Homilia Dominical - XVI Domingo do tempo comum - ano A / Frei João Santiago
XVI Dom Comum Mateus 13, 24-43
"Jesus propôs-lhes outra parábola: O Reino dos céus é semelhante a um homem que tinha semeado boa semente em seu campo. 25.Na hora, porém, em que os homens repousavam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu. 26.O trigo cresceu e deu fruto, mas apareceu também o joio. 27.Os servidores do pai de família vieram e disseram-lhe: - Senhor, não semeaste bom trigo em teu campo? Donde vem, pois, o joio? 28.Disse-lhes ele: - Foi um inimigo que fez isto! Replicaram-lhe: - Queres que vamos e o arranquemos? 29.- Não, disse ele; arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo. 30.Deixai-os crescer juntos até a colheita. No tempo da colheita, direi aos ceifadores: arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar. Recolhei depois o trigo no meu celeiro.
31.Em seguida, propôs-lhes outra parábola: O Reino dos céus é comparado a um grão de mostarda que um homem toma e semeia em seu campo. 32.É esta a menor de todas as sementes, mas, quando cresce, torna-se um arbusto maior que todas as hortaliças, de sorte que os pássaros vêm aninhar-se em seus ramos.
33.Disse-lhes, por fim, esta outra parábola. O Reino dos céus é comparado ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha e que faz fermentar toda a massa.
Se Deus é bom, de onde vem o mal, o joio, a má semente, a cupidez do ter, a ânsia de dominar sobre os outros, a busca do prazer a qualquer custo, o egoísmo que descarta o outro? Infelizmente o Inimigo da vida trabalha: “Na hora, porém, em que os homens repousavam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu”. Na hora do sono é que o joio foi semeado. Importa não dormir, não vacilar, permanecer vigilante. Somos responsáveis pelo jardim externo e interno. Focados no Pai, em oração, é que não cairemos no sono, não nos decepcionaremos com a vida (pois a vida também apronta e todo tipo de joio aparece!). A parábola ensina que o mal é um fato, e que na sua maioria das vezes acontece pelo mau uso da liberdade e pela não adesão à Palavra.
Neste mundo querer reunir só os puros e eleitos certamente só dá em desastre. Nada de destruir esse mundo ou acabar com uns e salvar outros, mas ter a tolerância, a paciência consigo e com os demais. Há o perigo de querendo destruir o mal terminar por destruir a semente do bem. Por isso o Senhor disse: “... arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo”. Lembro muito bem de um jovem que trabalhava conosco na pastoral carcerária. Ele mesmo tinha sido um presidiário: com paciência conseguiu tirar de si tantas sementes de joio.
- E quando virá a justiça se o joio é tolerado? Serão queimados no fogo da Palavra, no fogo do Espírito Santo: "Se aquilo que alguém construiu não resistir ao fogo no dia do juízo, claro que sofrerá; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo" (1 Cor 3,15): o fogo amoroso transforma aquele que foi joio.
A vida não pára; não tem como parar a vida!
A semente, o grão e o fermento geram, produzem, “crescem”, se desenvolvem. Quer você queira ou não, a vida lhe cobra, cobra atitudes, pois tantas coisas acontecem, tantas pessoas aparecem, tantos encontros e desencontros. A vida também é uma tarefa. Imagine você a vida de um casal. Jamais é “parada”, mas, sim, em constante mudança que exige de cada um novas respostas, novas atitudes: sementes lançadas, grão semeado, fermento na massa.
A semente, o grão e o fermento, todos eles, tem o seu próprio tempo. Paciência com a vida que tem seu próprio tempo; tolerância que significa carregar, responsavelmente, a si e os outros com seus retardos, limites, defeitos, lacunas. Não se pode tirar a flor do seu botão, não se pode puxar o pescoço de uma criança para fazê-lo crescer depressa. Tudo que é grande um dia foi pequeno. Tudo tem seu tempo!
A parábola do joio.
- Facilmente dizemos “Pai nosso”! Facilmente esquecemos-nos dos outros filhos do nosso Pai, isto é, esquecemos dos irmãos. Importa conviver, é tempo de conviver. Que exista o filho da luz e o filho das trevas, tudo bem. O problema é que não sabemos se é aquele ali ou este aqui. Disse Jesus: “... arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo. Deixai-os crescer juntos até a colheita”.
- Todos os dias vivemos com pessoas ao nosso redor, familiares ou não. Não cabe a nós eliminar a ninguém, não sabemos da vida de ninguém. Não existem pessoas por eliminar, por deletar, mas pessoas por conviver e recuperar. Também outros são chamados a conviver conosco, a recuperar-nos. Vamos excluir ou incluir? Um dia um menino levava nas próprias costas o irmão menor. Perguntaram-lhe: “É pesado?” Ele respondeu: “Não! É meu irmão!”
