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Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 17/11/2018 - 08:32

XXXIII Dom Comum São Marcos 13, 24-32

O Evangelho deste domindo nos fala do fim de um mundo, de um certo mundo, não do fim do mundo. Por vezes investimos e acreditamos em pessoas e coisas que prometem o que não podem oferecer. Sozinhos não consiguimos sair dessa ilusão. O Filho do homem vem em nosso socorro e derruba sol, luz, estrelas, astros e forsas que de nós se apoderavam.  Que se apodere de nós, com sua glória e poder, o Filho do homem. Quando o Filho do homem manifestava o máximo de sua glória na cruz, o sol se escureceu: seu amor para conosco, seu perdão aos pecadores e sua solidariedade até à morte com os que sofrem, fizeram surgir o mundo novo. Vivamos, portanto, fincados no que já aconteceu na cruz, vivamos apostamos nossa vida na glória e no poder presentes no perdão, no amor e na solidariedade. No dia que passarmos a viver dessa maneira, o mundo velho terá se acabado para nós, e tenhamos entrado no Reino do Filho do homem que está “às portas”.

- “Naqueles dias, depois dessa tribulação, o sol se escurecerá, a lua não dará o seu resplendor; cairão os astros do céu e as forças que estão no céu serão abaladas” (vv. 24-25).

Nem podemos imaginar o que significou para os piedosos judeus a destruição do templo de Jerusalém no ano 70 de nossa era. “Tribulação” é a palavra que São Marcos usa para tentar nos descrever o que significou a destruição do templo. Atribulados, atormentados e desorientados nos encontramos quando perdemos coisas, situações, trabalho, dinheiro, referências e pessoas que nos davam sentido de viver. Enfermidades e decepções quase sempre trazem tormentos, tribulações.

Sol, lua, estrelas, astros que perdem o seu esplendor, que caem, se abalam.... Quantos tronos, governos, impérios e regimes opressores que pareciam “eternos” sucumbiram, caíram. Quantos poderosos, reis, chefões e mandatários são destronados. Quanta soberba, orgulho e ostentação se acabam. Quantas falsas idéias acerca da vida e da morte deixam de ter sentido, deixam de serem acreditadas pelos fatos reais da vida, e quantos líderes religiosos se revelam falsos, são pegos na mentira, perdem o brilho. Quantas falsas religiões, concepções de “Deus” e crendices são desacreditadas. Os ídolos da força e da arrogância caem e sempre cairão.

 Por vezes diante de desordens, crises, falências, fracassos, perdas - sejam elas de ordem social ou pessoal -, nós podemos perder as esperanças, cair na resignação, esperar só o fim de tudo, pois as coisas não saíram como esperávamos e como julgamos que devam ser. Outros, diante de tudo isso, apelam para a magia, para uma ilusão qualquer, até mesmo para idéias de vidas passadas, para horóscopos, para cartomancia e outras fantasias. O Evangelho, no entanto, fala de algo novo que está vindo, surgindo, nascendo....

 

- “Então verão o Filho do homem voltar sobre as nuvens com grande poder e glória” (v. 26). O “Filho”: a vitória é do “Filho”. Eu sou “filho” quando reconheço que não me criei por conta própria: a minha origem é outra pessoa, é o Pai. Vivo de gratidão, não de pretensão. E como o Pai tem tantos filhos, eu tenho tantos irmãos. Nós, cristãos, acreditamos que o mundo que tem futuro, a vida que pode dar certa, é aquela que participa da divindade (“sobre as nuvens”), da filiação divina. O poder e a glória pertencem ao Filho do homem, pertencem àqueles que não confiam nos astros, no sol, na luz, nas estrelas, nas forças, pois eles já caíram, caem e cairão. O Filho do homem e seus irmãos confiam no Pai, no poder e na glória do perdão (“Teus pecados estão perdoados”; “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”), confiam na glória e no poder presentes quando a dor do irmão é assumida (“Ele carregou sobre si as nossas culpas”). É... Nossa glória, nosso poder, aparece todas as vezes que vivemos segundo o espírito do Filho do homem manifestado e doado a nós no alto da cruz. Lá, na cruz, Ele manifestou seu espírito de amor quando perdoava a humanidade, sofria a morte de todos para que ninguém morra sozinho, quando dava a “Boa nova” para um agonizante (“Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”). E nos deu tal espírito quando expirou: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”.  Quando o Filho do homem se mostra, os pretensiosos e todas as pretensões humanas caem. O Evangelho foi escrito também para nos alertar. De qual lado estamos pondo nossas esperanças: estamos com os astros, sol, estrelas e lua que caíram, caem e cairão ou estamos com o Filho do homem?

