A Misericórdia na história e na vida dos frades Capuchinhos
“Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecado, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura da alma e do corpo; e, depois demorei só um pouco e saí do mundo” (Testamento de São Francisco 1-4).
São Francisco antes da sua conversão tinha uma repulsa de estar perto dos leprosos, no entanto a providência divina levou o pobrezinho de Assis a ter uma experiência de conversão justamente entre aqueles que ele mais desprezava, os leprosos. Interessante observarmos que o santo de Assis não fala que teve misericórdia e sim que fez misericórdia, ele não teve pena dos leprosos. Fazer misericórdia aqui significa que São Francisco amou aqueles leprosos, pois para ele, naqueles pobres miseráveis que estavam excluídos do convívio social por motivo de sua enfermidade, o seráfico pai viu a figura de Cristo chagado, pobre e desprezado. Para nós franciscanos a misericórdia não é apenas olhar a miséria em que o irmão se encontra e começar a condená-lo, apontando o dedo no rosto do outro e dizendo que ele está errado, mais sim estar do lado da pessoa caída e resgatar a sua dignidade de irmão e principalmente de filho de Deus, que é amado pelo Pai.
Mais especificamente queremos refletir a misericórdia na espiritualidade capuchinha. Os frades capuchinhos desde os primeiros momentos da reforma sempre tiveram como meio de apostolado e também parte essencial do carisma, o perdão e a misericórdia. Podemos observar isto nos escritos dos primeiros anos da reforma capuchinha, como um texto das constituições da Albacina que foram as primeiras da Ordem:
“Recordem-se também de que nosso pai São Francisco costumava dizer que, se quisermos levantar alguém que tivesse caído, precisamos agir por piedade, como fez Cristo, piedosíssimo Salvador, quando lhe foi apresentada a adúltera, e não estar com rígida justiça e crueldade sobre o pecador. E mais: Cristo, Filho de Deus, para salvar-nos, desceu do céu sobre a cruz e aos pecadores humilhados mostrou toda doçura possível. Pensem também que, se Deus devesse julgar-nos com justiça rígida, poucos ou nenhum se salvaria [...] como dizia o pai São Francisco, todos nós faríamos muito pior se Deus não nos preservasse com sua graça”. (Fontes Capuchinhas do Primeiro Século 332).
Nossos frades sempre levaram isso sempre muito a sério, pois como se sentiam pecadores e necessitados da graça divina, como uma vez falaram de São Leopoldo Mandic tinham “as mangas largas”, ou seja, eram muito indulgentes e generosos em dar o perdão.
Esta liberalidade no perdão também foi atestada pela história, desde os primeiros frades até hoje os capuchinhos sempre foram os grandes confessores da Igreja. Aqui podemos recordar algumas figuras que nos atestam essa “fama” no bom sentido da palavra. Em primeiro lugar o que mais lembramos é de São Pio de Pietrelcina, o frade sacerdote italiano que teve em seu corpo os estigmas do Senhor. São Pio se destacou muito como confessor, a tal ponto que ele ficava até 16 horas dentro do confessionário a cada dia, atendendo centenas de pecadores que vinham para se confessar. E como São Pio foi um santo quase contemporâneo a nós, temos a graça de ter muitas coisas sobre ele escrita, e podemos ler o testemunho de Katharina Tangari descreveu como era se confessar ao Padre Pio:
“… Padre Pio primeiramente questiona quanto tempo se passou desde nossa última confissão. Esta primeira pergunta estabelece um contato entre Padre Pio e o penitente; de repente parece que Padre Pio sabe tudo sobre nós. Se nossas forem pouco claras e inexatas, ele as corrige; temos a sensação de que… seu olho pode ver nossa alma como verdadeiramente ela é ante Deus”.
Outro santo que podemos destacar foi São Leopoldo Mandic. Este tinha no coração o desejo de ser missionário no oriente entre os ortodoxos para reconduzi-los ao seio da Santa Igreja, entretanto como tinha uma saúde muito frágil os superiores não o permitiram partir em missão. Todavia ele para não trair este chamado divino, se ofereceu pelos orientais no confessionário. O confessionário foi o principal instrumento para a realização de tal oferecimento. Nele permanecia todos os dias mais de dez horas, às vezes doze, atendendo almas às quais consolava, orientava e ministrava o Sacramento da Reconciliação. Jamais deixou de mostrar-se solícito com quem o procurava, mesmo quando se tratava de pessoas impertinentes ou quando o horário já era tardio. O pequeno espaço de sua cela-confessionário transformou-se para ele num verdadeiro campo de batalha. Dizia com frequência: "Devo fazer tudo só para o bem das almas, tudo, tudo mesmo! Quero e devo morrer lutando". Poderíamos destacar também outros frades capuchinhos, Frei Damião de Bozano, missionário do nordeste, entre outros frades que nós mesmos conhecemos e damos testemunho que foram insignes confessores.
Estamos no ano santo da Misericórdia, e o papa Francisco escolheu como ícones da Misericórdia Divina justamente esses dois frades que foram citados aqui: São Pio de Pietrelcina e São LeopoldoMandic, homens que viveram a Misericórdia do Senhor no seu tempo principalmente através do sacramento da penitência e da direção espiritual. Os corpos destes dois santos foram levados a Roma para serem venerados na Basílica de São Pedro. Na oportunidade o papa celebrou uma missa com a presença de cerca de 4.000 frades capuchinhos.
Durante a homilia o papa Francisco deu seu testemunho durante a sua homilia dizendo que tinha em Buenos Aires um frade capuchinho amigo seu que foi enviado aos 70 anos a um santuário para confessar. Aquele homem, disse o papa, “tinha uma fila de pessoas: sacerdotes, fiéis, ricos e pobres… Ele era um grande ‘perdoador’, sempre achava o jeito de perdoar ou pelo menos deixar aquela alma em paz com um abraço”. E continua o papa: “Uma vez eu o encontrei e ele me disse: eu acho que peco porque perdoo muito. Sempre encontro um jeito de perdoar”. “E o que você faz?”, perguntou o então cardeal Bergoglio. “Eu vou à capela, diante do tabernáculo, e digo: ‘me perdoa, Senhor, acho que hoje eu perdoei demais. Mas, Senhor, foste tu que me deste o ‘mau’ exemplo!”.
O papa reconhece e confirma a tradição dos capuchinhos falando aos frades reunidos na Basílica de São Pedro: “A sua tradição capuchinha é uma tradição de perdão”. Ouvir isso de um papa, para nós capuchinhos é uma enorme alegria, pois é como a confirmação da nossa identidade e carisma apostólico por parte da Igreja. O capuchinho se destaca ao perdoar porque também ele se reconhece pecador, e se coloca de mãos vazias diante de Deus reconhecendo a grandeza de Deus que se fez homem para nos salvar, e o frade olha para si e no seu interior diz: O que fiz para merecer tanto amor assim? E é isso que os capuchinhos querem ser para o mundo sinais da Misericórdia.