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Homília do XXVII Domingo do Tempo Comum - ano A / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 08/10/2017 - 19:29

XXVII Dom Comum Mateus 21, 33-43

Um pai de família plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, escavou um tanque para esmagar as uvas, construiu uma torre e arrendou tudo a uns lavradores. Depois viajou para o exterior.  Depois quando chegou o tempo da safra, mandou por duas vezes escravos receberem dos lavradores sua parte dos frutos. Os lavradores mataram todos e depois, para ficarem com a herança, mataram o próprio filho do pai de familia. Jesus, na parábola, declara que o filho, a pedra rejeitada se tornará a pedra principal, pois o Senhor faz maravilhas. E diz ainda: “O reino de Deus será tirado de vós e será dado a um povo que produza os devidos frutos. Aquele que cair sobre esta pedra ficará despedaçado, e aquele sobre quem ela cair será esmagado”.

A parábola do pai de família que plantou uma vinha revela o rosto de Deus, sua intimidade. A marca do zelo, da ternura e do cuidado de Deus, revelado por Jesus, se expressa de muitas maneiras:

- “Plantou uma vinha”: o Pai revela seu amor aos filhos. Plantar a “vinha” é um trabalho paciente e inteligente, que exige empenho e fadiga. Faz-se necessário encontrar o terreno adequado, ará-lo e drená-lo, escolher e plantar cada pé de videira. Não se planta de qualquer maneira, é uma por uma com todo esmero, amor, atenção, delicadeza, alegria e zelo: já pensou ser criado e tratado assim?

- E qual será a maior alegria do Pai? Que cada videira frutifique segundo o bom desejo do seu coração: que os filhos, as videiras, se tornem luz para os irmãos, cachos de uva que embelezam, saciam, alegram com o vinho, alimentam. Já pensou uma comunidade, uma família onde cada um é uma videira para o outro?

- “Plantar a vinha” sintetiza a ação de Deus pelo seu povo eleito, desde os patriarcas até os Juízes, desde a promessa da terra prometida até o dom da Palavra (o Verbo se fez carne e fala nossa linguagem). Esta vinha estaria pronta para responder ao amor do Pai com o amor aos irmãos. Se não faz isso é como a figueira estéril. (cf. Mt 7,12; 22,36-40; Dt 4,6s e Lv 19,18).

- “... cercou-a com uma sebe”: A sebe delimita e protege a propriedade dos ladrões e de animais que estragam a plantação. Símbolo da lei, que caracteriza o povo na sua diversidade: torna o povo semelhante a Deus, indicando-lhe o bem e protegendo-o do mal. Imaginemos, aqui, o pai de família que protege a seus filhos alargando seus braços para, assim, abraçá-los: Deus protege seu povo com a Lei, assim como o pai com um abraço.

- “... escavou um tanque para esmagar as uvas” é o altar do qual sobe o sacrifício agradável ao Senhor que é a misericórdia do homem (Mt 9,13; 12,7). E se faltarem as uvas? Parecerá que tudo foi em vão, a tristeza reinará tal como uma figueira estéril e amaldiçoada (cf. Is 1,10-20; 58,1ss; Jer 7,1ss; Am 5,21-27; Ml 3,1-5).

- “... construiu uma torre”: A torre faz lembrar o templo! A torre não permite que a vinha seja devastada, é nela que os frutos são recolhidos. Assim, o templo não se torna casa de comércio e malfeitores, mas casa abundante de comunhão com o Pai e com os irmãos de todas as raças. Que nossas liturgias não sejam de aparência, mas momento de celebrar a vida cristã que se vive, vida de comunhão.

- “... e arrendou tudo a uns lavradores” que deveriam se comportar como Adão, colaborar com a ação de Deus cultivando e sendo custódio do jardim (cf. Gn 2, 15), e não destruindo para possuí-lo.

- “... Foi para um país estrangeiro”. Deus não é um intrometido, bisbilhoteiro, ciumento! Mas doa ao ser humano tudo que é humano, sobretudo a liberdade de agir como ele. Feito ao sexto dia, tem o dever de casa de levar a criação ao sétimo, ao descanso de Deus. Por isso a parábola diz que ele foi para um país distante, se fez ausente, e assim a responsabilidade é entregue aos filhos adultos que vivem como irmãos. Vale a pena lembrar que se ele se faz estrangeiro podemos encontrá-lo pedindo acolhida (cf. 25,31-46). A ausência de Deus é a chance dele aparecer no irmão. Por vezes, os homens preferem não ter liberdade, vendem suas almas a um “príncipe encantado”, a um guru, a um líder religioso. Deus quer filhos amigos que estabelecem relações marcadas pela liberdade. E é grande liberdade colaborar na construção do próprio nome aderindo ao desejo de Deus que nos chama sempre para o assim dito “impossível” (“pescadores de homens”, “ver o céu aberto”, “fazer obras maiores do que as que ele fez”, ressuscitar os mortos, etc.).

