Homilia Dominical XVII Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago
XVIII Dom Comum João 6, 24-35
"E, reparando a multidão que nem Jesus nem os seus discípulos estavam ali, entrou nas barcas e foi até Cafarnaum à sua procura ... perguntaram-lhe: Mestre, quando chegaste aqui? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: buscais-me, não porque vistes os sinais, mas porque comestes dos pães e ficastes fartos. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que dura até a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará. Perguntaram-lhe: Que faremos para praticar as obras de Deus? Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que ele enviou. Perguntaram: qual é a tua obra? Nossos pais comeram o maná no deserto ... Jesus respondeu-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu, mas o meu Pai é quem vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é o pão que desce do céu e dá vida ao mundo. Disseram-lhe: Senhor, dá-nos sempre deste pão! Jesus replicou: Eu sou o pão da vida: aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que crê em mim jamais terá sede."
- A busca e o desconcerto. “E, reparando a multidão que nem Jesus nem os seus discípulos estavam ali, entrou nas barcas e foi até Cafarnaum à sua procura” (v. 24). A multidão reconhece que não encontra o Senhor nem os seus discípulos. Nós, humanos, podemos passar por momentos assim, momentos de busca e de não encontro, de desconcerto. Os discípulos estavam com Jesus e os pães em sua barca, pães da alegria de viver, frutos da partilha (cf. Jo 6, 13). Quando não estamos na “barca”, em amor recíproco, na família, na comunidade, na Igreja na qual os pães da partilha se fazem presentes, estamos sozinhos e a vida parece não ter “sinal”, significado, não parece apontar para algo mais. Não é que Deus se torne ausente, é que ele está na barca de “pães da partilha”. E nós, estamos onde? “Onde dois ou mais estiverem reunidos, eu estou no meio deles”.
- O pão que perece. É óbvio que queremos gozar de boa saúde, de conseguir sucessos e conforto: queremos bênçãos. Depois, tendemos a querer também as emoções religiosas, a paz interior, ser reconhecido. E podemos ir mais longe, buscar emoções e sentidos mais fortes. Podemos ir atrás de novidades, novas filosofias de vida, uma nova ideologia, uma nova religião. É... a divindade ou Deus se torna alguém do qual se deve extorquir, subtrair favores, sensações, justificações, gostos, caprichos; um ser à minha disposição e do qual se pode sempre tirar algo que me apeteça. É o Deus imaginado e criado pela teologia da prosperidade. É claro que temos nossas necessidades legítimas. O Senhor é nosso amigo e colabora conosco. Ele somente nos ensina: “Buscai em primeiro lugar o Reino dos Céus e tudo o mais vos será dado em acréscimo”.
Agora podemos entender a passagem: “‘Mestre, quando chegaste aqui?’ Respondeu-lhes Jesus: ‘Em verdade, em verdade vos digo: buscais-me, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes fartos’” (vv. 25-26). Jesus sabia que o povo ao perguntar sobre quando ele tinha chegado, na verdade estava procurando o pão que perece, não o hálito de vida, o Espírito, a condição de homens, de filhos de Deus. As bênçãos de Deus ou o Deus das bênçãos? A nossa consciência moral deplora um filho que se aproxima do seu pai somente para pedir dinheiro ou favores. Dizemos que seja um interesseiro. Da mesma forma devemos deplorar um tipo de religião que justifica e favorece este tipo de aproximação entre o fiel e o Senhor (Teologia da prosperidade). Para nós católicos o Senhor Deus deseja um relacionamento de confiança entre nós e Ele e entre nós mesmos. Quando os noivos dizem um ao outro: “... na alegria e na tristeza, na saúde e na doença ...” é porque querem um ao outro, querem a presença do outro, não importa tanto se haja momentos agradáveis ou desagradáveis, pois importa mais a presença do outro. A relação com Deus também deve estar nestes termos, a este nível.
- “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que dura até a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará” (v. 27). Nosso Senhor não se permite, não se deixa usar, se torna “ausente” a certos pedidos nossos, isto é, nos adverte, nos desperta e nos acorda a “ver sinais”, a ver algo mais. Demos graças por tudo que temos e somos, por tudo que podemos conquistar ainda. Mas não paremos aí! Saiamos do torpor, somos mais do que meros consumidores. Tem algo mais e melhor: o “pão” que não perece.
Que derrota de vida, que vida derrotada é “gastar” nossos anos de vida, é sacrificar e se “matar” pelo “pão” que perece e que nos faz perecer, nos desgasta, nos enfada, nos satura até a náusea. O “pão” que perece e faz perecer não dá o que promete, é um engodo, pois no fim gera insatisfação, náusea. Eu vivo para o pão que perece e faz perecer quando vivo desde o amanhecer até à noite somente para acumular bens, em busca de um poder do qual posso tirar vantagens egoístas, em vista de um prazer mesquinho que despreza o outro. E, assim, vamos construindo um mundo ao nosso redor marcado por rixas, guerras e suspeitas, aproveitamento do alheio e dos incautos. Até quando tudo isso? Até à velhice? Até à saturação e ao enjoo?
