Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago
XXXIII Dom Comum São Marcos 13, 24-32
O Evangelho deste domindo nos fala do fim de um mundo, de um certo mundo, não do fim do mundo. Por vezes investimos e acreditamos em pessoas e coisas que prometem o que não podem oferecer. Sozinhos não consiguimos sair dessa ilusão. O Filho do homem vem em nosso socorro e derruba sol, luz, estrelas, astros e forsas que de nós se apoderavam. Que se apodere de nós, com sua glória e poder, o Filho do homem. Quando o Filho do homem manifestava o máximo de sua glória na cruz, o sol se escureceu: seu amor para conosco, seu perdão aos pecadores e sua solidariedade até à morte com os que sofrem, fizeram surgir o mundo novo. Vivamos, portanto, fincados no que já aconteceu na cruz, vivamos apostamos nossa vida na glória e no poder presentes no perdão, no amor e na solidariedade. No dia que passarmos a viver dessa maneira, o mundo velho terá se acabado para nós, e tenhamos entrado no Reino do Filho do homem que está “às portas”.
- “Naqueles dias, depois dessa tribulação, o sol se escurecerá, a lua não dará o seu resplendor; cairão os astros do céu e as forças que estão no céu serão abaladas” (vv. 24-25).
Nem podemos imaginar o que significou para os piedosos judeus a destruição do templo de Jerusalém no ano 70 de nossa era. “Tribulação” é a palavra que São Marcos usa para tentar nos descrever o que significou a destruição do templo. Atribulados, atormentados e desorientados nos encontramos quando perdemos coisas, situações, trabalho, dinheiro, referências e pessoas que nos davam sentido de viver. Enfermidades e decepções quase sempre trazem tormentos, tribulações.
Sol, lua, estrelas, astros que perdem o seu esplendor, que caem, se abalam.... Quantos tronos, governos, impérios e regimes opressores que pareciam “eternos” sucumbiram, caíram. Quantos poderosos, reis, chefões e mandatários são destronados. Quanta soberba, orgulho e ostentação se acabam. Quantas falsas idéias acerca da vida e da morte deixam de ter sentido, deixam de serem acreditadas pelos fatos reais da vida, e quantos líderes religiosos se revelam falsos, são pegos na mentira, perdem o brilho. Quantas falsas religiões, concepções de “Deus” e crendices são desacreditadas. Os ídolos da força e da arrogância caem e sempre cairão.
Por vezes diante de desordens, crises, falências, fracassos, perdas - sejam elas de ordem social ou pessoal -, nós podemos perder as esperanças, cair na resignação, esperar só o fim de tudo, pois as coisas não saíram como esperávamos e como julgamos que devam ser. Outros, diante de tudo isso, apelam para a magia, para uma ilusão qualquer, até mesmo para idéias de vidas passadas, para horóscopos, para cartomancia e outras fantasias. O Evangelho, no entanto, fala de algo novo que está vindo, surgindo, nascendo....
- “Então verão o Filho do homem voltar sobre as nuvens com grande poder e glória” (v. 26). O “Filho”: a vitória é do “Filho”. Eu sou “filho” quando reconheço que não me criei por conta própria: a minha origem é outra pessoa, é o Pai. Vivo de gratidão, não de pretensão. E como o Pai tem tantos filhos, eu tenho tantos irmãos. Nós, cristãos, acreditamos que o mundo que tem futuro, a vida que pode dar certa, é aquela que participa da divindade (“sobre as nuvens”), da filiação divina. O poder e a glória pertencem ao Filho do homem, pertencem àqueles que não confiam nos astros, no sol, na luz, nas estrelas, nas forças, pois eles já caíram, caem e cairão. O Filho do homem e seus irmãos confiam no Pai, no poder e na glória do perdão (“Teus pecados estão perdoados”; “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”), confiam na glória e no poder presentes quando a dor do irmão é assumida (“Ele carregou sobre si as nossas culpas”). É... Nossa glória, nosso poder, aparece todas as vezes que vivemos segundo o espírito do Filho do homem manifestado e doado a nós no alto da cruz. Lá, na cruz, Ele manifestou seu espírito de amor quando perdoava a humanidade, sofria a morte de todos para que ninguém morra sozinho, quando dava a “Boa nova” para um agonizante (“Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”). E nos deu tal espírito quando expirou: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Quando o Filho do homem se mostra, os pretensiosos e todas as pretensões humanas caem. O Evangelho foi escrito também para nos alertar. De qual lado estamos pondo nossas esperanças: estamos com os astros, sol, estrelas e lua que caíram, caem e cairão ou estamos com o Filho do homem?
