que diz este juiz injusto? 7.Por acaso não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que estão clamando por ele dia e noite? Porventura tardará em socorrê-los? 8.Digo-vos que em breve lhes fará justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?’” (vv. 6-8).
Os eleitos, os escolhidos, são aqueles que entenderam que urge rezar sempre sem desencorajar-se (sem desistir). São os que entenderam e que têm a certeza que são amados e “olhados” pelo Senhor. São os que buscam o Senhor e amam-No como Ele mesmo os busca e os ama. Os escolhidos vivem “tensionados” em direção ao Senhor Deus e desta maneira encontram sua dignidade, sua imagem e sua semelhança, salvam a própria humanidade e salvam toda a criação nesta sua relação com Deus.
- “... clamando por ele dia e noite ...” (v. 7) por Aquele que é o pai dos órfãos e o protetor das viúvas (Cf. Sl 68,6). De um lado parece que nós somos pacientes para com Deus (esperamos sua resposta) e de outro lado parece que Deus é paciente para conosco (espera nossa conversão), como diz a carta de São Pedro: “... um dia diante do Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia. O Senhor não retarda o cumprimento de sua promessa ... mas usa da paciência para convosco. ... quer que todos se arrependam" (2Pd 3, 8-9). De um lado, Deus tem paciência: um dia é como se fosse mil anos. De outro lado, o Senhor tem urgência, nos quer convertido como uma viúva que encontra o Esposo: mil anos como um dia.
“A demora de Deus”. Deus – porque é amor – tem desejo infinito por nós e espera que não percamos esse seu desejo, amor, por nós. Como pode acontecer isso? Se nós O desejamos – e não somente as coisas d´Ele – nós não perderemos seu desejo por nós, pois haverá encontro entre a criatura e o Criador. De qualquer maneira o ser humano tem precisão desse amor, desse desejo infinito para que finalmente se torne “gente”, se saia de um mero projeto “terreno” de vida. Se O desejarmos teremos acesso ao desejo infinito de Deus por nós. O drama é que os homens não buscam, não rezam, não desejam e terminam por rejeitar o desejo, o amor, de Deus. Mas Deus espera, tem paciência.
- “Digo-vos que em breve lhes fará justiça” (v. 8). Quando a comunidade cristã se mantém com o seu Senhor (orar sem desistir), abraça seu amor, pensamento, seus juízo e ações, significa que não mais é uma viúva porque finalmente encontrou o seu Esposo. Aqui o Reino já está acontecendo no cotidiano, não há mais desamparo porque estão unidos, aconteça o que acontecer (“Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”). Os meios e os caminhos nem sempre sabemos, mas a providência divina tem mostrado e dado provas de como realmente a salvação e o livramento acontecem, a justiça vai sendo realizada, os corações separados se reconciliam. Quem não se lembra de Noé? Enquanto o dilúvio se formava a família de Noé que esperava em Deus se salvou, enquanto outros.... E quem não se lembra de Ló? Enquanto a família de Ló saia de Sodoma, os demais habitantes.....
- “Digo-vos que em breve lhes fará justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?” (v. 8)
Fé é adesão aos pensamentos, juízos e atitudes do Senhor. Tal adesão acontece pela oração incessante, pela busca e o desejo d´Ele. Importa que nossa fé seja de tal quilate que cheguemos a amar com aquele amor que recebemos de Deus. Desta maneira o Reino vai acontecendo no nosso dia-a-dia.
A Bíblia termina com uma oração: “Vem, Senhor Jesus”. Oração que expressa aquele desejo maior pelas coisas do Alto, pelo amor, pela verdade e pelo bem. Para que o nosso desejo não seja pequeno, oremos sem cessar até que o nosso desejo se torne infinito, se torne desejo do Esposo, do Esposo da viúva desamparada que é a comunidade cristã neste mundo, que é toda alma cristã que anseia por novos céus e nova terra. Que a nossa oração nos leve a desejar o Senhor das bênçãos e não meramente as bênçãos do Senhor.