XXV Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago
XXV Domingo do Tempo Comum - ano C
(Lucas 16, 1-13)
“Quem encontrou um amigo fiel, descobriu um tesouro” (Eclesiástico 6, 14)
Havia um bebê que gostava muito, como todos os bebês, de estar pertinho do seio de sua mãe. Um dia, ganhou uma chupeta, um pipo. Estranhamente, começou a se apegar mais ao pipo do que à própria mãe, imaginando que o apego ao pipo poderia dar o prazer que a mãe lhe dava. Como tal bebê, podemos esquecer as pessoas e nos apegar a coisas e riquezas pensando erroneamente que tais riquezas nos darão a segurança maior e o máximo da vida, o máximo que a vida possa oferecer. Jesus, no Evangelho de hoje, nos ensina que quando usamos os bens e o dinheiro para nos aproximar das pessoas, algo novo nasce em nós. Não é um algo qualquer, mas uma novidade que tem o poder de nos arrebatar até ao mundo de Deus, ao Reino dos Ceús, à Santíssima Trindade, o maior Mistério de comunhão e acolhida possível e que tanto ansiamos e desejamos. E mais: adentrar neste Mistério de comunhão e acolhida, partilhando o que somos e temos, tem o poder de nos fazer conhecer, finalmente, quem somos nós de fato: “... E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? (v. 12).
- “Jesus disse também a seus discípulos: ‘Havia um homem rico que tinha um administrador. Este lhe foi denunciado de ter dissipado os seus bens. Ele chamou o administrador e lhe disse: Que é que ouço dizer de ti? Presta contas da tua administração, pois já não poderás administrar meus bens’” (vv.1-2).
Acabou a farra! O administrador não poderá mais dissipar os bens dos outros e não terá mais os seus. Acabou a farra! O chão sobre o qual damos nossos passos será pisado por outros. A casa que habitamos outros habitarão. Diante do mundo do Pai Eterno eu sou o administrador dos bens materiais que estão à minha disposição, não o proprietário absoluto e perene. Do meu sucesso, do meu prestígio e também dos meus dons pessoais eu sou o administrador, e não o proprietário absoluto e perene. Sou administrador, não consumidor isolado. Considerar a vida como um apropriar-se é viver para ter, para lidar com coisas, não com pessoas. Desta forma não há alegria, não há sorriso, não há descanso, não há amizade, não há compaixão, não há ajuda, não há caridade, não há Deus, mas só um ar intoxicado respirado a cada dia e só por mim, até que a morte chegue. A farra acabou “...pois já não poderás administrar meus bens”: o administrador não pode mais contar com os bens e o dinheiro que considerava sua “alegria”.
- “O administrador refletiu então consigo: ‘Que farei, visto que meu patrão me tira o emprego? Lavrar a terra? Não o posso. Mendigar? Tenho vergonha. Já sei o que fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando eu for despedido do emprego. Chamou, pois, separadamente a cada um dos devedores de seu patrão e perguntou ao primeiro: Quanto deves a meu patrão?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de azeite. Disse-lhe: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve: cinquenta. Depois perguntou ao outro: Tu, quanto deves?’ Respondeu: ‘Cem medidas de trigo. Disse-lhe o administrador: Toma os teus papéis e escreve: oitenta’” (vv. 3-7).
O Evangelho da misericórdia nos interpela sobre a seriedade da vida. O administrador se encontra em uma dramática situação, e se salva pela sabedoria: “Já sei o que fazer”. E faz, faz amigos. Desconta 50 por cento no azeite e 20 por cento no trigo. Desconta justamente a comissão dele. O administrador, com sabedoria, deixa de faturar e lucrar para fazer amigos e usa dos bens e do seu poder para fazer amigos.
O administrador se “lambuzava”, se satisfazia e repousava naquele “tesouro”, naquele consolo: os bens do patrão. Um dia aconteceu-lhe algo e ele deu-se conta que o seu futuro passaria a depender de amizades, de amigos. Os bens não contariam mais, mas, sim, os amigos. Descobriu a verdade de que quem encontrou um amigo encontrou um tesouro.
O homem que possui sabedoria sabe que nesta vida sempre haverá o momento de passar pela alfândega. Os bens deste mundo não passam pela alfândega (a porta estreita). Passa aquilo que tivermos feito com os bens (cf. Mt 25, 31ss). A morte não me tira aquilo que se torna realmente “carne de minha carne e ossos dos meus ossos”, isto é, tira as posses, mas não tirará a comunhão, o amor, a família, a vida comunitária, a solidariedade. Com sabedoria posso usar minhas riquezas interiores e o pouco ou muito de bens que disponho para criar comunhão, solidariedade, que se torna “carne de minha carne e ossos dos meus ossos”.
