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Homilia do XXXII do Tempo Comum - ano A / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 11/11/2017 - 12:27

XXXII do Tempo Comum - ano A

Mateus 25, 1-13

"Então o Reino dos céus será semelhante a dez virgens, que saíram com suas lâmpadas ao encontro do esposo. 2.Cinco dentre elas eram tolas e cinco, prudentes. 3.Tomando suas lâmpadas, as tolas não levaram óleo consigo. 4.As prudentes, todavia, levaram de reserva vasos de óleo junto com as lâmpadas. 5.Tardando o esposo, cochilaram todas e adormeceram. 6.No meio da noite, porém, ouviu-se um clamor: Eis o esposo, ide-lhe ao encontro. 7.E as virgens levantaram-se todas e prepararam suas lâmpadas. 8.As tolas disseram às prudentes: Dai-nos de vosso óleo, porque nossas lâmpadas se estão apagando. 9.As prudentes responderam: Não temos o suficiente para nós e para vós; é preferível irdes aos vendedores, a fim de o comprardes para vós. 10.Ora, enquanto foram comprar, veio o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para a sala das bodas e foi fechada a porta. 11.Mais tarde, chegaram também as outras e diziam: Senhor, senhor, abre-nos! 12.Mas ele respondeu: Em verdade vos digo: não vos conheço! 13.Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora." 

 

 - No Evangelho de hoje, mais uma vez o Senhor Deus vem apresentado como “o Esposo”. Sabemos que o livro do Gênesis (1,27) nos apresenta a “imagem” de Deus como a relação amorosa entre um casal de marido e mulher. Quando assistimos a um casamento logo nos vem em mente idéias de alegria, fidelidade, completude, confiança, ternura, união e fecundidade. Tudo isso aponta para algo mais: Deus é amor e nos cria para o mesmo amor, para nos fazermos o bem reciprocamente. O Senhor Deus sendo apresentado como “o Esposo” se torna a nossa outra metade que se doa à nós caso o acolhamos.

- Se o Senhor é “o Esposo”, somos “a esposa”. É digno da “esposa” ansiar e esperar pelo “Esposo”. Que nada e ninguém nos desvie dessa espera ou nos “distraia” a tal ponto de não mais esperar pelo Esposo. “Um dia três amigos voltavam da praia. Estavam tão entusiastas, alegres, sorridentes e falantes, por causa dos belos momentos que tiveram, mas, de repente, o carro parou de funcionar: tinha acabado a gasolina. Esqueceram-se de abastecer! O mundo também tem seus atrativos, e, por isso, podemos “esquecer” “o Esposo”.

Por vezes, também, esquecemos de propósito “o Esposo”. Os embates e reveses da vida, a sensação de desilusão ou decepção podem gerar desânimo, resignação, sonolência, dormência. E, assim, o homem sucumbe ao peso da vida, solta as rédeas e se deixa levar “ao deus-dará” (ao abandono, ao acaso, à toa, entregue à própria sorte). A Palavra de Deus nos desperta a sairmos desse engodo: “No meio da noite, porém, ouviu-se um clamor: Eis o esposo, ide-lhe ao encontro”.  

- Viver esperando o Esposo é viver em constante renovação, em novas descobertas. Andemos ao encontro da nossa vida, aquela que está escondida e ao mesmo tempo viva e atuante, a vida escondida em Cristo: “Se, portanto, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da terra. Porque estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3, 1-3).

- O “Esposo” chega, Ele vem! “Eis o esposo, ide-lhe ao encontro”. Importa ter o “óleo” que mantém a lâmpada acesa.  Não sejamos desavisados, não vivamos surdos aos apelos de Deus, mas sejamos vigilantes e espertos reconhecendo a presença do Esposo no nosso dia-a-dia. E que nossa liberdade seja livre e seja ativa, pois "Toda árvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo. Pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7, 19-21). Que eu espere “o Esposo” sendo uma árvore cheia de bons frutos. Olhando para trás, qual herança e o quê tenho deixado na vida das pessoas?

- As lâmpadas acesas são os fiéis que resplandecem de boas ações na luz de Cristo: "Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 16).

