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HOMILIAS DO TRÍDUO PASCAL

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 25/03/2016 - 17:12

Tríduo Pascal

Missa da Ceia do Senhor. João 13;     Sexta-feira da Paixão. João 18-19, 42; Páscoa Lucas 24, 1-12

Entre os hebreus havia a concepção de que depois da morte os humanos, todos os humanos se destinariam ao “Sheol”. Diz-se que a raiz da palavra “Sheol” é a mesma do verbo “chamar”. Como uma caverna que chama é o “Sheol”, isto é, a morada dos mortos convida e força todos os homens à nela entrarem. Ninguém escapa da morte!

 Para o homem bíblico do Antigo Testamento, o pior era morrer jovem, pois o ideal seria morrer idoso. “E Abraão expirou, morrendo em boa velhice, velho e farto de dias; e foi se juntar ao seu povo” (Gn 25, 8).

Ainda para estes homens antigos, a morte não era um drama tão forte como o é para os homens de hoje, apesar de considerarem esta vida mais agradável do que a vida no “Sheol”, na mansão dos mortos, onde a vida seria vivida em forma reduzida, sem expressão, sem louvor, sem regozijo, etc.

Jesus Cristo traz para esta nossa humanidade uma elevação moral jamais vista ao lavar os pés aos discípulos. Fala-se muito de “dignidade humana”, de “direitos humanos” e de respeito para quem tem credo e escolhas diferentes. Tais valores nos vieram pelos ensinamentos de Jesus. Com o “lava-pés”, nosso Senhor está a dizer o seguinte: a maior expressão da vida humana é o serviço que restaura a vida do outro. O “lava-pés” é um apelo para que você descubra que tem uma preciosidade dentro de si: ser importante para alguém; ter capacidade de ajudar o outro a caminhar como que dizendo “você, irmã, irmão, pode agora pisar, fazer seu caminho, ter sua realização.  E também aponta para um mistério: o mistério do sentido do viver, do consumir e gastar os anos de vida nesta terra. E assim em nosso mundo foi semeado o germe do bem maior e até do sacrifício pelo cônjuge, pela família, pelo trabalho, pelo próximo, etc. Mas uma coisa é construir uma casa sabendo que ela durará um milênio, outra coisa é construir a casa sabendo que ela durará 15 dias. Estamos querendo dizer que toda essa grandeza moral deixada pelo cristianismo só se sustenta enquanto for garantida pela ressurreição. Fazer o bem apoiando-se na alegria da vitória sobre a morte é muito mais gratificante. Fazer o bem sem nenhuma alegria de eternidade é mero esforço, mero sacrifício, mero dever. Se o bem não tem futuro eterno choraremos sempre pois nosso intimo anseia pelo triunfo do bem e das pessoas que amamos.

Marta, irmã de Lázaro, acreditava na ressurreição como reanimação. Para os piedosos judeus, depois de morta a pessoa seguia ao “Sheol” e de lá voltaria no dia da ressurreição. Tal pessoa resuscitada tomaria as condições biológicas desta terra. Ora! Que concepção! Tudo isso não passaria de um procrastinar a derrota. Diríamos hoje: voltaria para morrer de novo. Daí que muitos começaram a crer na reencarnação

Como todo ser humano, as mulheres tentam vencer a morte, pelo menos a escamoteando: tentam eliminar o fedor da morte com aromas. Elas entram no túmulo (imagem do Sheol). O túmulo está vazio. Do “Sheol” Jesus não volta, mas segue para o mundo do divino. A ressurreição não é uma volta, é uma ida, ida para o reino do Eterno. Arromba-se as profundezas do “Sheol”, da morada dos mortes, e sobe-se para o reino de Deus, para o triunfo contido na vida que se faz serviço, vida doada.  Os sentidos deste mundo não captam mais Jesus. Mas há uma promessa......

Se Jesus se faz vivo, se está vivo, ressuscitado para além do mero biológico, como faremos contato com ele? Urge permitir o olhar de Deus existir em nós.

E a promessa é: “Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus”; “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos

O coração puro, a mente pura dar-se conta de algo, enxerga, conhece algo, e conhece de maneira profunda, não superficial, e conhece o intimo, não o exterior. O puro de coração com profundidade e intimidade vê tudo, todos e a cada de forma límpida e transparente. Consegue ver o belo, o dom, o positivo em cada pessoa. Faça um exercício: escreva sobre uma folha pontos positivos de uma pessoa e veja como se sente depois. O puro de consciência (melhor tradução para coração) não tem estratagema, maledicência, tramoia, malícia, esquema, astúcia, mas em si deixa transluzir a luz divina e percebe a luz divina também na vida. O puro de coração se deixa conduzir pela “paixão-pulsão” de amar, de entregar a vida, de salvar todo ser humano. Seu sofrimento maior seria se encontrar impedido de realizar tal oferta de si. O puro de coração sente vibrar em si a vida do Ressuscitado, a vida do seio da Santíssima Trindade; e apesar dos pesares, conhece que o principio da criação é boa, pois sabe e “apalpa” que Deus é amor e que este sempre triunfa.  O puro de coração tem a vida como uma vida doada. Vive em doação. Não está seguro em si, mas está no mar divino sem barco e sem remo.

O salmista diz: “Uns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós apelamos ao nome do Senhor nosso Deus que fez o céu e a terra”. Por “natureza”, por maus elementos de taras hereditárias, educação, sobrevivência, orgulho, complexo de inferioridade, tendemos a nós aferrar em nosso “euzinho”, caprichos, jeito próprio, ideia de si, ideias persistentes; tendemos a viver como diante de um espelho: vendo só a si. Tudo isso nos deixa com a consciência e coração impuros. O impuro é como um montado em si mesmo e um que tudo e a todos devora. Fazer experiência de Páscoa é encontrar o Ressuscitado, o Vivo, e só os puros tocam a Ele. Por isso é que Jesus ressuscitado entrou em relação só com alguns e não com todos. Ele estava ali. Os de olhares puros viram-No e os de olhares impuros, não.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.