Ainda sobre o pão que perece. É triste, mas acontece. Posso gastar meus dias nesta terra em viver sem respeitar quem vive comigo, posso viver só para o próprio prazer, só para tirar proveito, cheio de segundas intenções. Outros vivem aproveitando a fragilidade alheia. E há alguns que vivem sem adorar, sem se render a Deus, enclausurado no próprio orgulho e soberba, sem gratidão ao Criador. Muitos levam anos a fio em inimizades, porfias, conflitos, iras, pelejas, dissensões, invejas, irresponsabilidades, bebedeiras, glutonarias. Outros tantos suspendem a busca da verdade e passam a viver só visando vantagens, interesses.
- O pão da vida, que não perece. Aconteça o que acontecer, mesmo que tenha acontecido o pior, não podemos deixar de criar relações, partilha, família. Sem “laços e vínculos” a vida dos humanos não pode ser bela e significativa. A vida dos humanos não pode se resumir a ter bens, poder de mando e prazer mesquinho. Os prazeres do dia-a-dia, uma boa comida e um certo conforto não podem ser motivos de “rinha” com o próximo, nem motivos para defraudar o alheio, mas podem ser “sinais” da vida, oportunidades de expressar a fé, a esperança, a caridade e a partilha entre nós. Jesus nos pede de trabalhar por este “pão”, por este convívio, pois é o modo de viver como irmãos, filhos do Pai nosso, do nosso Pai.
- “Uma comida que o Filho nos dará” (v. 27). A comida, o pão, o alimento, é Ele mesmo. Atenção: é a vida de Filho que é a vida d´Ele, que é Ele mesmo. Quem poderá também “obter” esta vida de filho? Todo aquele que se alimenta do Filho. Almejemos tal alimento! Não podemos deixar de pensar na Eucaristia, o pão do amor do Pai, a vida do Filho a nós dada. Quem come desse pão se torna filho e capaz de partilhar o pão, se torna irmão (“Aquele que comer a minha carne viverá por mim” - será um outro “Cristo” na terra-, disse Jesus). O suor de cada dia, a fadiga e o trabalho jornaleiros se tornam o meu “pão”, o fruto do meu suor. Eu posso me alimentar do Filho quando este meu dia, meu suor, meu pão, é vivido em ação de graças ao bom Deus e me faz encontrar tantos rostos, me faz alimentar meus filhos e me permite dá uma mão a quem precisar. Sim, o sigilo, a marca do Pai, a Vida do Eterno, faz tudo isso possível.
- Alimento é sobrevivência. Ou vida ou morte, qual é o alimento de minha vida? Disse Jesus: “Quem comer deste pão, da minha carne, viverá eternamente, tem a vida do eterno. E se não comerdes a carne do Filho do Homem não tereis a vida em vós mesmos" (Jo 6).
-“Perguntaram-lhe: Que faremos para praticar as obras de Deus? Respondeu-lhes Jesus: ‘A obra de Deus é esta: que creiais naquele que ele enviou’” (vv. 28-29). Crer, confiar, aderir às palavras do Filho e trabalhar pelo pão que não perece são as obras de Deus. A melhor obra de Deus é ter nos tornado “filhos”, filhos d´Ele. Tenhamos confiança, creiamos naquele que ele enviou, o Filho único, e, assim, nos tomaremos posse da condição de filhos. Não é por acaso que sentimos atração pela verdade, pelo amor, por família, por partilha de vida, pelo desejo de liberdade e de Espírito Santo, vida de filho.
- “Perguntaram eles: ‘Que milagre fazes tu, para que o vejamos e creiamos em ti? Qual é a tua obra? Nossos pais comeram o maná no deserto, segundo o que está escrito: Deu-lhes de comer o pão vindo do céu (Sl 77,24)’. Jesus respondeu-lhes: ‘Em verdade, em verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu, mas o meu Pai é quem vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é o pão que desce do céu e dá vida ao mundo’. Disseram-lhe: ‘Senhor, dá-nos sempre deste pão!’ Jesus replicou: ‘Eu sou o pão da vida: aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que crê em mim jamais terá sede’" (vv. 30-35).
Tudo indica que o povo queria um “milagreiro”, uma sessão de milagre na qual pães apareceriam do “alto” (“Nossos pais comeram o maná; dá-nos sempre deste pão do céu”). Jesus responde, não oferecendo pães ou fazendo a sessão de milagre, mas convidando e provocando o povo a se abrir ao Pai que nos dá o pão do céu, e replicando... É como se Jesus lhes dissesse: “Vocês querem matar as fomes corporais e espirituais, as sedes de água e de sentido? Não basta ficar pedindo que eu toda vez precise resolver para vocês.... Vocês não são mais crianças! Quem se alimenta de mim, absolve minha vida, passa a ter em si a fonte do alimente e da água, e se torna também alimento para os demais (“".. o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. A água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna” (Jo 4, 14). Vocês já se alimentaram de mim, parece que só falta entenderem o “sinal” que eu realizei e ainda falta a boa vontade de pôr tudo isso em prática”.