- “As prudentes, todavia, levaram de reserva vasos de óleo junto com as lâmpadas” (v.4). Eu e você somos “vasos”: “O senhor disse: ‘... este homem é para mim um instrumento (vaso) escolhido, que levará o meu nome a muitas nações’” (At 9, 15). Somos vasos de barro, nos diz São Paulo (cf. 2Cor 4,7). O óleo nos vasos tornou possível que as virgens chegassem ao “Esposo”. Ser “vasos” significa que trazemos em nós uma capacidade presente em nossa humanidade, em nosso cotidiano feito de encontros e desencontros. Que o vaso não seja em vão, vazio, mas cheio de óleo. Temos tempo, oportunidades e espaços para amar a Deus com todo o coração e o próximo como a si mesmo (cf. Mt 22,37s). E nessa lida e sendo vasos adentramos num processo de transfiguração em vista de sermosconformes à imagem do Filho (cf. Rm 8,29s). Acreditamos de verdade que o vaso – que somos nós – tenha essa capacidade? Será que damos tanto valor a esta vida no sentido que ela é a ocasião de encontro com “o Esposo”? Não esqueçamos: “... todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40). Não esqueçamos: o olhar do outro pode ser por onde vamos ao “Esposo”.

- Andaremos todos ao paraíso? A nossa vida terrena é capaz de gerar aquela reserva de óleo que arde em eterno: “... vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns dos outros ... sereis felizes, se praticardes ...” (Jo 13, 14.17). Continuamos crendo, Deus está “em alta”, mas talvez ainda não cremos o bastante no poder que os pequenos gestos do dia-a-dia têm.... O sentido da nossa vida não é outro. O comerciante não deixou passar a ocasião quando encontrou a pérola preciosa: vendeu tudo que tinha e comprou a pérola. Há, de verdade, um perigo: alguém pode transcorrer a primeira parte de sua vida pensando o que irá fazer dela; e na segunda parte da vida ficar pensando o que não se fez e que deveria ter feito.

- As virgens sábias. Quem são elas? São pessoas de interioridade, capazes de intuir, pressentir, dar-se conta. Não são bobas e desavisadas, mas leem os fatos e tudo o que acontece. Enquanto tem interioridade ou vida interior, elas não deixam de estar em contato com o Espírito Santo. Jesus um dia falou de um homem sábio que praticando a palavra (e não sendo mero ouvinte) construiu sua casa sobre a rocha. Afinal, as tempestades, desafios, tribulações, dramas e tragédias humanas chegam para todos (tementes ou não tementes à Deus). Porém, o praticante da palavra deixou a Palavra, o próprio Senhor, fecundar seu interior. Neste sentido o praticante da Palavra resiste, a casa dele não cai.  Há um mistério quando se pratica a Palavra: Deus se torna de verdade e realmente meu apoio. ““Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará. Direi do Senhor: o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei.  Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia, Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia. ... No Altíssimo fizeste a tua habitação” (Sl 91). Importa ter o óleo no vaso, praticar a Palavra, pois o cansaço, a noite e o sono também chegam.

- E o Esposo disse: “Em verdade vos digo: não vos conheço!”.  Se eu sou imagem e semelhança dEle, por que será que Ele não me conhece mais? Será que estou tão deformado assim? Como me deformei? Será que foi porque troquei amor de fidelidade por passatempos? Será que foi porque troquei “viver do suor do rosto” por falcatruas e esquemas? Será que foi porque troquei amizade por mero interesse? Será que foi porque confundir aproveitar a vida por usufruir das pessoas em vista do meu egoísmo? Quem sabe não foi porque confundimos religião ou fé por um mero “toma-lá-dá-cá”? Ora, quando alguém fica por muitos anos distante de outro não pode exigir que o outro lhe reconheça! Só resta esperar um: “Não vos conheço!”

- Sobre as virgens tolas. Não há somente a traição que se faz a outros, há também a traição que nos fazemos a nós mesmos. Vivendo de futilidades, banalidades e vaidades corremos serio risco de perder o caminho que nos leva à fonte e origem de nossa vida. Parece até que aquela historinha do tolo rapaz que entrou na floresta e para não se perder foi lançando caroços de feijão por onde passava. Mas veio um pássaro que os engoliu todos. O tolo rapaz ficou perdido. Uma virgem tola é uma pessoa que termina por achar a vida sem graça, vive em desorientação, buscando fora, em coisas e pessoas, aquilo que perdeu dentro de si.

- Na vida há pontos de “não retorno”, há momentos que é tarde demais. “No meio da noite” (v. 6). A cada dia morrermos para o dia de ontem. E o nosso falecimento derradeiro será nossa saída para o total encontro com Ele: encontro sem reservas, um face a face (cf. 1Tess 4, 17; 1Cor 13,12s). Se olharmos a Ele como nosso fim, tudo o mais se faz meio para ir ao seu encontro. Quando a noite chega, quando momentos decisivos nos alcançam, o que faz a diferença é ter o óleo ou não. E se o vaso estiver vazio? 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.