Homilia do XXVI Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago
XXVI Dom Comum Mateus 21, 28-32
“O que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Foi até o mais velho e disse: ‘Filho, vai hoje trabalhar na vinha’. Ele, porém, respondeu: ‘Não quero ir’. Mas depois se arrependeu e foi. Foi, então, até o outro filho e falou a mesma coisa, e ele respondeu: ‘Vou, senhor’. Mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? ‘O primeiro’, responderam eles. Jesus lhes disse: Eu vos garanto que os cobradores de impostos e as prostitutas entram antes no reino de Deus do que vós. Porque João veio a vós no caminho da justiça e não acreditastes nele, ao passo que os cobradores de impostos e as prostitutas acreditaram. E vós, vendo isso, nem assim vos arrependestes para crerdes nele”.
- Todos nós queremos “resultados”. Os pais esperam muito de seus filhos, esperam resultados, pois lhes dedicaram tempo, trabalho e dinheiro (suor). Quem trabalha, investe, espera, lá na frente, colher os frutos. A vida mesma se impõe e não temos como ir contra. Um dia precisaremos de um (a) amigo (a) fiel; outro dia, quando nem tudo estará sob o nosso controle, precisaremos de fé e esperança; em outra oportunidade, quando a traição se manifestar, só o amor de Deus poderá nos confortar; e por aí vai..... A parábola de hoje nos chama a atenção! Aquilo que nos assegura, que nos dá resultado, que nos oferece firmeza e segurança, é o nosso “ir para a vinha”, é nossa prática, é fazer a vontade, o desejo de Deus. Mas, infelizmente, somos enganados pelo nosso falar, pela nossa imaginação, pela imaginação que pensa assim: “Digo ‘sim’ ao Senhor, proclamo o seu Nome, professo a fé, então estou OK”. Isso é que se chama “viver de aparência”. “Nem todo aquele que diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino, mas quem ouve e pratica”. Importa, portanto, “ir para a vinha”, praticar. Só assim teremos os “resultados”, a vida não será uma fadiga e nem uma decepção, desilusão.
- Quais práticas, qual conversão e quais frutos nos darão “resultado”, nos farão adentrar no Reino, na vida nova, em águas profundas?
- Não ao fingimento. Podemos imaginar que os sumos sacerdotes e os anciãos do povo (aos quais Jesus conta a parábola) não tolerariam jamais mostrarem-se abertamente ao Senhor. São como o primeiro filho que disse “sim”, mas depois não foi para a vinha. Por que se fingem de bons filhos e depois não praticam? Por que usam a religião e o culto para escamotearem o seu não praticar a fé? Por que rezam e louvam tanto só para se justificarem, já que não praticam, não vão de verdade para a vinha, não semeiam e não dão frutos de benevolência por onde passam? Será que são fingidos porque eles têm uma terrível imagem de Deus em suas mentes? Acham que Deus seja do mesmo nível deles? Acham que se por acaso se mostrarem como são, não serão mais queridos por Deus? Imaginam Deus dizendo: “Só aceito vocês se......”. Ou será que, na verdade, eles não amam a Deus, e tentam ludibriar ao Senhor, dizendo-Lhe “sim” de “frente”, e fazendo o contrário pelas “costas”, igual certas crianças que, às escondidas, estiram a língua para os pais?
- o Segundo filho que disse “não”, mas, arrependido, foi trabalhar na vinha, representa toda pessoa que se abre totalmente ao Senhor, mostra suas misérias e feridas; que não retém o choro nem o desespero diante do Trono da Majestade; que teme de verdade o Senhor, isto é, não teme mais a morte, teme perder a vida na qual está agora ancorado, pois se descobre vivendo desse Outro que é Deus, e não somente de um dizer e falar “sim, sim”, mas que não vai para a vinha, não produz frutos bons. Tal pessoa mostra-se por aquilo que é, reconhece quando erra, muda de vida. “Uma mulher que era pecadora na cidade, quando soube que ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso feito de alabastro cheio de perfume. Ela se pôs junto aos pés de Jesus, chorando. Começou a banhar-lhe os pés com as lágrimas e enxugá-los com os seus cabelos; beijava os pés e os ungia com o perfume” (Lc 7, 37-38). Aqui vemos verdadeiras relações religiosas, vitais, sem hipocrisia, mentira, faz de conta, etc. Jesus se faz presente como redentor, e, assim, há salvação, onde a dor, a alegria, a comoção, o pedido de perdão, a confissão de si e a transparência se fazem presentes.
