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Homilia Dominical / Frei João Santiago - XV Domingo do Tempo Comum / Ano C

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 13/07/2016 - 18:59

XV Dom Comum. Lucas 10, 25-37.

... Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna? ...  Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento (Dt 6,5); e a teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18). Falou-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isto e viverás... E quem é o meu próximo?  Jesus então contou: Um homem ... e caiu nas mãos de ladrões ...  um sacerdote, viu-o e passou adiante. ... um levita ... viu-o e passou também adiante.  ... um samaritano ... viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; colocou-o sobre a sua própria montaria e levou-o a uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo-lhe: Trata dele e, quanto gastares a mais, na volta to pagarei.  Qual destes três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões? Respondeu o doutor: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Então Jesus lhe disse: Vai, e faze tu o mesmo.

O sacerdote tinha acabado de prestar culto a Deus no templo, viu o ser humano vilipendiado e semimorto e nada fez; o levita tinha acabado de prestar seus serviços religiosos, viu o ser humano jogado, e nada fez. Foram educados em uma doutrina que dizia que em certas situações uma pessoa se tornava impura e de tal pessoa se devia desviar. E assim fizeram. Jesus, com essa parábola, chama seriamente atenção sobre o verdadeiro culto a Deus. E revela também que em qualquer situação que um ser humano venha a se encontrar não perde sua dignidade, e por isso Deus olha sempre ao ser humano não importando a situação que se encontre. O samaritano (significa “de quem menos se poderia esperar) viu. Se você, em atitude religiosa, olhar para o alto, para Deus, bem direitinho, irá cruzar o olhar com o olhar de Deus. Foi isso que o samaritano fez, e viu que Deus olhava para o aquele humano caído, assaltado, que jazia no chão. A parábola nos narra qual sentimento divino dominou o coração do samaritano. Diz-se que ele sentiu “compaixão”, amor visceral. O samaritano quer tivesse consciência ou não, sentindo compaixão estava em sintonia com a realidade divina, com o mistério existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ele, com aquela compaixão, prestava um verdadeiro culto a Deus, amava a Deus: “Quero misericórdia e não sacrifícios”.

O samaritano não aparece como um ser humano desprovido, mas como um homem livre dos comentários alheios, um homem inteiro, um modelo de homem, nobre, ativo, proativo, capaz de fazer o bem efetivamente. De fato, puxa a responsabilidade para si, assume a responsabilidade pelo desconhecido: limpa as feridas dele com azeite e vinho, levanta o sujeito colocando-o no cavalo, entregando-o ao dono do albergue, pagando as despesas e até garantindo outras despesas eventuais.

Bom, a parábola começa com um questionamento acerca de possuir a vida do eterno. Como faremos, nesta vida, para não perder a vida, o gérmen divino que há em nós, e que nos traz a alegria de viver e de esperar que tudo de bom que há não se acabe? Como faremos para que nossa vida se torne uma bela construção e não uma casa mal rebocada e deixada por acabar? A resposta, lemos: trata-se de amar a Deus, ter afinidades com os propósitos dele, e ao mesmo tempo, amar o próximo.

Agora, temos outra pergunta: quem foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões? A resposta é importantíssima, pois estamos procurando o próximo ao qual devemos amar para que a vida não se torne uma morada da morte.  A resposta é ....  “o samaritano”. Então temos que amar o samaritano.  Imaginemos a mente daquele que jazia no chão e de como se viu cuidado pelo samaritano que se tornou seu próximo. Quantas situações de quedas: sentir-se excluído, deixado, traído, solitário, incompreendido, enfermo, vazio, etc. O desconhecido que jazia no chão é modelo de cada um de nós, de como somos chamados a amar quem um belo dia passou em nossas vidas e nos fez bem, seja com obras, seja com palavras, quem nos deu a sua mão que nos deu segurança, quem nos deu suas palavras para nos consolar, sua atenção que nos deu valor, seu olhar que nos fez confiar, sua esperança que nos fez acreditar, etc..  Não te esqueças do teu samaritano, ame-o!

Receber algo na vida nos faz “devedores”, nos chama a crescer, a nos tornamos responsáveis pelo outro. De fato, Jesus disse: “Vai, e faze tu o mesmo”. O meu próximo me fez o bem. Queira Deus que eu ame a ele fazendo o bem a outro.

Amar quem nos ajudou não nos faz “escravos” de quem nos ajudou. O modelo de ajuda do samaritano é diferente. De fato, no evangelho se diz que ele ajudou e foi embora. Some! Ele seguiu o seu caminho. A nossa “dívida” será paga agindo do mesmo modo com os outros. É que o gérmen do divino, no dia que alguém cuidou de nós, passou a habitar nossa vida, e não tem como fazer o contrário, pois fomos contagiados pelo gérmen da misericórdia. Passemos adiante esse gérmen! Sejamos o samaritano de outros.

O samaritano não busca reconhecimento. Quando alguém nos faz verdadeiramente o bem não exige retorno, pois se deu o que se tinha para dar, não foi um dever, uma obrigação, nem uma segunda intenção. E tem mais. Ele também recebeu de um outro, maiormente de Deus mesmo.

Na parábola o drama não parece ser “amar a Deus”, mas o drama parece ser “amar o próximo”. Por isso Jesus conta a parábola para explicar “essa história de amar o próximo”. Não temos como escapar de uma realidade: fomos gerados por dois seres humanos, pai e mãe. “Ninguém é uma ilha”! Somos atravessados pelos outros. No final, o nosso centro, o nosso eu reside em alguém. O que temos verdadeiramente não é a própria alma, o próprio “eu”, mas o outro.  Por isso Jesus disse: “Quem quiser salvar a alma vai perdê-la”.  

Não esqueçamos: a parábola de hoje é o drama da própria salvação ou perdição e Jesus nos endereça a encontrar o outro, reconhecer o outro que me fez bem e imitá-lo indo ao encontro de um outro que precise. Se um dia fomos reconhecidos por alguém, não pelo que temos ou pelo nosso lado bom, mas meramente por sermos humanos, amemos este ser humano como nós mesmos, porque ele é a nossa alma. E se um dia encontrarmos um ser humano despojado de tudo, amemos este humano como nós mesmos, porque ele é a nossa alma. 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.