- Planta, cerca o terreno, escava, constrói tanque e torre, confia a produção a outros: demonstrações dos cuidados e do amor de Deus. Era como se dissesse: “Eu vim fazer amizade, pacto e aliança convosco; eu vim mostrar o acesso a uma vida plena e sensata; eu mostrei a cura de Deus, matei a fome de muitos, iluminei a todos, perdoei todos os vossos crimes, ofereci minha vida por vós, por que então quereis matar-me, rejeitar-me, manter-me longe e distante de vós?”. Por que o ser humano disse “não” ao Senhor? Por que quis roubar-lhe a vida, a herança e matar ao próprio Deus?

- O pai pensou amorosamente: "Eles vão respeitar o meu filho”’. O pai expondo o “filho” está expondo a si próprio, pois um homem só é pai se tem um filho. O filho é que lhe faz um pai. Perdendo o filho, não há mais pai. O dono da vinha envia o que de mais precioso ele tem, é a sua essência. Perder o filho significaria perder-se como pai. Alto risco! Tudo isso é como se dissesse: “Mais do que isso não posso fazer, pois o que faço, enviando meu filho, é enviar a mim mesmo, toda a minha pessoa”. Alto risco!

- Até aqui temos visto a fadiga de um Deus que ama e cuida a fim de que o filho se torne adulto. Deixa tudo prontinho para o filho ser feliz (dar frutos). Manifesta o seu amor com fatos. Nós, filhos, somos chamados a dar frutos que nos fazem semelhantes à ele, isto é,  manifestar nosso amor com fatos: plantar, escavar, construir tanques e torres...

Deus envia sinais

vv. 34ss - O amor de Deus não está só no início, mas nos acompanha, nos envia mensageiros, profetas e mensagens. Precisamos desses alertas, pois quase sempre enveredamos por caminhos tortuosos no agir e no pensar; muitas vezes insistimos em ações e julgamentos que não trazem vida, mas só sofrimento a nós e aos demais. Terminamos por destruir relações e outras coisas mais... A parábola nos narra que o pai enviou muitos mensageiros e por diversas vezes. Narra também que enviou o próprio filho para acordar-nos, nos fazer pensar e converter. Loucura diria alguém: se mataram os escravos do pai, imagine colocar o filho em alto risco! É jogar uma ovelha no meio de lobos agressivos e vorazes.

- Os alertas, as mensagens de Deus, são como uma chamada telefônica: o telefone toca....: vamos atender ou não?  A Vida é cheia de chamadas.... para quem as atende. Coloquemo-nos perguntas: “O que isso quer me dizer?” “O que devo aprender com isso?” Deus fala nos fatos do cotidiano, e, assim, podemos dizer: “Não há maior mestre do que a vida.... para quem a escuta, claro! Mas, para quem não a escuta, a vida não passa de um passeio sem graça, estúpido, insignificante, sem sentido e um tanto doloroso. O Senhor, portanto, está em cada evento, em cada situação, seja ela alegre ou triste. “Tudo fala, indica, aponta”. Importa aquela atitude silenciosa e aberta que percebe o latejar e palpitar presente em tudo que acontece. Não vale a pena tentar meramente esquecer ou “deixar quieto”, mas como Maria guardar, conservar e meditar. Escuta os teus anjos: ao seu tempo tudo terá o seu sentido explícito, e aquilo que não entendíamos ou entendemos, entenderemos.

- Tem uma mulher que sempre se bate e tromba nas coisas da casa. Podemos até rir disso. Na verdade, ela não enxerga muito bem, não enxerga o que deveria enxergar. Hoje rimos porque não vê bem as coisas da casa. Mas se um dia não enxergasse um carro que vem emsua direção?

- vv. 40-41. Qual será a condenação para os homicidas? Aqueles que escutavam a Jesus responderam: “Fará perecer de morte horrível os malfeitores e arrendará a vinha a outros lavradores que lhe dêem os frutos a seu tempo”.  E, assim, pensamos que Deus seja mais violento do que os malvados, e exerce justiça com a mesma moeda. Na verdade, a condenação que os homicidas merecem será paga pelo próprio Senhor, que por nós se fez maldição e pecado, para que nos tornássemos justiça de Deus (Gal 3,13; 2Cor 5,21). Por isso Jesus declara: “A pedra rejeitada pelos construtores é que se tornou a pedra principal. Foi obra do Senhor, digna de admiração para nossos olhos? Por isso eu vos digo: O reino de Deus será tirado de vós e será dado a um povo que produza os devidos frutos.  Aquele que cair sobre esta pedra ficará despedaçado, e aquele sobre quem ela cair será esmagado”. A reação do pai que perdeu escravos e filhos e tudo o mais é continuar sua obra de salvação, de continuar preparando uma nova vinha em vista de belos frutos, e não fazer ninguém pagar na mesma moeda.