- “Ele enviará os anjos, e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, desde a extremidade da terra até a extremidade do céu” (v. 27). Superar a solidão, viver reunidos. Muitos esperam por isso. O Filho do homem envia colaboradores (anjos) a fim de que ninguém fique de fora dessa ciranda formada por mãos que se dão, que vencem a solidão. Importa que cada um dos batizados se faça de anjos em vista dessa empreitada do Filho do homem: reunir os escolhidos que, próximos ou distantes de nós, esperam o convite para a grande reunião, para superar a solidão. Enviando os anjos (todas as testemunhas de Jesus Cristo) a humanidade tem um novo início, um novo verão, uma temporada de frutos. Quando a Boa Nova é anunciada e vivida os astros desse mundo sucumbem, os males são desfeitos, a infidelidade se acaba, as rixas são superadas, a família humana renasce. Não sejamos ingênuos, pois os que não foram escolhidos, os resistentes ao Filho do homem, e também aquela parte não luminosa que todos nós temos, combatem contra os anjos, contra a reunião dos filhos de Deus.
- “Compreendei por uma comparação tirada da figueira. Quando os seus ramos vão ficando tenros e brotam as folhas, sabeis que está perto o verão. Assim também quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está próximo, às portas” (vv. 28-29). Certas coisas acontecem e ninguém presta atenção. Mesmo no “templo” corrupto, Jesus percebeu as duas moedinhas da viúva. “Abrir os olhos”, abraçar para si uma boa causa, deixar para lá o que faz mal, é nascer, é dá uma chance ao bem, é combater o mal. No meio de um mundo dilacerado por discórdia, perceber o brotar das folhas e esperar os frutos é possível. Aconteça o que acontecer, tenhamos o olhar de esperança, o Filho homem está às portas e o mal não tem a ultima palavra. O nosso olhar de promessa e de esperança, quando olha para o outro, faz o outro nascer, pois o outro se vê acreditado e capaz. Um bom olhar doa possibilidades, presenteia um futuro, diz ao outro que ele vale, é importante. Aquele que faz novas todas as coisas nos garante que nada desse mundo, nenhuma maldade ou tristeza, impede um novo amanhã: “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8, 28).
- “Em verdade vos digo: não passará esta geração sem que tudo isto aconteça” (v. 30). É agora o tempo de viver o fim de um mundo e o nascer de um outro mundo. Todo homem e toda mulher que vem a este mundo, um dia na vida, se depara com tribulações, com sol e lua que caem, com expectativas jamais cumpridas, com traições, com decepções, enfermidades, sensação de falta de sentido. E todo homem e mulher de fé também faz experiência da fidelidade de Deus que vence toda tribulação, experimenta o nascer de um mundo novo marcado pela alegria, pela fé, pela esperança e, acima de tudo, pela caridade.
- “Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão” (v. 31). Tudo passa, menos as palavras do Senhor. Céu e terra “cairão” quando a “palavra” não passa em vão, quando a “palavra” é praticada. A prática da palavra é que nos deixa de pé. O desprezo pela pratica da palavra causa decepção, frustração, perdição.
Só entra na Vida quem pratica: “Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas?’ E então lhes direi abertamente: ‘Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade’”.
Só aguenta as tribulações quem pratica: “Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha”.
Viver de fantasias é semear tristeza para o final da vida: “E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda”.
- “A respeito, porém, daquele dia ou daquela hora, ninguém o sabe, nem os anjos do céu nem mesmo o Filho, mas somente o Pai” (v. 32). Nos aperreios da vida queremos ter, sob controle, os amigos, o amanhã, o marido, a esposa, os filhos e a família.Tendemos também a querer controlar nossos anos de vida, e, assim, nos tornamos escravos de nossos próprios planos. O certo, porém, é reconhecer que não temos tanto poder assim, e que é insensatez insistir nesse ponto. O Evangelho nos convida a dirigir nossa atenção em outra direção: toda hora é hora de passar de um mundo velho para um novo mundo, de passar da malícia para a bondade, de abrir os olhos e criar solidariedade, de abandonar a malícia e a iniquidade. Toda hora é hora de está nas mãos do Pai. Toda hora é hora de passar do egoísmo para o amor possível, pois nas mãos do Pai todos somos irmãos. “Somente o Pai sabe”: não vivamos mais de nossos cálculos e de nossos medos. O Pai tem a minha história e a história da humanidade em suas mãos.