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Homilia do XXVI Domingo do Tempo Comum - ano A / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 30/09/2017 - 10:20

XXVI Dom Comum Mateus 21, 28-32

Vários seguidores de duas grandes religiões se encontraram. Os primeiros disseram: “Pedimos ao nosso Deus e ele nos fez estes milagres.... curou estas pessoas... E o Deus de vocês?” Então, os outros responderam: “Para vocês milagre é quando Deus faz a vontade do homem; entre nós, ao contrário, milagre é quando o homem faz a vontade de Deus”.

E se eu topasse me tornar o que Deus dissesse de mim? Se eu topasse, descobriria o meu nome, estaria fazendo sua vontade, conhecendo seu desejo.

“O que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Foi até o mais velho e disse: ‘Filho, vai hoje trabalhar na vinha’. Ele, porém, respondeu: ‘Não quero ir’. Mas depois se arrependeu e foi. Foi, então, até o outro filho e falou a mesma coisa, e ele respondeu: ‘Vou, senhor’. Mas não foi.  Qual dos dois fez a vontade do pai?”“O primeiro”, responderam eles. Jesus lhes disse: “Eu vos garanto que os cobradores de impostos e as prostitutas entram antes no reino de Deus do que vós. Porque João veio a vós no caminho da justiça e não acreditastes nele, ao passo que os cobradores de impostos e as prostitutas acreditaram. E vós, vendo isso, nem assim vos arrependestes para crerdes nele”.

- Todos nós queremos “resultados”. Os pais esperam muito de seus filhos, esperam resultados, pois lhes dedicaram tempo, trabalho e dinheiro (suor). Quem trabalha, investe, espera, lá na frente, colher os frutos. A vida mesma se impõe e não temos como ir contra. Um dia precisaremos de um (a) amigo (a) fiel; outro dia, quando nem tudo estará sob o nosso controle, precisaremos de fé e esperança; em outra oportunidade, quando a traição se manifestar, só o amor de Deus poderá nos confortar; e por aí vai.....  A parábola de hoje nos chama a atenção! Aquilo que nos assegura, que nos dá resultado, que nos oferece firmeza e segurança, é o nosso “ir para a vinha”, é nossa prática, é fazer a vontade, o desejo de Deus. Mas, infelizmente, somos enganados pelo nosso falar, pela nossa imaginação, pela imaginação que pensa assim: “Digo ‘sim’ ao Senhor, proclamo o seu Nome, professo a fé, então estou OK”. Isso é que se chama “viver de aparência”. “Nem todo aquele que diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino, mas quem ouve e pratica”. Importa, portanto, “ir para a vinha”, praticar. Só assim teremos os “resultados”, a vida não será uma fadiga e nem uma decepção, desilusão.

- Quais práticas, quais frutos e qual conversão nos darão “resultado”, nos farão adentrar no Reino, na vida nova, em águas profundas?

Não ao fingimento. Podemos imaginar que os sumos sacerdotes e os anciãos do povo (aos quais Jesus conta a parábola) não tolerariam jamais mostrarem-se abertamente ao Senhor. São como o primeiro filho que disse “sim”, mas depois não foi para a vinha. Por que se fingem de bons filhos e depois não praticam? Por que usam a religião e o culto para escamotearem o seu não praticar a fé? Por que rezam e louvam tanto só para se justificarem, já que não praticam, não vão de verdade para a vinha, não semeiam e não dão frutos de benevolência por onde passam? Acreditamos que são fingidos porque eles têm uma terrível imagem de Deus em suas mentes. Acham que Deus seja do mesmo nível deles. Acham que se por acaso se mostrarem como são, não serão mais queridos por Deus. Como se Deus dissesse: “Só aceito vocês se......”. Na verdade, eles não amam a Deus, somente tentam ludibriar ao Senhor, dizendo-Lhe “sim” de “frente”, e fazendo o contrário pelas “costas”, igual certas crianças que, às escondidas, estiram a língua para os pais.

