Homilia do XXX Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago
XXX Domingo do Tempo Comum - ano A - Mateus 22, 34-40
O Evangelho de hoje nos pede de amar. Alguém disse que amar é dar o que não se tem. Neste sentido, algo me falta e, por isso mesmo, desloco-me para alguém, amo alguém, desejo alguém, sou constituído em direção à outra pessoa, quero oferecer meu ser a outro e que eu mesmo, com minha falta, seja suficiente ao outro. Queremos doar a nossa falta a alguém e nos colocar sob o olhar desse alguém como alguém amado. Devemos lembrar também que a palavra “amor” expressa um afeto ou uma atração que visa a posse de algo, uma virtude, alguém, a verdade, Deus. Expressa ainda uma eleição, a compaixão, respeito, um cuidado, a fidelidade, afeição por alguém ou por Deus.
Não sejamos metidos a autossuficientes, mas amemos a Deus e ao próximo.
“... ‘Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?’ Jesus lhe respondeu: ‘Amarás o Senhor teu Deus, de todo o coração, com toda a alma e com toda a mente. ... o segundo é semelhante a este: Amarás o próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas’”.
Ame! Não se meta a ser autossuficiente.
- Perguntando: “Qual é o maior mandamento da lei”, queriam uma norma de lei a cumprir. Talvez cumprir o a lei do “sábado”. Hoje em dia muitos procuram seguir a “lei” (certas igrejas) em busca de “salvação”. Jesus convida aos seus ouvintes a mudarem de rota: o mais importante é outra coisa, o mais importante é “amar”, portanto, “.... amarás o Senhor teu Deus .... e amarás o próximo como a ti mesmo” (amar a Deus, amar o próximo e amar a si próprio). Deus nos fez “prontinhos” para amar: tu tens dons que outros não possuem. Outros têm dons que tu os não têm. Que tal nos ajudarmos com afeto?
- O desejo de vida e de sobrevivência lateja em nós, mas.... ameaças estão por toda parte. O caos está acima de nós: as forças de destruição, o destino, as dúvidas, o desconhecido. O caos está diante de nós: como levar a vida? O caos está atrás de nós: o passado não está morto, nos persegue! O caos está dentro de nós: temos medo, remorso, nojo, rancor, paixões sem limites e medidas. O caos está abaixo de nós: a morte, o desânimo, a idolatria (seitas), vícios, bebedeiras, prostituição. Então o homem grita: “Vinde, ó Deus, em meu auxilio. Socorrei-me sem demora!”. E, assim, o Senhor Deus nos deu a Lei, as Sagradas Escrituras para nos guiar frente ao caos. Qual o mandamento maior que nos livra do caos vivo e operante? Qual o mandamento maior que afronta a busca de sentido quando tantos falsos alicerces caem? Qual é o mandamento maior, o sentido maior, a força maior? Grande pergunta, grande questão! Não fazer tal pergunta é declarar que ainda não nos situamos como pessoas, pois a marca da pessoa humana é buscar o sentido maior.
Amarás como Deus ama....
- UM DESAFIO. “Sede perfeitos, assim como vosso Pai Celeste é perfeito”. O Pai convoca seus filhos a participarem de sua herança, a fim que a Vida d´Ele seja também a nossa. Por isso o mandamento: “Amarás...”. Adentremos, portanto, nessas águas mais profundas, enveredamos por uma estrada colorida, por um mundo ainda desconhecido, para uma novidade maior: o Reino de Deus. Afinal, também para a morte tem jeito: “Quem ama já passou da morte para a vida” (1Jo 3, 14).
- DESCASO CONSIGO. Jesus nos exorta ao amor. Se Ele nos exorta é porque preguiçosamente tendemos a deixar de lado a nossa marca maior. Mas não tem escapatória. Somos feitos para Amar, para ter “outro” no próprio coração. Somos feitos à imagem e semelhança d`Aquele que São João disse ser o Amor. Não nos façamos tão mal, vamos dar ouvidos ao convite: “Amarás...” e “Amemo-nos não com palavras, mas com os fatos e em verdade” (1Jo 3, 18).
- No livro do Deuteronômio (6,5) a exortação é amar a Deus, e no livro do Levítico (19,18) pede-se de amar o próximo. A novidade que traz Jesus é ter unidos os dois mandamentos e tornar o amor a fonte de toda norma e “resumo” de toda a Lei. Só o amor, portanto, nos faz entender e interpretar as Sagradas Escrituras.