- Jesus, o Filho, a pedra desprezado pelos irmãos (chefes do povo e da religião), se torna pedra angular de um novo templo, não de pedras, mas de “adoradores em espírito e verdade”. É o Filho que nos dá a herança divina, nos faz ter o mesmo “sangue” de Deus. É o Filho que une o Pai aos filhos que somos nós, e une os irmãos entre si, não importando que sejam gentios, pagãos ou judeus. Um novo templo é erguido. A obra maravilhosa e digna de admiração, aqui, é que a nossa violência provoca a misericórdia divina. A Igreja reconhece em Jesus o Cordeiro, imolado e vitorioso (cf. Ap 5,6.13), que vence o mal com o bem (cf. Rm 12,21), apagando em si a nossa potência de morte, deixando que extravasemos nossa violência sobre ele, tal como pai que do filho mais velho recebe toda ira, escárnio e reprovação (cf. Lc 15, 11ss).  

- Por que é obra digna de admiração? Porque do mal que lhe fizemos, ele fez um bem. Um dia os homens cometeram um crime quase impensável, mataram o autor da vida (cf. At 3, 15). No entanto, a Palavra se faz valer e não deixa o caos predominar (“A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o Oceano e um vento impetuoso soprava sobre as águas. Deus disse: ‘Faça-se a luz’! E a luz se fez.....” - cf. Gen 1, 2ss). Naquele dia, quando a “Pedra” rejeitada se tornou pedra angular, mais uma vez o mundo se recria cheio da glória de Deus.  Com sua morte, Deus cria e oferta o bem supremo para cada um de nós: o dom de si.  Algo semelhante vemos em José do Egito: “Vós planejastes fazer o mal contra mim. Deus, porém, teve em mente com isso um bem: conservar a vida de um povo numeroso, como hoje está fazendo” (Gen 50,20). “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (cf. Rm 8,28). Divinamente, santamente, “com os perversos, Deus é astuto” (Salmo 17 ou 18,27): roubamos seus dons, e Ele faz do nosso furto, da nossa agressão, o seu dom! No dia que o soldado maldosamente transpassou o coração de Jesus.... saiu para ele, o perverso soldado, o melhor que Jesus tinha: sangue e água jorraram do mais íntimo de Jesus, do seu coração. Deus, sumo bem se oferta à nossa humanidade naquilo que esta tem de pior.

- Abismo chama abismo. No assassinato do Filho se cumpre tudo, seja a nossa perversidade seja a bondade do Filho. A maldade humana só se esgota tirando o autor da vida. De fato, o soldado perverso esgotará sua maldade tirando a vida de Jesus: foi o primeiro a proclamar que Jesus é realmente o Filho de Deus. Os homens sempre foram tentados a obter a herança de Deus. Por isso, a serpente disse a Eva: “Se comerdes.... sereis como deuses, semelhantes ao Senhor” (cf. Gn 3, 5). Muito bem! Deus dará essa herança: matando o Filho obtivemos a sua herança: temos entre as mãos o fruto que nos faz semelhantes ao Senhor. O Filho assume nossa herança, nossa nudez, e nós assumimos suas vestes: “Assim que o crucificaram, repartiram entre si as suas vestes, tirando a sorte” (27,35).

- Os homicidas, pretendendo apagar o Filho do homem da face da terra, terminam permitindo que Ele exerça o seu melhor serviço, sua melhor senhoria: absolvendo em si o mal deles, não resistindo ao mal com o mal, revela quem é Deus - que se esgota até ao fim para salvar o homem iludido pelo mal - e revela também quem é o homem à sua imagem e semelhança – que não paga mal com mal.

- Aquele que cair sobre esta “Pedra” ficará despedaçado, e aquele sobre quem ela cair será esmagado. Esta passagem fala da cruz, da sua força e fragilidade, e que, no entanto, derruba todo ídolo e todo orgulho. Ninguém escapa do juízo que sai de Jesus crucificado que despedaça e esmaga a nossa falsa imagem de Deus e nossa falsa imagem de homem. Jesus crucificado é o Cordeiro vencedor devorado pelos lobos, o Inocente. Toda e qualquer “consciencia” dos homens desse mundo se acusa diante do Inocente. O Inocente Jesus crucificado restitue a Dio a sua glória, não permite que Deus seja usado de qualquer maneira, e também restitui ao homem a sua liberdade despedaçando e esmagando toda opressão. Cf. Dn 2,31-45.

- “O reino será tirado e será dado a “outros lavradores”:  serão aqueles que vendo o sinal do Filho do homem baterão no peito (Mt 24,30), reconhecendo o próprio não, a própria aversão ao Senhor, o próprio pecado, e ao mesmo tempo reconhecem o eterno “sim” e amor de Deus que é fiel em amar-nos mesmo quando somos traidores. Trata-se de acatar o dom do Messias, superando a autossuficiência. Os novos lavradores darão frutos, o fruto da vida fraterna, verdadeiros frutos de conversão. “Colocarei minha lei no seu seio e a escreverei em seu coração. Então eu serei seu Deus e eles serão meu povo” (Jer. 31,31-34).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.