- o Segundo filho que disse “não”, mas, arrependido, foi trabalhar na vinha, representa toda pessoa que se abre totalmente ao Senhor, mostra suas misérias e feridas. Que não retêm o choro nem o desespero diante do Trono da Majestade. Que temem de verdade o Senhor, isto é, não temem mais a morte, temem perder a vida na qual estão agora ancorados, pois se descobrem vivendo desse Outro que é Deus, e não somente de um dizer e falar “sim, sim”, mas que não vai para a vinha, não produz frutos bons. Tais pessoas mostram-se por aquilo que são, reconhecem quando erram, mudam de vida. “Uma mulher que era pecadora na cidade, quando soube que ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso feito de alabastro cheio de perfume. Ela se pôs junto aos pés de Jesus, chorando. Começou a banhar-lhe os pés com as lágrimas e enxugá-los com os seus cabelos; beijava os pés e os ungia com o perfume” (Lc 7, 37-38). Aqui vemos verdadeiras relações religiosas, vitais, sem hipocrisia, mentira, faz de conta, etc. Jesus se faz presente como redentor, e, assim, há salvação, onde a dor, a alegria, a comoção, o pedido de perdão, a confissão de si e a transparência se fazem presentes.

Façamos a vontade do Pai, o desejo do Pai. A “liberdade” não é livre-arbítrio. Livre-arbítrio é fazer o que se escolhe. Liberdade é fazer o bem, o que Deus nos pede, mesmo que seja “contracorrente” e impopular. Vontade do Pai, liberdade e felicidade não se separam. Não temamos, Deus é ao nosso favor. Digamos-lhe “sim” e vamos.... Nossa felicidade se encontra na “vinha” do Pai, na sua vontade, no desejo que Ele tem para conosco.

Sobre a conversão. O segundo filho muda de opinião. Tinha dito “não”. Arrependeu-se e foi...  Mudar de opinião pode ser sinal de inteligência e sabedoria. Não nos apertemos, não nos prendamos a votos e juramentos íntimos que nos fazem mal. A vida também é futuro, é novidade, é convocação, chamado de Deus para novas realidades e situações. Conversão é entrar dentro dessa Vida maior que é Deus. Por isso, só nós perdemos quando não nos convertemos de nossos ídolos, rancores, indiferença, insensibilidade, orgulho,teimosia, birra, carrancismo, dureza de coração, preguiça espiritual, omissões, covardia, vícios, taras, etc.

Ainda sobre a conversão. Para se adentrar num mundo novo precisamos reconhecer nossos erros e tirar as consequências: deixar certas coisas e maneiras de agir e reagir e abraçar novas formas de lidar com as pessoas e com as coisas.  “Pois meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos –oráculo do Senhor” (Is 55,8). E quando a pessoa teima, birra e não se abre, não quer se converter? Pior ainda: e quando simplesmente a pessoa não sente necessidade de conversão? Simplesmente não vê motivos para tal? Provavelmente sente-se em linha de conforto, não se incomoda mais com o mau cheiro interno e externo. Façamos um exemplo. Uma pessoa que vive em crimes, pecados, desonestidades e ao mesmo tempo leve uma vida confortável, seja famoso e reconhecido pelo status social ou religioso, não deixará de se sentir uma pessoa justa. Já uma mulher que pratique a prostituição e tenha tal fama se sentirá sempre desconfortável, até porque a “boca” do povo sempre lhe lembrará quem ela seja. A conversão para ela se torna até mais fácil neste sentido, pois não tem como esconder sua situação. Já aquele pecador que desfruta de reconhecimento estará escondido nele mesmo e perante a opinião pública. E, assim, tal tipo de pessoa é considerado ou se considera justo. Por isso, acreditamos, Jesus usa uma linguagem muito chocante para os pecadores que se consideram justos: “Eu vos garanto que os cobradores de impostos e as prostitutas entram antes no reino de Deus do que vós”. São palavras de fogo para dizer ao falso justo que ele é pior dos piores, pior do que um cobrador de impostos, pior do que uma prostituta, pois esconde o pecado. O objetivo das palavras de fogo é fazer sentir-se mal com o mal praticado, a fim de que não se consuma no descaso, na indiferença; para que não se consuma resistindo sempre ao Espírito Santo. “Assim esforcemo-nos, pois, por entrar neste descanso a fim de que ninguém caia neste mesmo exemplo de desobediência. Porque a palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que uma espada de dois gumes. Penetra até a divisão da alma e do espírito, até as junturas e a medula. É capaz de julgar os pensamentos e as intenções do coração. E não há coisa criada que fique oculta à sua presença. Ao contrário, todas são nuas e manifestas aos olhos daquele a quem havemos de prestar conta” (Heb 4, 12-13). Cf. Jo 9, 41; Lc 18, 9-14. Tinha a águia que pensava ser galinha. Estava em torpor, embasbacada. Veio um vento forte e ela na reação ao vento descobriu ser águia. Saiu do torpor. Só um vendaval, uma procela instaurada pode desfazer o torpor. Por vezes um nocaute na vida se faz preciso, a fim de que um torpor se desmanche e um embasbacado acorde.