- Façamos a vontade do Pai, o desejo do Pai. A “liberdade” não é livre-arbítrio. Livre-arbítrio é fazer o que se escolhe. Liberdade é fazer o bem, o que Deus nos pede, mesmo que seja “contracorrente” e impopular. Vontade do Pai, liberdade e felicidade não se separam. Não temamos, Deus é ao nosso favor. Digamos-lhe “sim” e vamos.... Nossa felicidade se encontra na “vinha” do Pai, na sua vontade, no desejo que Ele tem para conosco.
- Sobre a conversão. O segundo filho muda de opinião. Tinha dito “não”. Arrependeu-se e foi... Mudar de opinião pode ser sinal de inteligência e sabedoria. Não nos enlacemos ou nos prendamos a votos e juramentos íntimos que nos fazem mal. A vida também é futuro, é novidade, é convocação, chamado de Deus para novas realidades e situações. Conversão é entrar dentro dessa Vida maior que é Deus. Por isso, só nos perdemos quando não nos desvincilhamos e quando não nos convertemos de nossos ídolos, rancores, indiferença, insensibilidade, orgulho, teimosia, birra, carrancismo, dureza de coração, preguiça espiritual, omissões, covardia, vícios, taras, etc.
Ainda sobre a conversão. Para se adentrar num mundo novo precisamos reconhecer nossos erros e tirar as consequências: deixar certas coisas e maneiras de agir e reagir e abraçar novas formas de lidar com as pessoas e com as coisas. “Pois meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos –oráculo do Senhor” (Is 55,8). E quando a pessoa teima, birra, não se abre e não quer se converter? E quando - pior ainda - simplesmente a pessoa não sente necessidade de conversão e não vê motivos para tal? Provavelmente sente-se em linha de conforto, não se incomoda mais com o mau cheiro interno e externo. Façamos um exemplo. Uma pessoa que vive em crimes, pecados, desonestidades e ao mesmo tempo leva uma vida confortável, é bem bem quisto em seu meio e reconhecido por seu status social ou religioso, não deixará de se sentir uma pessoa justa, apesar de seus crimes de pecados. Já uma mulher que pratique a prostituição e tenha tal fama se sentirá sempre desconfortável, até porque a “boca” do povo sempre lhe lembrará quem ela seja. A conversão para ela se torna até mais fácil neste sentido, pois não tem como esconder sua situação. Já aquele pecador que desfruta da “proteção social” estará escondido nele mesmo e perante a opinião pública. E, assim, tal tipo de pessoa é considerada justa. Por isso, acreditamos, Jesus usa uma linguagem muito chocante para os pecadores que se consideram justos: “Eu vos garanto que os cobradores de impostos e as prostitutas entram antes no reino de Deus do que vós”. São palavras de fogo para dizer ao “falso justo” que ele é o pior dos piores, pior do que um cobrador de impostos, pior do que uma prostituta, pois esconde o pecado. O objetivo das palavras de fogo é fazer sentir-se mal com o mal praticado, a fim de que não se consuma no descaso, na indiferença; para que não se consuma resistindo sempre ao Espírito Santo. “Assim esforcemo-nos, pois, por entrar neste descanso a fim de que ninguém caia neste mesmo exemplo de desobediência. Porque a palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que uma espada de dois gumes. Penetra até a divisão da alma e do espírito, até as junturas e a medula. É capaz de julgar os pensamentos e as intenções do coração. E não há coisa criada que fique oculta à sua presença. Ao contrário, todas são nuas e manifestas aos olhos daquele a quem havemos de prestar conta” (Heb 4, 12-13. Cf. Jo 9, 41; Lc 18, 9-14). Tinha a águia que pensava ser galinha. Estava em torpor, embasbacada. Veio um vento forte e ela na reação ao vento descobriu ser águia. Saiu do torpor. Só um vendaval, uma procela instaurada pode desfazer o torpor. Por vezes um nocaute na vida se faz preciso, a fim de que um torpor se desmanche e um embasbacado acorde, se converta.
- Quais práticas, qual conversão e quais frutos nos darão “resultado”, nos farão adentrar no Reino, na vida nova, em águas profundas? Alicerçados no desejo do Pai, na sua vontade, seremos filhos do Pai e irmãos dos outros filhos d´Ele, e daremos frutos de compaixão, de solidariedade, de adoração em espírito e verdade, de fé amorosa, de humildade verdadeira; e ainda tomaremos a defesa dos mais fracos. Tudo isso significa combater o “não” à Deus que pode haver em nós, isto é, a impiedade, a indiferença com a dor alheia, a religião de fachada, a avareza, a exploração dos mais indefesos, o uso da religião para o próprio beneficio, a hipocrisia, a soberba e o desprezo pelos indefesos e frágeis.