- UM AMOR MAIOR. O mandamento é para amar. Mas se Deus é amor, isso significa que sou chamado a “entrar” no mesmo espírito amoroso do Pai que ama seus filhos. Aqui o amor não pode ser mesquinho, tem o quilate do amor de Deus. Por isso Jesus explicitamente dirá: “Amai-vos como eu amei”. Já pensou passar a amar de todo o coração como o coração de Jesus, com todas as forças de Jesus e com toda a mente?
- VIVER PARA QUÊ? O mandamento de amar a Deus é uma chamada ao sublime, é nivelar o homem pelo mais alto possível. É um convite a não desistir do melhor que podemos ter, poder e ser. Não tenhamos, portanto, como parceiro maior nossas murmurações, nossos julgamentos, nossos apetites, nossos medos, mas aquele que nos procura, nos ama. Vivamos em direção à Ele, respondendo e dando atenção a estes cuidados de Deus que chamamos Amor.
- FLUIR. “Amarás o próximo como a ti mesmo”. Deus me ama, amo a Deus e amo o próximo. Peçamos ao Senhor a liberdade de permitir que seu amor faça sua travessia: chegue até mim e siga em direção aos demais.
- “... amarás como a ti mesmo”. Como eu me amo? Se eu pouco me amo, também pouco amarei. O mandamento é para que eu me ame, amando a Deus de todo o coração. Sou chamado a amar o próximo: hei de procurar que o meu próximo chegue a amar a Deus, a se tornar também ele livre para amar.
- O FIM DE UM MUNDO. No dia que a humanidade entender que quem ama a Deus, ama o homem, e quem ama o homem, ama a Deus, naquele dia teremos dado um passo a mais em nossa religiosidade e em nossa humanidade, pois o Amor é único.
Para não reduzir o amor a um mero dever
- No livro do Gênesis, temos o convite a viver da árvore da vida, viver sendo alimentados, amados, e respondendo a tal amor amando o próprio Deus, a nós mesmos e aos irmãos (“Pois amor com amor se paga”). O amor, portanto, não é primeiramente um “dever”, mas uma dádiva, um dom: “Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ele nos ter amado e enviado seu Filho para expiar nossos pecados” (1Jo 4,10).
- A palavra “amor” (a-mor) significa negação da morte (a-morte): o amor nos impede da morte, pois nos permite fazer parte da Vida do Eterno. Um dia uma mãe disse que daria a sua vida pela vida de sua filha: de fato, portanto, o amor vence o medo da morte. Amar será sempre a mais alta espiritualidade, a mais elevada mística, pois Deus é amor e o amor tem essa capacidade de nos deixar estabelecidos, estacionados na Fonte de tudo, em nosso Deus, na Santíssima Trindade.
Marcas do amor
- Tantas coisas podemos dizer sobre o amor. Mas não podemos esquecer que o amor é, sim, fazer com que a outra pessoa se torne viva, esperançosa, capaz de amar.
- Amar não é mero sentimento ou emoção, pois é “fidelidade” e é também fazer o bem: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). O nosso dia-a-dia nos ofereça tantas oportunidades para isso! O primeiro a viver tal verdade foi o nosso próprio Deus.
- O “próximo” é o mais vizinho a mim. O “próximo” provoca e faz aparecer meus limites, virtudes e defeitos. Por isso, ataco e me defendo do “próximo”. Mas é também a ocasião para que o divino amor se manifeste como acolhida e compreensão.
- “Onde está teu tesouro, ali está teu coração”. Jesus amou fortemente a Deus Pai perdoando e salvando a mulher do apedrejamento, afrontando a lei do sábado ao curar neste dia, tocando em leprosos, defendendo os pequenos, exaltando a pobre viúva, abrindo a mente das pessoas, revelando o rosto de Deus, nos convidando à conversão, acordando cedinho para pôr-se em oração. Quando eu decidir não mais me trair, eu irei certamente eleger como meu “tesouro maior” o Amor que é Deus.
- Quem vamos eleger por amar em primeiro lugar? Sábio é eleger quem nos amou por primeiro. Amemos, portanto, Aquele que nos liberta e nos impede de sermos enganados por nós mesmos e por outras forças e potências. Que Ele seja o tesouro ao qual nosso coração esteja apegado.
- “Ame” é o convite do Evangelho desse domingo. Uma pessoa deixou-se tocar pela vida e por Deus, não mais ficou centrado só em si, não mais se fechou. O seu corpo, sua alma, sua mente e seu coração começaram a atuar, a voltar a viver. Somos chamados a tirar das algemas, liberar amor. Por que freá-lo, contê-lo?