- Quais práticas, quais frutos e qual conversão nos darão “resultado”, nos farão adentrar no Reino, na vida nova, em águas profundas? Alicerçados no desejo do Pai, na sua vontade, seremos filhos do Pai e irmãos dos outros filhos dEle, e daremos frutos de compaixão, de solidariedade, de adoração em espírito e verdade, de fé amorosa, de humildade verdadeira; e ainda tomaremos a defesa dos mais fracos. Tudo isso significa combater o “não” à Deus que pode haver em nós, isto é, a impiedade, a indiferença com a dor alheia, a religião de fachada, a avareza, a exploração dos mais indefesos, o uso da religião para o próprio beneficio, a hipocrisia,  a soberba e o desprezo pelos pobres.

 

Comentários finais.

- É muito importante conhecermos os Evangelhos, pois neles Jesus corrige nossas falsas idéias e imagens de Deus. Herdar e manter a idéia de um Deus como um patrão impiedoso provoca duas reações negativas diante desse patrão divino: rebelião ou humilhação. Rebelo-me porque vejo que me esmaga, anula. E por isso não faço a vontade dele (“... disse ‘não’”). Humilho-me porque não tem outro jeito, ele é mais forte. E “no fundo no fundo” também não quero fazer a vontade dele (“...disse ‘sim’, mas não foi”).  Não! O Deus revelado por Jesus nos quer em relação amorosa e em liberdade. Agora, sim, sabendo que o Pai me trata como filho, me quer em amando e em liberdade, posso aderi-Lo, fazer um pacto, uma aliança do Ele, aceitar sua paternidade, posso dizer-Lhe “sim” de coração e ir de verdade para sua vinha.

- Quanto deve sofrer uma moça que guarda os mais puros sentimentos em vista de um matrimônio, e, ao mesmo tempo, não encontra um pretendente à altura. É como ter uma bela rosa em mãos e não ter a quem ofertá-la. Essa é a historia do filho que disse “não”, mas depois foi, pois trazia no seu íntimo o desejo de se abrir e participar da vida do Pai. Ainda bem que se deu conta que o Pai não era um carrasco, e por isso realizou o seu sonho. Caso isso não ocorresse terminaria sua vida como aquele que disse “sim”, mas não foi. Que significa não ir para a vinha, não fazer a vontade, o desejo do Pai? Significa sufoco, sufocamento: “morreu afogado no próprio vômito”. Significa não escutar as palavras do Mestre: “Vamos para águas mais profundas, não se reduza, deseje meu desejo (fazer a vontade do Pai, o desejo do Pai)”. No dia que Lázaro ouviu o desejo de Jesus, desejou o desejo de Jesus, ele saiu da sepultura.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.