 

- “Ele enviará os anjos, e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, desde a extremidade da terra até a extremidade do céu” (v. 27). Superar a solidão, viver reunidos. Muitos esperam por isso. O Filho do homem envia colaboradores (anjos) a fim de que ninguém fique de fora dessa ciranda formada por mãos que se dão, que vencem a solidão. Importa que cada um dos batizados se faça de anjos em vista dessa empreitada do Filho do homem: reunir os escolhidos que, próximos ou distantes de nós, esperam o convite para a grande reunião, para superar a solidão. Enviando os anjos (todas as testemunhas de Jesus Cristo) a humanidade tem um novo início, um novo verão, uma temporada de frutos. Quando a Boa Nova é anunciada e vivida os astros desse mundo sucumbem, os males são desfeitos, a infidelidade se acaba, as rixas são superadas, a família humana renasce. Não sejamos ingênuos, pois os que não foram escolhidos, os resistentes ao Filho do homem, e também aquela parte não luminosa que todos nós temos, combatem contra os anjos, contra a reunião dos filhos de Deus.

 

- “Compreendei por uma comparação tirada da figueira. Quando os seus ramos vão ficando tenros e brotam as folhas, sabeis que está perto o verão. Assim também quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está próximo, às portas” (vv. 28-29). Certas coisas acontecem e ninguém presta atenção. Mesmo no “templo” corrupto, Jesus percebeu as duas moedinhas da viúva. “Abrir os olhos”, abraçar para si uma boa causa, deixar para lá o que faz mal, é nascer, é dá uma chance ao bem, é combater o mal. No meio de um mundo dilacerado por discórdia, perceber o brotar das folhas e esperar os frutos é possível. Aconteça o que acontecer, tenhamos o olhar de esperança, o Filho homem está às portas e o mal não tem a ultima palavra. O nosso olhar de promessa e de esperança, quando olha para o outro, faz o outro nascer, pois o outro se vê acreditado e capaz. Um bom olhar doa possibilidades, presenteia um futuro, diz ao outro que ele vale, é importante. Aquele que faz novas todas as coisas nos garante que nada desse mundo, nenhuma maldade ou tristeza, impede um novo amanhã: “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8, 28).

- “Em verdade vos digo: não passará esta geração sem que tudo isto aconteça” (v. 30). É agora o tempo de viver o fim de um mundo e o nascer de um outro mundo. Todo homem e toda mulher que vem a este mundo, um dia na vida, se depara com tribulações, com sol e lua que caem, com expectativas jamais cumpridas, com traições, com decepções, enfermidades, sensação de falta de sentido. E todo homem e mulher de fé também faz experiência da fidelidade de Deus que vence toda tribulação, experimenta o nascer de um mundo novo marcado pela alegria, pela fé, pela esperança e, acima de tudo, pela caridade.

- “Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão” (v. 31). Tudo passa, menos as palavras do Senhor. Céu e terra “cairão” quando a “palavra” não passa em vão, quando a “palavra” é praticada. A prática da palavra é que nos deixa de pé. O desprezo pela pratica da palavra causa decepção, frustração, perdição.

Só entra na Vida quem pratica: “Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas?’ E então lhes direi abertamente: ‘Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade’”.

Só aguenta as tribulações quem pratica: “Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha”.

Viver de fantasias é semear tristeza para o final da vida: “E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda”.

 

- “A respeito, porém, daquele dia ou daquela hora, ninguém o sabe, nem os anjos do céu nem mesmo o Filho, mas somente o Pai” (v. 32). Nos aperreios da vida queremos ter, sob controle, os amigos, o amanhã, o marido, a esposa, os filhos e a família.Tendemos também a querer controlar nossos anos de vida, e, assim, nos tornamos escravos de nossos próprios planos. O certo, porém, é reconhecer que não temos tanto poder assim, e que é insensatez insistir nesse ponto. O Evangelho nos convida a dirigir nossa atenção em outra direção: toda hora é hora de passar de um mundo velho para um novo mundo, de passar da malícia para a bondade, de abrir os olhos e criar solidariedade, de abandonar a malícia e a iniquidade. Toda hora é hora de está nas mãos do Pai. Toda hora é hora de passar do egoísmo para o amor possível, pois nas mãos do Pai todos somos irmãos. “Somente o Pai sabe”: não vivamos mais de nossos cálculos e de nossos medos. O Pai tem a minha história e a história da humanidade em suas mãos. 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.