É normal. Queremos encontrar algo que nos faça vivo, brilhante, forte, vivo, feliz. E, assim, partimos, na vida, em busca deste tesouro. A parábola de hoje só nos ensina a encontrar esse tesouro encontrando pessoas, não coisas. E se por acaso eu tiver coisas, poder, ou mesmo capacidades, que eu as use para fazer amigos, comunhão, encontro. Trata-se de ser rico para alguém: eis o segredo da felicidade. Um amigo é uma pessoa, tem sua “vontade”, seu “querer”, seu “regozijo”, sua “alegria”. Quando uma pessoa só vê a si e seus bens, nunca saberá o que os outros podem mostrar-lhe, nunca criará laços e vínculos que lhe possam enriquecer como pessoa. Será uma pessoa muito “mesquinha”. Jamais terá tempo de “virar gente”, de se tornar humano. Ser humano é precisar. Ser humano é precisar, é mostrar a falta, a carência de um bem maior que só Deus e seus filhos completam. Vivamos em comunhão, em Igreja! O papa Francisco nesta sexta-feira esteve em um hospital reservado para crianças nascidas prematuramente e em outro para pessoas especiais em fase terminal. Parece até que o papa Francisco precisasse abraçar aqueles pequeninos filhos de Deus, fazer-se amigo deles, criar laços e vínculos com eles. Diante desses amigos de Jesus, a minha míope visão se abre a um mistério maior, ao mistério da vida, ao meu mistério, ao mistério que é Deus. A Palavra desse domingo nos convida a dar este passo: não fugir do nosso sonho maior, não ficar se lambuzando de coisas, mas de amigos que nos levarão ao mundo do divino.
- “Eu vos digo: fazei-vos amigos com a riqueza injusta, para que, no dia em que ela vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos” (v. 9). Certamente, um dia ficaremos sem riquezas (“Ao pó retornarás” – Gn 3, 19). O homem sábio, portanto, usa dos bens para fazer amizade, para amar a Deus e se aproximar dos demais. Que a nossa vida não se torne uma rua ou um túnel sem saída. E qual é a saída? Ser acolhido é o grande desejo plantado pelo Criador no interior de cada um de nós. A saída é ser acolhido no final de nossas vidas: “Vinde, benditos do meu Pai, para herdar o reino preparado para vós desde a criação do mundo, pois tive fome e me deste de comer ... estava enfermo e me visitaste ...” (Mt 25, 32ss).
- “Aquele que é fiel nas coisas pequenas será também fiel nas coisas grandes. E quem é injusto nas coisas pequenas o será também nas grandes. Se, pois, não tiverdes sido fiéis nas riquezas injustas, quem vos confiará as verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? (vv. 10-12).
As coisas pequenas, o cotidiano, os nossos negócios, tudo aquilo que fazemos para viver, nossas relações humanas, nosso atendimento junto a tantas pessoas, são momentos importantes que podem gerar em nós coisas grandes, grandes riquezas, podem nos tornar filhos de Deus. “Riquezas verdadeiras”: o verdadeiro tesouro é ter a Deus como meu Pai e os demais como meus irmãos que não posso desprezá-los. O verdadeiro tesouro me será confiado como um dom, uma graça. Da minha parte, importa que eu use as “riquezas injustas” em termos de fraternidade, isto é, conduza e paute a vida construindo relações sadias e promovendo maior bem-estar ao nosso redor. Eis a única forma de ser honesto nesse mundo, pois, afinal, o sistema econômico por si mesmo é injusto e todos nós estamos, querendo ou não, atrelados a ele.
- “Nenhum servo (“dulos’ no original grego, isto é, “escravo”) pode servir, ser proprietário de dois senhores: ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de aderir a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (v. 13).
Somos servos, não donos da casa. Não somos donos de ninguém e nem da própria vida. Sejamos servidores, propriedade, d´Aquele Senhor que gera, promove e dá a vida, que é amor e tudo doa. Não permitamos que nos governe aquele “senhor” que tira a vida, gera morte por onde passa, quer possuir e tudo destruir. Perguntemos-nos seriamente: quem nos governa e a quem servimos? De quem somos propriedade? Se gastamos nossos dias em busca unicamente de mesquinhos interesses, em busca de tirar proveito de tudo e de todos sem nenhum escrúpulo, alimentando somente a nossa fome de dispor de tudo e de todos (péssimo uso da liberdade), não se importando com quem quer que seja, estaremos servindo a “Mamona” que sempre causa briga, intriga, confusão, miséria, injustiça, corrupção, inveja, ciúmes, e somente visa vantagens unicamente a beneficio proprio! E, servindo a Mamona, seremos idólatras.
Marcello Candia, grande industrial católico, decidiu destinar parte do lucro de sua empresa em vista de uma “Fundação”. Tal Fundação, hoje em dia, socorre inúmeros pobres, portadores de deficiência, idosos abandonados e leprosos em vários países, inclusive no Brasil. Marcello escutou e cumpriu a “bem-aventurança”, tinha um coração de pobre, de quem em Deus confia o seu “destino”, o seu amanhã.
Ter coração de pobre, pobre em espírito, ou ter o coração para o pobre faz com que se trabalhe em vista de eliminar a causa da pobreza que parece roubar a dignidade de tantas pessoas. Mais do que esmola o convite é mesmo para se partilhar os recursos a fim de tornar o outro “meu irmão”, isto é, em igual condição de dignidade que eu possuo. Toda comunidade cristã, assim como cada cristão, é convidado a adquirir este coração que se volta para os irmãos que estão “na pior”, a fim de que estes, por sua vez, se tornem felizes, sejam bem-aventurados, comecem, também eles, a possuírem um coração voltado para outros tantos outros a serem socorridos.