- Não nos alimentemos de nossos fantasmas. Fantasmas tais como: “Eu sou mais do que você”; “Eu não sou como você”; “Você é mais do que eu”. Perigoso! Se me deixo levar por tais pensamentos certamente excluirei tantos, inclusive eu mesmo. Em outras palavras, não digamos: “Aquele é má semente, este é boa semente”. O julgamento cabe ao Senhor!
A parábola do grão de mostarda
“Nem tudo que reluz é ouro!” O Reino dos Céus: buscamos algo que nos dê vida em abundância, segurança, certeza, pujança, grandeza, força, saber e poder, buscamos sentido, buscamos a Deus. A ilusão é confundir tudo isso com uma dessas grandezas mundanas que São João fala: a pessoa se autocria, se faz o deus de si mesmo e se alimenta do que deseja, não se importando de mais nada e ninguém (“"... a concupiscência da carne, dos olhos e a soberba da vida não procede do Pai” (1Jo 2, 16).
- O Reino cresce, a Igreja cresce por atração, não por imposição, não por prepotência, não denegrindo ninguém. É como um grão de mostarda! O Reino, a Igreja cresce pela Cruz, pela força do Amor que se faz serviço e acolhida.
- O Reino é como um grão de mostarda colocado embaixo da terra (se o grão de trigo não morre, não pode dar frutos: cruz) e não como um cedro sobre um monte (cf. Ez 17, 19-24). Infelizmente, porém, continuamos fascinados pelo “cedro” que com sua grandeza, força, maravilha, potência, imobilidade, brio, valentia e longa duração, nos faz buscar o Reino junto daqueles que prometem “céus e terra”. Os milagreiros, os gurus, os poderosos, os glamourosos, as instituições e igrejas que convém ao meu orgulho continuam fazendo sucesso e semeando joio, o espírito de discórdia e de soberba.
- O grão de mostarda, o menor de todos. Somos convidados por este Evangelho a sermos filhos. O Reino se mostra real quando somos filhos. E se somos filhos, temos o Pai e muitos irmãos. Seremos sempre filhos, sempre pequenos, sempre grãos que se entregam para gerarem vida.
- Mostarda é uma hortaliça, plantada no jardim, não no monte. Deve dar frutos na casa, no cotidiano, no ordinário. Quanta construção do Reino de Deus acontece quando alguém pára para escutar o outro, para fazer um curativo, para oferecer um sorriso, para visitar um enfermo. É bem verdade que o Reino acontece também quando nos indignamos contra uma injustiça. O importante é que se mantenha a força nEle, não na nossa própria força ou justiça.
- Grão de mostarda também é docilidade, abandono, não resistência e mansidão à vontade de Deus. Ser grão lançado à terra é deixar-se ir e adentrar no mistério profundo e abissal do pai. Ser grão de mostarda significa disponibilidade alegre em partilhar aos demais o próprio segredo da felicidade, partilhar suas riquezas internas e capacidades. Ser grão lançado à terra é exercer o amor que se sacrifica, ama e alivia. Como o próprio Senhor que subiu ao Calvário, assim o “grão” cheio de mansidão se torna lugar de repouso: os pássaros vêm aninhar-se em seus ramos. Ser grão jogado na terra é não envenenar a vida, pois não se retém pessoas e coisas, mas agradece e oferta, tal como o coração que não retendo sangue, a vida, é o único órgão no qual o câncer não se aloja.
- Que a nossa esperteza e interesses mesquinhos, que a “força do nosso querer” não nos tire a “infância espiritual”, a capacidade de dizer “Abba, ó Pai!”. “Abba” é dito quando a criança tem o foco no pai e na mãe. Não há outros interesses, outros desejos, outras preocupações: é um grão jogado na terra. Que um dia o nosso foco seja o “Pai”. Naquele dia nossas comunidades, famílias, nossa humanidade, realmente, serão de irmãos.
A parábola do fermento e a tentação do desânimo.
- Será que consigo? O bom fermento vem em meu socorro, transforma uma vida, nos livra da morte, nos converte, nos oferta a verdade. Tal bom fermento gera algo de imprevisto, “impossível”, grandioso, exuberante, pródigo. A graça de Deus é mais do que se pensa ou planeja. Santa Teresinha na sua adolescência tinha um defeito que lhe impossibilitaria tornar-se uma pessoa adulta e corajosa: chorava por tudo e depois chorava por ter chorado. Numa noite de Natal, escutou uma repreenda do seu pai. Ao invés de chorar, “engoliu o choro”. Disse ela sobre a graça recebida no dia de Natal: “No dia que o Senhor se fez criança, Teresa se fez adulta”.
- A uma certa etapa da vida corremos seriamente o risco de parar e dizer: “Pronto! Não aprendo mais, não consigo mais, meu tempo já passou”. Fermento na massa significa que podemos cantar com Nossa Senhora: “O Senhor fez em mim maravilhas, Santo é o seu nome”. Quantas pessoas de fé conhecemos que podem nos narrar tantas superações, tantas boas novidades jamais imaginadas.