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Homilia do XXIX Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 19/10/2019 - 09:12

XXIX Domingo do Tempo Comum - ano C (Lucas 18, 1-8)

- “Propôs-lhes Jesus uma parábola para mostrar que é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo” (v.1). Rezar ou orar é como viver de um outro respiro, do respiro de Deus. Sem rezar, sem orar, morre-se por falta de ar, vive-se sem viver, em falta, em vazio, em lamento, em súplica sem resposta, pois, afinal, há injustiças e contrariedades medonhas, maiores do que minhas forças. Em outras palavras, queremos a paz, a justiça, a reconciliação, uma solução para as mais diversas situações, pesar, sofrimentos e certos sentimentos. Queremos o Reino de Deus acontecendo em nós, em nossa família e em nosso meio. Para que isso aconteça se faz necessário orar, rezar, sem cessar.

Rezo porque reconheço minha precariedade diante de um anseio – uma injustiça, por exemplo - maior do que eu possa dar conta, e, assim, espero algo do grande Outro, de Deus. Rezar, portanto, expressa o desejo de relação, de relacionamento, de superar a solidão, de buscar apoio no Altíssimo. Quando eu rezo, eu entro numa relação de oferta, de ofertar minha vida a Deus, de entregar-se aos seus desígnios e soluções.

- Jesus nos pede de não deixarmos de rezar (Cf. v. 1). Quando deixamos de rezar é porque desistimos de um encontro, banimos o desejo de nós, não acreditamos mais na Vida, e, assim, iniciamos um processo de tristeza na vida, de desencanto, de falta, de desmotivação, de frustração e decepção. E decepcionados podemos passar a não mais acreditar no bem, na fidelidade, na verdade, na amizade e em tantas coisas belas tais como: um voluntariado, um gesto de solidariedade, a confiança no outro, etc. 

2. “Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus, nem respeitava pessoa alguma.  3.Na mesma cidade vivia também uma viúva que vinha com frequência à sua presença para dizer-lhe: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário’. 4.Ele, porém, por muito tempo não o quis. Por fim, refletiu consigo: ‘Eu não temo a Deus nem respeito os homens; 5.todavia, porque esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, senão ela não cessará de me molestar’”.

A parábola, com a frase “Faze-me justiça contra o meu adversário”, expressa aquelas grandes perguntas: “Até quando Senhor?” “Quando virá o Reino e como vou entender tantas coisas que acontecem?” “Quando vai acontecer satisfação de todo o nosso desejo e a solução para tantas injustiças?”.

A viúva em desamparo perturba tanto o impiedoso juiz que este termina por resolver sua questão. Se até o perverso juiz termina por fazer justiça, quanto mais o bom Deus... Certamente fará justiça. Depende somente de nossa fé....

- “6.Prosseguiu o Senhor: ‘Ouvis o que diz este juiz injusto? 7.Por acaso não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que estão clamando por ele dia e noite? Porventura tardará em socorrê-los?  8.Digo-vos que em breve lhes fará justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?’” (vv. 6-8).

Os eleitos, os escolhidos, são aqueles que entenderam que urge rezar sempre sem desencorajar-se (sem desistir). São os que entenderam e que têm a certeza que são amados e “olhados” pelo Senhor. São os que buscam o Senhor e amam-No como Ele mesmo os busca e os ama. Os escolhidos vivem “tensionados” em direção ao Senhor Deus e desta maneira encontram sua dignidade, sua imagem e sua semelhança, salvam a própria humanidade e salvam toda a criação nesta sua relação com Deus.

- “... clamando por ele dia e noite ...” (v. 7) por Aquele que é o pai dos órfãos e o protetor das viúvas (Cf. Sl 68,6). De um lado parece que nós somos pacientes para com Deus (esperamos sua resposta) e de outro lado parece que Deus é paciente para conosco (espera nossa conversão), como diz a carta de São Pedro: “... um dia diante do Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia. O Senhor não retarda o cumprimento de sua promessa ... mas usa da paciência para convosco. ... quer que todos se arrependam" (2Pd 3, 8-9). De um lado, Deus tem paciência: um dia é como se fosse mil anos. De outro lado, o Senhor tem urgência, nos quer convertido como uma viúva que encontra o Esposo: mil anos como um dia.

A demora de Deus”. Deus – porque é amor – tem desejo infinito por nós e espera que não percamos esse seu desejo, amor, por nós. Como pode acontecer isso? Se nós O desejamos – e não somente as coisas d´Ele – nós não perderemos seu desejo por nós, pois haverá encontro entre a criatura e o Criador. De qualquer maneira o ser humano tem precisão desse amor, desse desejo infinito para que finalmente se torne “gente”, se saia de um mero projeto “terreno” de vida. Se O desejarmos teremos acesso ao desejo infinito de Deus por nós. O drama é que os homens não buscam, não rezam, não desejam e terminam por rejeitar o desejo, o amor, de Deus. Mas Deus espera, tem paciência.

- “Digo-vos que em breve lhes fará justiça” (v. 8). Quando a comunidade cristã se mantém com o seu Senhor (orar sem desistir), abraça seu amor, pensamento, seus juízo e ações, significa que não mais é uma viúva porque finalmente encontrou o seu Esposo. Aqui o Reino já está acontecendo no cotidiano, não há mais desamparo porque estão unidos, aconteça o que acontecer (“Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”). Os meios e os caminhos nem sempre sabemos, mas a providência divina tem mostrado e dado provas de como realmente a salvação e o livramento acontecem, a justiça vai sendo realizada, os corações separados se reconciliam. Quem não se lembra de Noé?  Enquanto o dilúvio se formava a família de Noé que esperava em Deus se salvou, enquanto outros....   E quem não se lembra de Ló? Enquanto a família de Ló saia de Sodoma, os demais habitantes.....

- “Digo-vos que em breve lhes fará justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?” (v. 8)

Fé é adesão aos pensamentos, juízos e atitudes do Senhor. Tal adesão acontece pela oração incessante, pela busca e o desejo d´Ele. Importa que nossa fé seja de tal quilate que cheguemos a amar com aquele amor que recebemos de Deus. Desta maneira o Reino vai acontecendo no nosso dia-a-dia.

A Bíblia termina com uma oração: “Vem, Senhor Jesus”. Oração que expressa aquele desejo maior pelas coisas do Alto, pelo amor, pela verdade e pelo bem. Para que o nosso desejo não seja pequeno, oremos sem cessar até que o nosso desejo se torne infinito, se torne desejo do Esposo, do Esposo da viúva desamparada que é a comunidade cristã neste mundo, que é toda alma cristã que anseia por novos céus e nova terra. Que a nossa oração nos leve a desejar o Senhor das bênçãos e não meramente as bênçãos do Senhor. 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.